Relatório interno da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), obtido pelo jornal Extra Classe, revela uma “deterioração crescente da qualidade do ar na Região Metropolitana de Porto Alegre”. A situação, causada pela poluição das indústrias e também dos automóveis, vem agravandose há dois anos, alerta o estudo. Funcionários da Fepam advertem que o órgão ambiental do Rio Grande do Sul está sendo sucateado, com falta de recursos humanos e equipamentos defasados, e que não tem como, nas atuais condições, enfrentar o problema.
O Rio Grande do Sul mal conseguiu recuperar-se dos estragos causados pela mortandade de peixes no Rio dos Sinos, ocorrida em outubro passado, e uma nova calamidade ambiental ameaça novamente boa parte dos gaúchos. Uma pluma crescente e invisível de poluentes atmosféricos vem alastrando-se – impunemente – pela Região Metropolitana
de Porto Alegre. A situação é quase crítica no entorno da Refinaria Alberto Pasqualini, no eixo da BR 116, mas também há uma tendência de piora em outros locais.
Apesar da gravidade do problema, a Fepam tem apenas quatro funcionários responsáveis pela qualidade do ar, sendo que dois deles com apenas 20 horas semanais de trabalho. Além disso, a Rede de Monitoramento do Ar, implantada há dez anos com recursos do Pró-Guaíba (programa que está parado por falta de verbas), já está com a tecnologia defasada e tende a virar sucata em breve, se novos investimentos não forem feitos para atualizar os equipamentos.
Ao contrário da mortandade de peixes, que pode ser isolada com bóias e combatida emergencialmente com a oxigenação das á guas, a poluição atmosférica é, como dizem os técnicos, muito mais “perigosa e democrática” e espalha doenças – e até mortes – por todas as classes sociais, sem distinção. Os mais afetados são os idosos, as pessoas doentes e as crianças, que têm o metabolismo mais acelerado, sem falar nas populações que vivem no entorno dos principais poluidores.
O relatório parcial da qualidade do ar de 2005 e 2006, concluído pelos técnicos da Fepam no dia 12 de fevereiro de 2007, e ainda não divulgado, mostra que, nos últimos dois anos, está aumentando a concentração de dióxido de nitrogênio e de dióxido de enxofre nas proximidades da Ulbra e da Refap, em Canoas. Foi constatada ainda a presença cada vez maior de ozônio e material particulado inalável em vários pontos da Região Metropolitana de Porto Alegre e também em Santa Maria e em Caxias do Sul.
Como a má qualidade do ar está tornando-se uma constante, os técnicos da Fepam sugerem uma revisão das licenças de operação (LOs) e a adoção de “medidas adicionais de controle de emissões”. No entanto, dificilmente a recomendação sairá do papel. “ Nem sequer temos um inventário completo e atualizado das fontes fixas de poluição. Os dados disponíveis são de 15 anos atrás”, lamenta o doutor em Química, Marcelo Christoff, 44 anos, um dos quatro funcionários da Fepam responsáveis pela qualidade do ar.
O agravamento da poluição atmosférica na Região Metropolitana de Porto Alegre nos últimos dois anos só foi detectado porque, em maio de 2006, a Petrobras recomeçou a medir novamente o dióxido de nitrogênio nas duas estações de monitoramento operadas pela Refap, uma instalada na Vila Ezequiel, ao lado da refinaria, e a outra nas proximidades da Ulbra. Logo os técnicos da Fepam perceberam que estavam ocorrendo muitos picos de poluição e decidiram fazer um levantamento completo dos últimos dois anos.
Conhecer o problema não é suficiente para resolvê-lo. “Quando a licença ambiental é concedida, a Fepam já pede à s grandes empresas monitoramento contínuo nas chaminés. Esses dados deveriam, no entanto, estar interligados aos computadores do órgão ambiental de modo que pudéssemos fazer o acompanhamento das emissões em tempo real, mas isso não ocorre por falta de infra-estrutura do Estado”, constata o Engenheiro Mecânico e Especialista em Qualidade do Ar da Fepam, Antenor Pacheco Netto, 51 anos.
As grandes fontes fixas de poluição atmosférica licenciadas pela Fepam são o Pólo Petroquímico do Sul, a Refinaria Alberto Pasqualini, a Siderúrgica Rio-
Grandense, a Aracruz e as usinas térmicas de Canoas, Charqueadas e São Jerônimo. O acompanhamento em tempo real das principais emissões atmosféricas é necessário, explica Pacheco Netto, para que as autoridades possam atuar rapidamente durante os episódios críticos de poluição que ocorrem quando há inversão térmica associada à falta de circulação horizontal do ar. Nesses dias, os poluentes ficam “presos” e não se dispersam.
“Sem condições de fazer gestão ambiental, a Fepam, criada em 1991, continua licenciando no balcão. Por que as autoridades não dão condições para termos um órgão ambiental moderno? A quem interessa o nosso sucateamento? Em função das péssimas condições de trabalho, a moral é baixa entre os funcionários. Nós estamos morrendo aqui dentro. O órgão ambiental precisa entrar no século XXI”, alerta Antenor Pacheco Netto, que também preside a Associação dos Servidores da Fepam.
Entre as recomendações para evitar o agravamento da situação atmosférica da Região Metropolitana de Porto Alegre, além da modernização da rede de monitoramento e da contratação de novos funcionários, os técnicos da Fepam sugerem a introdução da variável “qualidade do ar” em todas políticas públicas: industrial, transportes, habitação, energia, mineração, saúde. Sugerem também a implantação de um Programa de Recuperação e Melhoria da Qualidade do Ar e do Plano de Controle da Poluição Veicular, elaborado há dois anos e ainda dormitando nas gavetas do órgão ambiental.
Luz no fim do túnel
Para enfrentar a crescente poluição atmosférica na Região Metropolitana de Porto Alegre, o órgão ambiental do Rio Grande do Sul precisa contratar mais funcionários e modernizar seus equipamentos. O que dificilmente ocorrerá em função das dificuldades financeiras do Estado. No entanto, há uma pequena luz no fim do túnel. A pouco tempo, foi finalmente instalada a Câmara Técnica Permanente de Recursos Atmosféricos e Poluição Veicular dentro do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), após dois anos de tramitação. Neste espaço público, o problema será debatido pela sociedade gaúcha, e soluções poderão ser exigidas do poder público. Já na Secretaria Estadual da Saúde está sendo implantado o Programa Estadual de Vigilância em Saúde Relacionada à Qualidade do Ar – Vigiar/RS, inicialmente com prioridade para as áreas impactadas pelas termoelétricas a carvão e áreas de mineração. Esta iniciativa pode gerar dados epidemiológicos ainda inexistentes no Rio Grande do Sul.
Os poluentes
MATERIAL PARTICULADO INALÁVEL – São partículas microscópicas suspensas no ar e geradas nos processos de combustão industrial e veicular e também de maneira indireta através da reação de outros poluentes gasosos, como óxido de nitrogrênio, óxidos de enxofre, hidrocarbonetos e amônia. Pode causar um aumento de atendimentos hospitalares devido a insuficiências respiratórias e ao incremento da mortalidade por doenças cardiopulmonares e cardiovasculares.
DIÓXIDO DE NITROGÊNIO (NO2) – Gás que contribui na formação do véu de matéria particulada ultrafina nas atmosferas urbanas. Ele é um dos óxidos de nitrogênio (NOx) emitidos por processos de combustão em temperaturas elevadas, como em veículos automotores e usinas termoelétricas. Os efeitos mais relevantes na saúde são agravamentos de doenças respiratórias crônicas e sintomas respiratórios em grupos sensíveis (idosos e crianças).
DIÓXIDO DE ENXOFRE (SO2) – Gerado durante a queima de combustíveis contendo enxofre, como carvão e óleo, em processos industriais e em veículos automotores. As concentrações mais elevadas ocorrem próximas às grandes fontes de combustão. Na atmosfera, o SO2 é um importante precursor dos sulfatos, um dos principais componentes das partículas inaláveis. Na presença de vapor d’água, é um dos principais constituintes da chuva á cida.
OZÔNIO (O3) – Poderoso oxidante de origem natural. Também é gerado pela ação humana. Na camada atmosférica mais próxima da superfície terrestre, ele é formado a partir de substâncias precursoras na atmosfera, em condições meteorológicas favoráveis. Os principais precursores são os óxidos de nitrogênio e os compostos orgânicos voláteis. A radiação solar é a principal fonte de energia para as reações fotoquímicas iniciais de formação do O3.
Fonte: Relatório Parcial da Qualidade do Ar / Fepam – Fevereiro de 2007.