Torturadores e golpistas estão sempre em busca de anistia
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O Brasil não tem e nunca terá um fenômeno como o registrado agora na eleição para a presidência da Argentina. Militares condenados, que cumprem penas em prisão domiciliar por crimes de lesa humanidade durante a ditadura, pediram à Justiça para sair de casa para votar.
O jornal Página 12 noticiou que nunca isso havia ocorrido antes. Torturadores e assassinos queriam votar no fascista Javier Milei, que os defende e acabou sendo eleito.
No Brasil, não há como imaginar bandidos da ditadura presos pedindo para ter o direito do voto. Porque aqui não há torturadores presos. Todos ficaram impunes com a anistia de 1979, os ditadores e seus serviçais.
Mas na Argentina tudo é possível, incluindo o desejo de ajudantes de ditadores de participar do principal evento da democracia que eles tentaram destruir, com perseguições, torturas e mortes.
É gente geralmente com mais de 80 anos, muitos quase centenários, protegidos e incentivados pelo discurso e pelas ações de Milei e de sua vice, Gabriela Villarruel.
Gabriela, filha de um coronel da ditadura, foi encarregada de levar adiante as conversas com interlocutores do meio militar. E assim começa a prosperar na Argentina o que até o ano passado seria inimaginável.
Há movimentos de oficiais da reserva no sentido de forçar um afrouxamento nas prisões preventivas de torturadores ainda sem julgamento. E cresce a pressão para que condenações sejam revisadas.
O mensageiro desses grupos é o empresário Facundo Correa Llano, de Mendoza, eleito deputado federal pelo Liberdade Avança, a coalização de extrema direita de Milei.
Correa Llano vem se reunindo com oficiais da reserva de um grupo da sua província, que pede a “pacificação” do país e o “fim da perseguição aos militares”.
Dizem desde a derrota na Guerra das Malvinas e do julgamento dos generais ditadores, logo depois do fracasso militar, que eles nunca mais seriam protagonistas da política.
Desmoralizados como militares que levaram mais de 600 jovens à morte na guerra contra a Inglaterra e condenados à prisão perpétua, os generais não teriam sucessores capazes de resgatar a reputação perdida.
Mas há oficiais da reserva dedicados à tarefa de abrandar as culpas e as punições aos torturadores ainda vivos. E há também a inquietação de uma pergunta incômoda: essa não seria apenas uma etapa para a volta da interferência dos militares na vida da Argentina?
Os argentinos andam para a frente e para trás em relação aos delinquentes da ditadura, que já foram julgados, logo depois foram anistiados e mais tarde voltaram a ser considerados criminosos e imputáveis.
É o que, por decisão da Corte Suprema, vale hoje e permite que criminosos perto dos cem anos sejam localizados e presos. É o que os militares da reserva mobilizados por Milei e Gabriela tentarão derrubar mais uma vez.
Não há, fora da extrema direita, quem acredite que isso seja possível e permita a volta da impunidade. Mas nada é impossível na Argentina, ou Milei não teria sido eleito elogiando ditadores.
Quem quiser saber mais sobre o ativismo militar em defesa dos criminosos em busca de anistia pode acessar esse site: prisionerosenargentina. Tem relatos, artigos e documentos sobre o que eles consideram os abusos de prisões preventivas.
É semelhante ao movimento brasileiro de defesa de manés e terroristas de 8 de janeiro, que tem como líder o senador e general Hamilton Mourão, propagador da ideia de anulação das condenações pelo Supremo.
O projeto apresentado por Mourão no Senado, com a proposta de anistia, defende que os condenados “estavam ali somente para protestar, sem a presença do dolo específico que esses crimes exigem”.
O interessante é que, pela proposta do senador, seriam mantidas as condenações de quem destruiu patrimônio público, mas não as punições dos que, no entendimento consagrado pelo STF, foram a Brasília e invadiram os prédios dos três poderes para participar de um golpe.
Agora, como na Argentina tudo acontece, imaginemos uma proposta formal de anistia dos defensores dos criminosos da ditadura, com a desculpa que eles estavam ali somente para torturar, e não para acabar com a democracia.
Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe.