AMBIENTE

Qual o custo da monocultura da soja?

Embalada pelos bons preços do mercado internacional, a soja avança a passos largos no RS e já preocupa pesquisadores, ecologistas e autoridades ambientais
Por Roberto Villar Belmonte / Publicado em 1 de março de 2014

Nunca antes na história do Rio Grande do Sul existiu tanta soja plantada em território gaúcho. A produção ultrapassou a barreira dos 10 milhões de toneladas na colheita de 2010 e não parou mais de crescer. Na safra passada, foram 12,7 milhões de toneladas. Tudo transgênico. Ou seja, resistente ao herbicida glifosato que, de tanto que vem sendo usado, acabou gerando plantas resistentes. Resultado: mais veneno é usado para “limpar” as lavouras.

A área plantada foi de 4,7 milhões de hectares no ciclo 2012/13 e na safra atual é um pouco maior. Em 1970, 871 mil hectares da oleaginosa foram colhidos no RS. Então começou o primeiro boom da soja. Em 1979, a área chegou a 4 milhões de hectares. Nunca mais se plantou tanto. Até 2010. As lavouras da commoditie não só voltaram à casa dos 4 milhões de hectares como se aproximam dos 5 milhões. Esse segundo boom ocorre principalmente na região Sul do estado.

Embalada pelos bons preços do mercado internacional, a soja avança a passos largos no RS

Foto:Tailor Luz Garcia/ Emater/RS/ divulgação

Fonte: site da Emater

Foto:Tailor Luz Garcia/ Emater/RS/ divulgação

Nas regiões administrativas de Bagé e Pelotas da Emater/RS, que equivalem às regiões Sudoeste e Sudeste (veja mapa na pág. 21), a área de soja saltou de 294.900 hectares em 2005 para 698.756 hectares na safra atual. O preço acima da média histórica incentiva esse avanço para o Sul, mas não é a única causa. As terras baratas na Metade Sul têm atraído agricultores de outras regiões. Muitos arrendam para plantar. Nos últimos anos a região foi menos afetada pela estiagem, o que também serviu de chamariz.

Junto com esse segundo boom da monocultura da soja no RS, que ocorre principalmente no Sul do estado, cresce entre ecologistas, pesquisadores e autoridades a preocupação com o impacto ambiental das lavouras. Instrução normativa da Secretaria Estadual de Meio Ambiente já está sendo elaborada para esclarecer os produtores rurais que no bioma Pampa também é preciso respeitar os 20% da Reserva Legal (de campos gerais), conforme estabelece a Lei Florestal 12.651/2012.

Licenciar a propriedade e não a cultura
O bioma Pampa, que no Brasil só existe no Rio Grande do Sul (na Metade Sul e na Fronteira Oeste), teve duas agressões recentes. “Primeiro foram as papeleiras, que entraram forte, plantando eucalipto. As áreas que sobraram tinham pecuária. É uma área que do ponto de vista ecológico não é mexida. Não tem agressão ao solo e nem uso de agrotóxico. E agora a soja, que traz junto herbicida, inseticida e fungicida”, constata Dulphe Pinheiro Machado Neto, gerente técnico da Emater/RS.

As lavouras de soja, assim como a silvicultura, são altamente impactantes sobre vários aspectos. Ambas convertem áreas naturais em maciços homogêneos. Há perda de habitat e de seus ecossistemas associados. Várias cargas de veneno são utilizadas. “Devido às proporções que elas assumiram, também mereceriam um olhar dos órgãos ambientais”, avalia Luis Fernando Carvalho Perello, secretário-adjunto da Secretaria de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul.

Na opinião de Gustavo Tornquist, professor de Gestão Ambiental da Faculdade de Agronomia da Ufrgs, o avanço da soja deveria despertar a mesma preocupação ambiental que o plantio de eucaliptos despertou em anos recentes. “No entanto, é preciso que toda a propriedade rural seja licenciada, e não cultura a cultura, como vem sendo feito atualmente”, defende Tornquist, que também é pesquisador no PPGSolos, vinculado ao Grupo de Pesquisa em Manejo de Solos.

Segundo o professor e pesquisador da Ufrgs, o Zoneamento Ecológico e Econômico do RS, “que já deveria ter sido feito”, seria o grande guarda-chuva que daria as linhas para compatibilizar desenvolvimento com a qualidade ambiental. E o Cadastro Ambiental Rural (CAR), previsto no novo Código Florestal, ressalta Tornquist, também “será uma ferramenta de gestão fantástica que poderá ajudar na implementação de um licenciamento de toda a propriedade rural”.

Para Tornquist, o RS precisa de objetivos ambientais no campo, metas para biodiversidade e qualidade do solo como existem na política das  águas. Ele constata, porém, que essa é uma discussão que não vem sendo feita no estado. “Com planejamento vinculado ao monitoramento ambiental, seria possível trabalhar com objetivos ambientais junto com o licenciamento das atividades dentro de uma propriedade rural tratada como uma coisa só”, propõe.

Lagarta da monocultura
“A Helicoverpa armigera é fruto da monocultura da soja, eu não tenho dúvida disso. O uso de inseticidas é tão intenso que acaba criando resistência e também aniquila os inimigos naturais. O aparecimento dessa lagarta tem nos ajudado a esclarecer os agricultores sobre a necessidade de um outro tipo de manejo, como controle biológico, acompanhamento da lavoura, batida de pano. Medidas menos agressivas, mais seletivas”, informa Dulphe Pinheiro Machado Neto, gerente técnico da Emater/RS.

Há males que vem para bem, diz o ditado popular. “Os agricultores estão se dando conta agora que quanto mais inimigos naturais, melhor para as lavouras. São, na verdade, amigos naturais. Tem que ter biodiversidade, e não uma lavoura sem nenhum inseto”, ressalta o técnico da Emater/RS. Neto não tem dúvidas quando considera a soja uma monocultura: “É uma lavoura só, hoje, no Rio Grande do Sul. Milho e feijão reduziram área” (veja tabela).

 Agricultura predatória
“O custo ambiental na sociedade capitalista não é incorporado à economia. O mercado leva em consideração apenas a oferta e a procura. Se analisássemos todos os impactos ambientais, a monocultura da soja deveria ser proibida. Quando todos os custos são levados em consideração, ela é ineficiente e improdutiva. Economicamente inviável”, analisa Antônio Inácio Andrioli, pesquisador do Grupo de Estudos em Agrobiodiversidade ligado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Soja tem expressivo aumento em áreas não tradicionais

Foto: Reprodução do Site da Emater

Foto: Reprodução do Site da Emater

A soja, na sua avaliação, é plantada no modelo de uma agricultura predatória. “Os recursos naturais sempre foram vistos como algo a ser esgotado e depois se vai para outro lugar. Vamos indo até não sei quando, até que não tenhamos mais as chamadas fronteiras agrícolas”, lamenta Andrioli, que também participa da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança como suplente na vaga de especialista em agricultura familiar. Ele defende a necessidade de mais estudos sobre o impacto ambiental da soja.

O engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) desde 2008, também defende a realização de mais estudos. “Qual o impacto ambiental de 4,8 milhões de hectares de soja plantados no Rio Grande do Sul? Nós não sabemos. O governo deve se preocupar em avaliar esses impactos ambientais”, alerta Melgarejo, que também é sócio da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural.

Nem a quantidade de resíduos de agrotóxicos nos alimentos se sabe, ressalta ele. “O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos da Anvisa só analisa firulas, o milho, a soja e o arroz, por exemplo, não são avaliados. Temos que exigir que a Anvisa também analise resíduos de agrotóxicos nas grandes culturas. Antes se usava inseticida para matar lagarta só nas regiões infectadas. Hoje um pé de milho transgênico tem inseticida em todas as suas células”, adverte.

Setor florestal quer acabar com licenciamento ambiental da silvicultura
Os plantios de eucalipto, pinus e acácia são lavouras como qualquer outra e, portanto, não precisariam de licenciamento ambiental. Esse é o argumento que embasa a minuta de um projeto de lei elaborado na Câmara Setorial da Cadeia Produtiva de Florestas que transfere o setor para a Secretaria da Agricultura, inclusive o Fundeflor. Na prática, a proposta acaba com o licenciamento ambiental das lavouras de árvores.

Entre os instrumentos listados na proposta sequer aparece o Zoneamento Ambiental da Silvicultura (ZAS). No processo aberto na Fepam em 16 de julho de 2013 (8961/0500/13-0) para analisar o assunto, o projeto é rejeitado, não apenas devido ao alto impacto ambiental do setor, mas também porque ocasionaria uma insegurança jurídica ao desrespeitar resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente.

 

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