Em busca do tempo perdido
Igor Sperotto
O Rio Grande do Sul pode finalmente alcançar um novo patamar de gestão ambiental. Diante das suspeitas que vieram à tona com a Operação Concutare da Polícia Federal, e pressionado pela opinião pública e pela oposição política, o governo do Estado reagiu. Além de medidas emergenciais para apagar “incêndios”, como a crise da extração de areia no rio Jacuí, procedimentos internos estão sendo revistos e soluções pensadas e priorizadas para resolver problemas que há muito se arrastam.
“Os meus antecessores não tiveram tanto apoio como eu estou tendo agora”, reconhece Neio Lúcio Pereira, quinto secretário de Meio Ambiente do atual governo. Segundo ele, a discussão ambiental vinha em um processo mais lento e foi catalisada pela Operação Concutare. “As crises geram oportunidades. A prioridade para o meio ambiente foi reafirmada pelo governador Tarso Genro em reunião realizada no Palácio Piratini no dia 2 de setembro”, relata Neio Pereira.
O sucateamento das estações de monitoramento do ar talvez seja o descaso mais emblemático. Elas foram instaladas em 2001, através do Programa Pró-Guaíba, com tecnologia de ponta na época que permitia o controle em tempo real dos principais parâmetros da qualidade do ar. Eram três em Porto Alegre, uma delas na frente da rodoviária, um dos locais com mais poluição na capital devido ao fluxo de veículos, e outras cinco em Caxias do Sul, Sapucaia do Sul, Canoas, Triunfo e Gravataí.
Todas estão sem funcionar por falta de manutenção e peças desde 2010. Neste mesmo ano, segundo dados de auditoria operacional do Tribunal de Contas do Estado, o investimento total feito na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) foi de apenas R$ 33 mil, informa o atual presidente do órgão ambiental do estado, Nilvo Alves da Silva. Para ele, o governo sozinho não conseguirá reverter a situação de descaso com a área ambiental. “Isto também é papel da sociedade”, adverte Nilvo.
Água ainda sem plano
Como o enfoque que predominou nos últimos governos foi o de que à área ambiental caberia apenas conceder licenças rapidamente, não apenas equipamentos foram sucateados como a rede de monitoramento do ar (que permitia um acompanhamento permanente do dióxido de enxofre, óxidos de nitrogênio, monóxido de carbono, ozônio e partículas inaláveis em seis importantes cidades), mas também políticas públicas foram deixadas de lado, caso da Lei das Águas, cuja implantação se arrasta desde 1995.
O Sistema Estadual de Recursos Hídricos foi criado no final do governo Alceu Collares através da Lei Nº 10.350, de 30 de dezembro de 1994. A Lei das Águas, como é conhecida, prevê que “as diversas utilizações da água serão cobradas, com a finalidade de gerar recursos para financiar a realização das intervenções necessárias à utilização e à proteção dos recursos hídricos”. Também determina a criação de Agências de Região Hidrográfica e de um Plano Estadual para a água.
Diz, no Artigo 11 da Lei das Águas, que compete ao Departamento de Recursos Hídricos – DRH (atualmente ligado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente) elaborar o anteprojeto de lei do Plano Estadual de Recursos Hídricos através da compatibilização das propostas encaminhadas pelos Comitês de Gerenciamento de Bacia Hidrográfica com os planos e diretrizes setoriais do Estado, relativos às atividades que interferem nos recursos hídricos. Só agora tal anteprojeto deve ser finalmente elaborado.
Como poderia um departamento que tinha apenas seis técnicos conceder a outorga pelo uso da água (outro instrumento previsto em lei) e ainda coordenar a elaboração de um Plano Estadual de Recursos Hídricos? “Já contratamos mais 22 funcionários para o DRH”, informa o secretário de Meio Ambiente, Neio Pereira.
Modelo desenvolvimentista
Igor Sperotto
“Não vai adiantar uma Fepam estruturada se não discutirmos o modelo de desenvolvimento econômico que está sendo adotado no Rio Grande do Sul baseado em atividades de grande impacto ambiental, como soja, celulose e carvão. A sociedade precisa discutir isso, não apenas as entidades ambientalistas, mas também as universidades e os demais setores”, defende o biólogo e professor da Ufrgs, Paulo Brack, integrante da InGá Estudos Ambientais.
Brack torce pelo sucesso do novo presidente da Fepam, mas vê com ceticismo a permanência do PC do B na Sema. “Depois da Operação Concutare, esperávamos uma mudança mais drástica, e não a manutenção do mesmo partido na secretaria, pois eles nunca tiveram uma visão ambiental, mas sim desenvolvimentista”, argumenta. Brack também considera uma esquizofrenia do governo criar um plano chamado RS Sustentável se as prioridades tem sido o carvão e a celulose.
PLANO RS SUSTENTÁVEL – Uma das medidas anunciadas pelo governador Tarso Genro após a Operação Concutare foi a contratação do então presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), o arquiteto e urbanista Francisco Milanez, para coordenar a criação do Plano RS Sustentável. O ambientalista se afastou do cargo da entidade e aceitou o desafio governamental. Atualmente trabalha em uma sala no 21º andar do Centro Administrativo do Estado e conta com o apoio de uma assessora.
No dia 22 de julho, um Grupo de Trabalho foi instituído por decreto para elaborar o RS Sustentável. As reuniões governamentais ocorrem todas as quintas-feiras pela manhã, na sala do Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico e Social. “O objetivo é criar uma agenda ambiental positiva para o Rio Grande do Sul, mostrando que o meio ambiente é uma oportunidade de desenvolvimento. Trabalho por um estado saudável, bem alimentado e com energias limpas”, informa Milanez.
Ligado à Casa Civil, Milanez ressalta que o seu trabalho é construir a sustentabilidade de maneira transversal dentro do governo. “Estou trocando o pneu com o carro andando”, explica. Entre suas prioridades estão o lançamento de um portal sobre sustentabilidade com um banco de projetos já realizados, iniciativas para aumentar o consumo de alimentos orgânicos no Rio Grande do Sul (hortigranjeiros, arroz e carne) e incentivo a compras sustentáveis, com publicação a ser lançada na Feira do Livro.
Novos procedimentos internos na Fepam
A livre circulação de consultores e lobistas no prédio da Fundação Estadual de Proteção Ambiental e a falta de critério na emissão de licenças ambientais foram práticas que vieram à tona com a Operação Concutare. Para evitar problemas futuros, novas regras foram estabelecidas em portaria. A 049/2013 estabelece procedimentos administrativos para concessão de audiência a particulares, empreendedores e consultores; e a 067/2013 dispõe acerca da adoção do fluxo de tramitação dos documentos licenciatórios.
“A Fepam não tinha uma norma interna de tomada de decisão sobre licenças. As regionais agora só fazem pareceres técnicos. A licença não sobe se não tiver aprovação do chefe de serviço, do chefe da divisão, do chefe de departamento, do diretor técnico. O presidente só assina as licenças de grande porte. Criamos um fluxo para não ter que decidir caso a caso. As licenças agora estão institucionalizadas. São modificações simples, mas com peso enorme”, justifica o presidente da Fepam, Nilvo Silva.
Além da contratação emergencial de 60 técnicos e da liberação de R$ 1,8 milhão para preparar a Fepam para receber estes novos funcionários, um plano de cargos e salários está sendo elaborado. O objetivo é homologar um concurso público para 400 a 500 vagas até abril de 2014. Reforçar as oito regionais e o setor da agricultura, atualmente com apenas 23 técnicos, estão entre as prioridades do novo presidente, que pretende ainda “valorizar as chefias da casa e eliminar todos os cargos comissionados”.
Agapan não acredita mais no Consema
Mesmo depois do novo secretário do Meio Ambiente, Neio Pereira, garantir em sua posse que o fortalecimento do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) será uma de suas prioridades, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) anunciou sua saída do órgão superior do Sistema Estadual de Proteção Ambiental, criado em 1994 com caráter deliberativo e normativo.
“A participação institucional é válida e a Agapan acredita nela. O que não nos serve mais é o modo como o Consema está constituído hoje, sem paridade. Além do governo ter maioria, os principais assuntos ambientais são decididos fora do Conselho, como no caso do carvão. Soubemos das decisões do governo pela mídia”, lamenta Edi Fonseca, uma das representantes da entidade que participava das reuniões.
“Esgotaram todas as possibilidades de avançarmos politicamente dentro do Consema. Então avaliamos que o Conselho não é mais um espaço legítimo para tratar das questões ambientais. O governo criou outros mecanismos para decidir, sem ouvir os ecologistas. Desconheço qualquer projeto positivo deste governo na área ambiental. O bioma Pampa, por exemplo, está sendo invadido pela soja transgênica”, ressalta Edi Fonseca.
SAÍDA POLÊMICA – A decisão da Agapan de deixar o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), comunicada no dia 10 de julho, surpreendeu não apenas o governo, mas também alguns ambientalistas. Não pela decisão em si, pois há muito a insatisfação com o Consema é generalizada entre os ecologistas, mas pelo momento em que foi anunciada.
“A decisão de sair foi discutida durante o meu mandato na presidência da entidade e já estava tomada antes de eu aceitar o convite do governador Tarso Genro para coordenar o RS Sustentável. Só achei que deveria esperar mais, e não sair logo depois da Operação Concutare”, avalia Francisco Milanez.
“Achei uma postura política correta a deles. O Consema tem grandes vícios. No entanto, me parece que é pior sair. Permanecendo lá dentro conseguimos fazer ainda alguma intervenção”, pondera o biólogo e professor da Ufrgs Paulo Brack, do InGá Estudos Ambientais, um dos quatro representantes do movimento ecológico no Consema.
Cartas Marcadas*
“Estávamos tentando tirar leite de uma vaca morta. Do conselho não esperamos mais nada. O governo e o empresariado estão empurrando a área ambiental para trás. É um empresariado parasitário. Acostumado a mamar e a obter privilégios do Estado. Todo mundo fala hoje em desenvolvimento sustentável. Trata-se de uma palavra sem significado”, denuncia o filósofo e ambientalista Celso Marques, da Agapan.
“Nós em tese somos uma democracia moderna com uma constituição maravilhosa do ponto de vista ambiental, só que os governos não cumprem nada. O governo é um delinquente constitucional permanente. Todos os órgãos colegiados tem o mesmo vício do Consema, o mesmo acontece no Conama e na CTNBio em Brasília, é um jogo de cartas marcadas. Temos um Estado que é inimigo da Nação”, afirma Marques.
(*Trecho exclusivo para a versão da web)
Casal Buckup deixa o Conselhão
Duas semanas depois da Agapan comunicar sua saída do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), a Igré – Amigos da Água informou que o casal Georgina e Ludwig Buckup não mais participariam do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), o Conselhão. “Percebemos que a nossa presença, à medida em que nossos pleitos não são sequer apreciados adequadamente, serve apenas para homologar decisões tomadas pela maioria dos conselheiros, os quais, comprometidos com prioridades previamente elencadas pelo executivo estadual e apoiados pelos setores empresariais, apoiam e implementam apenas ações voltadas para o crescimento econômico, sem qualquer traço de preocupação com a qualidade ambiental e o princípio da sustentabilidade”, justificou Georgina Buckup em carta divulgada pela Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (Apedema-RS).
Depois da Operação Concutare:
Prioridade de governo
Em maio, o governador colocou a área ambiental entre as prioridades do Palácio Piratini e
Igor Sperotto / Arquivo 2011
determinou que todos os órgãos de governo trabalhassem para viabilizar as demandas da Sema e da Fepam. Na Casa Civil, o assunto passou a ser monitorado. No dia 2 de setembro, Tarso Genro reafirmou compromisso em reunião com secretariado.
Secretaria Estadual do Meio Ambiente
Projeto de lei elaborado para dar 60% de gratificação aos servidores da Sema. Equipamentos para monitorar eventos extremos de maneira remota serão instalados em 85 pontos do estado para acompanhar estiagens e inundações, 38 com recursos da Agência Nacional de Águas, 30 do Banco Mundial e 17 com recursos próprios.
Fundação Estadual de Proteção Ambiental
Duas portarias estabeleceram novos procedimentos internos. Além da contratação emergencial de 60 técnicos, novo plano de cargos e salários está sendo elaborado para a realização de concurso com 400 a 500 vagas. O objetivo é repor funcionários que irão se aposentar, reforçar as oito regionais e o setor agrossilvopastoril.
Zoneamento Ecológico e Econômico
Espécie de Plano Diretor do Estado, deveria ter sido implantado há dez anos. Primeira parte a ser elaborada será a da região costeira. Contratação da Furg foi recentemente autorizada. Também foi encaminhada, através da Central Especial de Licitações, a compra de equipamentos para fazer o estudo hidrossedimentológico do Guaíba.
Sistema Integrado de Regularização Ambiental
Um dos projetos estratégicos a ser financiado com recursos do Banco Mundial, ainda não saiu do papel. O Conselho Superior do Siram foi ampliado recentemente. Estrutura de gestão em elaboração para posterior licitação de empresa que irá desenvolver o novo sistema visando qualificar e agilizar os processos de regularização ambiental.
Plano Estadual de Recursos Hídricos
Previsto na Lei Nº 10.350, de 30 de dezembro de 1994, teve a primeira fase de diagnóstico concluída em 2007. Em agosto, foi divulgado relatório da terceira fase de elaboração do 1º Plano Estadual de Recursos Hídricos, que agora deve virar anteprojeto de lei. Mais informações aqui.
Plano Estadual de Resíduos Sólidos
Dez audiências públicas no interior e uma na capital serão realizadas para subsidiar a elaboração do Plano Estadual de Resíduos Sólidos, que começou a ser discutido no ano passado e deve ser concluído em 2014. O tema foi o assunto da Conferência Estadual do Meio Ambiente, realizada nos dias 31 de agosto e 1º de setembro.
Rede de Monitoramento do Ar
As oito estações fixas e a estação móvel Ar do Sul estão sucateadas e fora do ar desde 2010. Sem solução no curto prazo, pois a tecnologia dos equipamentos instalados em 2001 está ultrapassada. Como o órgão ambiental não tem recursos disponíveis, uma parceria com a Fiergs está sendo estudada.
Eucaliptos e celulose
No dia 5 de junho, o prazo para cadastramento dos empreendimentos de silvicultura de portes médio, pequeno e mínimo foi prorrogado até 5 de outubro. E a renovação da Licença de Instalação que autoriza a quadruplicação da fábrica de celulose da CMPC em Guaíba, considerado o maior investimento privado do estado, será concedida.
Cadastro Ambiental Rural
Mais de 400 mil imóveis rurais serão cadastrados através do Cadastro Ambiental Rural previsto no novo Código Florestal. Convênio com o Senar visa ajudar no treinamento de 1,5 mil pessoas, de preferência estudantes universitários, para trabalhar neste cadastramento. Cartografia do Estado está sendo atualizada.