Foto: Julia M Cameron/ Pexels
Tem muita gente desistindo de empregos seguros, mesmo que não saiba direito o que fazer da vida.
Não são apenas jovens.
Também há trabalhadores maduros informando o chefe pelo Whats: fecha minhas contas e depois diz aí quando devo assinar a rescisão.
É a ressaca pós-pandemia. Pesquisa global da consultoria Mckinsey revelou que 31% de jovens entre 18 e 34 anos querem deixar o trabalho atual.
Entre os profissionais com mais de 35 anos, são 14%.
Eles não querem voltar ao ambiente pré-pandemia. É o confronto da realidade com as previsões furadas.
As mais recentes e espetaculares previam finalmente a chegada do século 21 com o cenário do trabalho remoto massificado.
Nesse mundo imaginário, poucos continuariam trabalhando de forma presencial depois da pandemia, quase só os dedicados a trabalho braçal, principalmente em fábricas ainda não totalmente robotizadas, na construção civil, na saúde, em entregas e contatos insubstituíveis com o público.
Os escritórios de prestação de serviços e das áreas administrativas das empresas ficariam vazios. Chefes mandões se sentiriam sozinhos, abandonados e desesperados.
Mas os chefes estão vencendo. Mesmo que os jovens não queiram se submeter a comandos do século 20 e se dedicar a funções repetitivas.
As chefias querem que eles voltem ao trabalho presencial. Elon Musk, o fascista dono da Tesla, contagiou empresários admiradores das suas arbitrariedades com essa frase: “Quem fica em casa apenas finge que trabalha”.
Temos um exemplo concreto e próximo de quem vive no Rio Grande do Sul. Mais de 300 servidores do Banrisul, o banco estatal gaúcho, todos da área de TI (tecnologia da informação), foram surpreendidos porque as chefias mudaram o sistema de trabalho depois da pandemia.
O modelo básico vinha sendo de quatro dias de atividades presenciais por mês, e o resto era remoto, com alguns casos de trabalho on-line integral.
O Banrisul decidiu que seriam, a partir de junho, 15 dias em teletrabalho e outros 15 presenciais. Junho chegou ao fim com o impasse não resolvido, mesmo que os gerentes tenham autonomia para optar pelo sistema anterior.
Há resistências em qualquer atividade, pública ou privada, que exija sumariamente o trabalhador de volta.
Ele não quer voltar por causa das distâncias, do transporte, das relações presenciais complicadas, de sistema superados.
Por que sair de casa para encarar o ônibus e o metrô e aquele sujeito insuportável? Por que disputar espaço e banheiro? Por que ouvir o que todo mundo fala em volta?
E aí surgem as perguntas inevitáveis. Mas como fica a vida sem interações pessoais? Quantos namoraram e casaram na firma?
Quantas ideias e soluções surgem de encontros imprevistos dentro da empresa? É possível substituir uma conversa cara a cara num momento de tensão, que exige concentração e urgência? E a cultura da empresa?
Fica claro que não é isso o que a gurizada quer. Vale a pena voltar ao setor (que muitos veteranos chamam ainda de repartição) e imaginar o casamento com a ruiva da contabilidade?
Vale a pena o café ruim? E o chato que conta sempre a mesma piada? E a competição desleal com os meritocratas? Em muitos casos, a gravata. E o sapato apertado.
Em julho, a consultoria Robert Half fez uma pesquisa com trabalhadores brasileiros de áreas diversas: 39% trocariam de emprego para ter a opção de home office, e 42% dos recrutadores percebiam que trabalhadores da própria empresa buscavam novo emprego depois do retorno presencial.
A mesma consultoria pesquisou pessoas desempregadas e descobriu que 20% delas não aceitariam emprego que não oferecesse trabalho remoto parcial ou integral.
São escolhas, num país em que não há emprego suficiente para os jovens. Quem olha de fora pode perguntar: mas a solidão do trabalho remoto vale a pena?
Essa é uma resposta possível, a partir do que mostram as pesquisas: a pior solidão pode ser a dos confinamentos do século 20, com a insalubridade de ambientes e processos anacrônicos e comandos arbitrários e inseguros.
Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe