CULTURA

Afrogaúchos, por uma narrativa que inclua a história negra

Exposição em cartaz na Fundação Ecarta até 1º de outubro registra a presença negra nas diferentes manifestações do tradicionalismo
Por José Weis e Gilson Camargo / Publicado em 15 de setembro de 2023
Afrogaúchos, por uma narrativa que inclua a história negra

Imagem: Ecarta/ Reprodução

“A presença de afrodescendentes está em todos os lugares, de todas as maneiras e em todas as atividades”, resume Thiago

Imagem: Ecarta/ Reprodução

Um dos trabalhos que o artista visual Thiago Madruga apresenta na exposição Afrogauchismo em cartaz evoca a letra da canção O negro de 35, defendida por César Passarinho na 17ª Califórnia da Canção Nativa, em 1987. “Peleia, negro, peleia, com armas da inteligência. Semeia, negro, semeia, teus direitos na querência”, diz o refrão da composição, de autoria de José Rufino de Aguiar Filho. O quadro sintetiza a proposta do artista nesta mostra: “gerar pertencimento e identidade da nossa cultura”.

As obras em exposição funcionam como holofotes que jogam luz sobre negros e negras cujo protagonismo sofreu um apagamento quando a história oficial foi escrita. Suas referências tocam em feridas que ainda estão abertas, como o Massacre de Porongos, em que soldados negros foram massacrados no Rio Grande do Sul durante a Revolução Farroupilha (1835-1845) que o tradicionalismo comemora no 20 de setembro.

Uma das mostras selecionadas no projeto Potência, a exposição Afrogauchismo em cartaz está aberta ao público na Fundação Ecarta até 1º de outubro.

Negros presentes

Assim como a música, a exposição reivindica voz e espaço de expressão para a cultura negra na história passada e presente, nas artes e no cotidiano do Rio Grande do Sul.  Na história oficial, assim como na versão dos vencedores, são constantes os apagamentos do protagonismo negro, aponta Thiago.

Para o artista, o ocultamento começa pelo hino rio-grandense. “O maior dispositivo de poder simbólico de um povo, geralmente é o hino”, observa. O hino dos gaúchos, pela sua relevância, “tem aspectos questionáveis que precisam passar por mudanças”, reivindica.

“Assim também ocorre em relação aos marcos históricos, como o trabalho escravizado nas charqueadase episódios como a criação de um Centro de Tradições Gaúchas no ambiente quilombola”, enumera.

Formação étnica e cultura do RS

Afrogaúchos, por uma narrativa que inclua a história negra _

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

O artista rio-grandino explica que seu trabalho está engajado no movimento da população negra no processo de formação étnica e cultural do estado.

“A proposta de Afrogauchismo em cartaz é dar visibilidade à pluralidade do nosso povo, frequentemente ocultada pela narrativa vigente”, resume o texto que apresenta a exposição.

“Essas colagens são fendas, portais de acesso para os personagens negros em uma história embranquecida”, propõe o artista. Ao colocá-los em cartaz, afirma, “posso utilizar o poder simbólico desse reconhecido dispositivo de comunicação, para potencializar a visibilidade de suas presenças e fomentar a circulação de suas narrativas”, ressalta Thiago, graduado em artes visuais pela Furg e mestrado pela UFPel.

Nova linguagem

A mostra reúne obras que retratam cantorescomo Loma e Cesar Passarinho e personagens nem tão conhecidos como Nilton Vaqueiro, integrante do destacado núcleo campeiro quilombola de Santana do Livramento, na região do Ibicuí da Armada; e Alemão Preto, cantor e trovador do movimento tradicionalista. Eles reafirmam a valorização e contribuições de suas histórias ao movimento negro na construção cultural gaúcha.

A ideia é mostrar que há uma real participação e construção da população negra em todos os espaços e na história gaúcha, inclusive no movimento tradicionalista: “a presença de afrodescendentes está em todos os lugares, de todas as maneiras e em todas as atividades”, resume.

Ele ressalta que procurou uma nova narrativa, “com foco na presença negra no Rio Grane do Sul”. Através desta pesquisa, ele trabalhou com colagens digitais, buscando uma linguagem “que não se resume às histórias trágicas e mostre a contribuição real da cultura afro para as artes, a música, a política e em diversos segmentos da vida cotidiana”, explica Thiago.

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