Mudança de atitude para compartilhar a vida
O transplante é a substituição de órgãos e tecidos doentes com objetivo de salvar vidas ou melhorar sua qualidade, como no caso do transplante de córnea. Entretanto, a escassez de órgãos resulta em aumento da mortalidade dos pacientes na fila de espera. Várias estratégias têm sido aplicadas para reduzir essa falta, incluindo uso de doador vivo para rim, fígado e pulmão; utilização de doadores falecidos com critérios expandidos, como idosos, hipertensos etc.
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No Brasil, para a efetivação da doação de órgãos é necessário que a família do doador concorde. Se essa pessoa não teve uma educação sobre esse assunto, se a pessoa falecida nunca manifestou sua opinião a respeito de ser um doador, numa hora tão difícil, torna a resposta negativa bem provável. Com isso muitas pessoas deixam de ganhar uma nova chance de vida.
A população necessita saber o que é morte encefálica, como é a distribuição dos órgãos, que o comércio é proibido, que todas as religiões apoiam a doação, que o corpo do doador não fica mutilado, dentre muitas outras dúvidas que devem ser dirimidas. Sabe-se que a educação sobre doação pode contribuir para reduzir a escassez de órgãos, esclarecendo todas essas dúvidas.
SOCIEDADE – O transplante é a única área do atendimento médico que não pode existir sem participação da sociedade. As três peças fundamentais para uma sociedade civil incluem: um sistema de valor, comunicação eficaz e empatia. O desenvolvimento desses componentes é impulsionado por um sistema educacional, que incute capacidade intelectual, raciocínio moral e pensamento crítico. É fundamental o desenvolvimento de responsabilidade cívica com atividades que beneficiem o “bem comum”, como a doação de órgãos e transplante (DOT).
Como os professores são responsáveis pelo ensino, eles devem estar envolvidos nos programas que abordam DOT. Necessitam de conhecimento sobre o tema para transmitir a seus alunos. O conhecimento sobre DOT pode ser usado como um trampolim para abordar princípios complexos, tais como ética, moral e altruísmo. Crianças e adultos jovens facilmente aprendem novos conceitos, pois possuem pensamentos livres de preconceito e, por sua vez, poderão discutir os conceitos sobre doação de órgãos e transplantes aprendidos na escola com sua família, criando uma população mais informada. A educação em DOT pode ser uma ação para promover o conceito que a doação de órgãos após a morte é um bem social, um compromisso. Vale ressaltar que o conceito tradicional da doação de órgãos não deve ser percebido somente como “um presente da vida”, mas como “um compartilhamento de vida”. A perspectiva é de considerar como um compartilhamento de órgãos, como fonte de vida entre indivíduos da sociedade, e assim deve ser ensinado.
DOAÇÃO – Durante a vida, as pessoas têm maior risco de se tornarem receptores do que doadores de órgãos. Além disso, todas as religiões monoteístas aceitam a doação de órgãos durante e após a vida. Assim, a doação de órgãos não é apenas uma bondade, mas uma maneira de compartilhar a vida com todos membros da sociedade. Para facilitar e melhorar o desenvolvimento do material educativo sobre DOT, o primeiro passo é parceria dos grupos capacitados em doação e transplante com os profissionais da escola. Educação em DOT requer plano pedagógico, objetivos claros, preparo dos conhecimentos e recursos. O plano pedagógico dependerá do curso em que o tema está sendo ensinado. É importante
abrir a porta para uma nova disciplina e identificar suas conexões com as outras já existentes nos currículos.
Os principais componentes desse ensino são: desenvolver habilidades críticas de pensamento, criar responsabilidade social e promover discussões sobre a responsabilidade dos indivíduos.
CONSCIENTIZAÇÃO – Várias organizações têm se dedicado a reunir e disponibilizar informações sobre a doação de órgãos. O projeto Cultura Doadora, da Fundação Ecarta, vai além, disponibilizando em seu site (www.ecarta.org.br/doadora) também subsídios pedagógicos para auxiliar professores na abordagem do tema com alunos do ensino fundamental, médio e superior. Informações sobre doação e transplante também são encontradas nos sites da ABTO (www.abto.org.br), Via-Vida (www.viavida.org.br), Adote (www.adote.org.br) e Santa Casa de Porto Alegre (www.santacasa.org.br).
Sou professora da Faculdade de Medicina da UFCSPA e semestralmente ofereço um curso sobre DOT, no qual capacito os alunos para serem coordenadores educacionais nessa área, portanto, também temos condições de ajudar os professores nessa jornada. Doar órgãos é compartilhar. É salvar a vida de outros, para que outros salvem a vida dos nossos.
*Professora doutora de Nefrologia da UFCSPA, chefe do Serviço de Nefrologia Pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio, da Santa Casa de Porto Alegre, apoiadora do projeto Cultura Doadora da Fundação Ecarta.