O que esperar de Dilma Rousseff? Essa pergunta começou a ser feita a partir do final da tarde do dia 31 de outubro, quando se confirmou a tendência que as últimas pesquisas vinham apontando. O projeto do governo Lula terá continuidade por, pelo menos, mais quatro anos. Um governo nunca é igual ao outro. Os dois governos do presidente Lula são um exemplo disso. Mas em meio às eventuais mudanças de estilo de governar, deve prevalecer uma linha de continuidade que expressa um dos principais significados políticos da vitória de Dilma Rousseff. A votação da candidata do PT (mais de 55 milhões de votos) foi embalada, em larga medida, pelo apoio maciço vindo da região Nordeste e dos setores mais pobres da população em todo o país, justamente o público alvo central das políticas públicas do governo Lula.
Esse é, talvez, o maior elogio que um governo e um governante podem receber. As políticas públicas de seu governo são reconhecidas por seu público destinatário, sinal de que elas estão cumprindo seu objetivo e mudando a vida das pessoas para melhor. Logo após a confirmação da vitória de Dilma, o teólogo e escritor Leonardo Boff definiu o fio de continuidade que, na sua avaliação, deve haver entre os dois governos. Para ele, o governo Lula foi marcado por uma transição de paradigma: de um Estado privatizante, inspirado nos dogmas neoliberais para um Estado republicano que colocou o social em seu centro para atender as demandas da população mais destituída. E essa transição, acrescentou, possui um lado de continuidade e outro de ruptura.
A continuidade, defende Boff, foi a manutenção do projeto macroeconômico para fornecer a base para a estabilidade política e exorcizar os fantasmas do sistema. A ruptura, por sua vez, foi a criação de políticas sociais destinadas à integração de milhões de brasileiros pobres, tendo o Bolsa Família como carro chefe. “Lula incluiu socialmente uma França inteira dentro de uma situação de decência”, resumiu Boff. Isso não deve mudar no governo Dilma. Pelo contrário. Em seu pronunciamento público como presidente eleita, ela reafirmou o compromisso de seu governo com a erradicação da miséria no Brasil. Se ao final de seus quatro anos de governo, mais alguns milhões de pessoas tiverem saído dessa situação, o país terá, definitivamente, mudado de cara.
“Em 2011 provavelmente assistiremos ao mais intenso e agudo debate sobre a regulamentação do setor da comunicação no Brasil”
Além da erradicação da miséria, outro objetivo do próximo governo é fazer avançar a Reforma Política. Tarefa nada fácil considerando o conservadorismo da maioria dos integrantes do Congresso Nacional. Na avaliação do Laurindo Leal Filho, professor de Jornalismo da ECA-USP, apesar dos grandes avanços sociais dos últimos anos, o Brasil ainda vive um descompasso entre esses avanços e um sistema político arcaico, perpetuador de privilégios. Para ele, governos comandados por presidentes populares sempre foram fustigados por essas estruturas arcaicas. “Lula não foi exceção e só sobreviveu graças a sua incontestável habilidade política”, defende o sociólogo. O caminho para mudar esse quadro seria a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, iniciativa que, neste momento, não parece muito visível no horizonte.
Outro ponto polêmico que desafiará o próximo governo diz respeito à mídia. Em 2011 provavelmente assistiremos ao mais intenso e agudo debate sobre a regulamentação do setor da comunicação no Brasil. Para Laurindo Leal Filho, a Reforma Política não terá efeitos práticos se os meios de comunicação seguirem tendo o papel político-eleitoral de hoje. No primeiro semestre deste ano, cabe lembrar, a presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Judith Brito, admitiu que os grandes meios de comunicação do país estavam agindo como partidos políticos diante do que classificou como “fragilidade da oposição ao governo Lula”. E, de fato, foi isso que se viu durante toda a campanha: uma cobertura totalmente desequilibrada das campanhas dos candidatos José Serra e Dilma Rousseff.
As propostas que estão colocadas neste debate encontram pesada resistência por parte das grandes empresas de comunicação. Algumas das principais são as seguintes: avançar no projeto nacional de banda larga oferecida por sistema público, acabar com a propriedade cruzada dos meios de comunicação, ampliar a abrangência da cobertura da TV Brasil e das emissoras de rádio da Emissora Brasileira de Comunicação (EBC), garantir a aplicação do dispositivo constitucional sobre a obrigatoriedade de um percentual de programas regionais na televisão e criação de uma agência reguladora para os serviços de radiodifusão capaz de, entre outras coisas, coibir a violação constante dos direitos humanos no rádio e na televisão. O avanço dessa agenda dependerá mais da pressão da sociedade, do que do governo, para avançar.
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