Not available
Not available
Desde o início da vida, as fronteiras estão ao nosso redor. A placenta é apenas a primeira, e o berreiro ao rompê-la não é à toa. Nossa casa é a segunda, e a seguir descobrimos que, depois do bairro, tem o município, o estado, o país. E as pessoas se dividem entre as que nunca saem do seu canto e as nômades.
Há, claro, fronteiras de todos os tipos e tamanhos; os países podem ter fronteiras continentais, as pessoas têm desde fronteiras culturais até morais. Para ultrapassar esses limites – entre os invisíveis e os oficiais –, a gente conta com regras, desde as sociais e até as que o cotidiano nos condiciona.
Essa grande maçaroca de fronteiras às vezes vira muro, noutras surge como placas indicativas, e assim vamos vivendo, de boa vontade ou de obediência. Mas como no samba de Tom Jobim, a base das fronteiras é uma só: a alteridade.
Também ela, a alteridade, não é algo bem definido. Eu e outros podemos compor uma alteridade coletiva – como um sindicato, um time, uma escola de samba, uma quadrilha, sobretudo uma etnia. A gente sempre sabe, intuitivamente, onde estamos, se cruzamos ou não uma fronteira. As convenções estão aí pra sinalizar.
Guiados pela identidade – a nossa e a alheia –, vagamos por calçadas, mapas, territórios imaginários. E o que nos faz mal ou bem-vindos no espaço dos outros são os nossos modos. Hábitos e costumes, por sua vez, definem o trânsito entre um lugar e outro, seja dentro de um shopping ou de uma nação.
Nos territórios conhecidos, somos de casa, estamos à vontade, circulamos fácil. Os probleminhas e os problemaços brotam naqueles territórios em que o convívio ainda não foi estabelecido, formalizado. A barreira intransponível pode ser um idioma ou apenas diferenças vocabulares que atrapalham a aproximação.
Só o entendimento ergue cancelas.
Nessas regiões, somos estranhos para o outro, enquanto o outro é o desconhecido pra gente. Nos dois lados, a convenção manda recorrer a um documento. Há casos, porém, em que documento nenhum resolve, e até piora a permanência da gente naquela situação.
A ONU é tipo um boteco onde centenas de fronteiriços combinam se encontrar pra ver se melhora o convívio no restante do mundo. Ali os salamaleques e os intérpretes facilitam a mistureba mundial. Ali é ninguém é uma ilha.
Já ali na Faixa de Gaza, há muito a fronteira deixou de ser geográfica, religiosa ou política. Lá, a fronteira se situa entre a sensatez e a insanidade, e é tão instável quanto o número de habitantes a cada hora. Na Faixa de Gaza, o terrorismo de um bando ou de Estado produz o mesmo massacre humano. E onde o sangue jorra a esmo, a fronteira entre civilização e barbárie jamais será nítida.
* FRAGA é colunista mensal do Jornal Extra Classe.