OPINIÃO

Sobre rótulos e profecias

Por Marcos Rolim / Publicado em 14 de dezembro de 2013
O que os rótulos e as profecias que se autocumprem indicam é que, quando nos manifestamos a respeito das pessoas, impregnamos o mundo com significações – positivas ou negativas – que adquirem vida própria e passam a conformar situações que tendem a confirmar tais conteúdos

Ilustração: Pedro Alice

O que os rótulos e as profecias que se autocumprem indicam é que, quando nos manifestamos a respeito das pessoas, impregnamos o mundo com significações – positivas ou negativas – que adquirem vida própria e passam a conformar
situações que tendem a confirmar tais conteúdos

Ilustração: Pedro Alice

Os irmãos Ori e Rom Brafman são autores de alguns trabalhos muito interessantes a respeito do comportamento humano. Em seu livro A Força do Absurdo (Objetiva, 228 p.) eles examinam as razões pelas quais as pessoas tomam decisões irracionais no seu dia a dia. Um dos temas abordados no livro é a rotulação.

Os autores descrevem uma pesquisa realizada em Israel com um grupo de 105 soldados em treinamento. A dedicação exigida daqueles militares era muito alta e o processo duraria 15 semanas. Os que fossem bem-sucedidos poderiam assumir posições mais elevadas. Os responsáveis pelo treinamento foram, então, informados que todos os soldados haviam passado por uma bateria de testes psicológicos e exames prévios que permitiram classificá-los em três tipos: os com potencial de comando “elevado”, com potencial “regular” e com potencial “desconhecido”. Os oficiais que receberam estas informações, assim como os próprios soldados, não sabiam que elas eram completamente falsas. Os conceitos haviam sido atribuídos aos soldados aleatoriamente e os testes que eles haviam feito não tinham sentido algum. Ocorreu que, após as 15 semanas de treinamento, os soldados foram submetidos a um teste de capacidade para funções de comando. Este teste era verdadeiro e incluía questões essenciais sobre os conteúdos do curso. Os resultados demonstraram que os soldados que haviam sido apontados antes como os de “elevado potencial de comando” tiveram uma pontuação média de 79,98; os que haviam sido apontados como de “potencial regular” alcançaram a média de 65,18 e os apontados como de potencial “desconhecido” tiveram a média de 72,43. Sem que se dessem conta, os soldados adquiriram as características que a classificação anterior lhes atribuía.

Nos círculos psicológicos, este fenômeno é conhecido como “Efeito Pigmalião”, quando lidamos com características positivas, e “Efeito Golen”, quando estamos diante de uma atribuição de sentido estigmatizador. Ao classificar ou diagnosticar as pessoas, atribuímos a ela uma nova identidade – um rótulo – que fará com que os demais a vejam de outra maneira. Os próprios rotulados tendem a se conceber a partir daquelas características, o que termina por conduzi-los a comportamentos que confirmam e reforçam a rotulação.

O sociólogo norte-americano Robert K. Merton examinou um fenômeno semelhante – mas de efeitos sociais mais amplos: as profecias que se autocumprem (self-fulfilling prophecy), definindo-o como: A profecia autorrealizável é, no início, uma definição falsa da situação, que suscita um novo comportamento e assim faz com que a concepção originalmente falsa se torne verdadeira. Esta especial validade da profecia que se autocumpre perpetua o reinado do erro. O profeta irá se referir ao curso dos eventos como prova de que ele estava com a razão desde o início. Em um dos seus exemplos, ele afirma: quando Roxanna acredita equivocadamente que seu casamento irá fracassar, o próprio medo de que tal fracasso ocorra poderá realmente conduzir o casamento ao fracasso.

O que os rótulos e as profecias que se autocumprem indicam é que, quando nos manifestamos a respeito das pessoas, impregnamos o mundo com significações – positivas ou negativas – que adquirem vida própria e passam a conformar situações que tendem a confirmar tais conteúdos. Rotular alguém pode ser, por isso, uma forma de condenação especialmente cruel.

O tema é especialmente importante para se compreender a lógica excludente dos estigmas. Ele está presente, por exemplo, na forma como nos referimos às pessoas que são acusadas ou mesmo condenadas criminalmente. Suspeitos e condenados já aparecem como tradução de um mesmo processo pelo qual as pessoas são vistas como “estragadas”. Mesmo após ter cumprido sua pena e nada mais dever à sociedade, aquele que esteve preso será chamado com frequência de “bandido” ou identificado pelo crime que cometeu. A pessoa, efetivamente, desaparece neste processo e o que resta é a nova identidade, exatamente aquela que a reduz ao passado – e, não raro, à circunstância de um único erro – e que lhe impedirá de alcançar oportunidades e reconhecimento, por maiores que sejam seus esforços e méritos. Não por acaso, uma das abordagens modernas na criminologia – a chamada Teoria da Rotulação (Labelling Theory) – tem chamado a atenção para o papel criminogênico dos rótulos.

Algo assim também pode ocorrer na relação com os alunos, sempre que eles forem classificados a partir de expressões que atuam como sentenças. “Incapazes”, “preguiçosos”, “burros” são algumas destas palavras que ainda são empregadas por educadores em muitas escolas sem que eles se deem conta de que elas funcionam como maldições.

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