Para onde vai o lixo
Foto: Igor Sperotto
A maioria dos municípios gaúchos não dispõe de área para depositar seus resíduos. Pressionadas pela legislação cada vez mais exigente, as prefeituras tratam de enviar esses resíduos para bem longe de seus domínios, uma estratégia que custa muito dinheiro, gera um passivo ambiental cada vez mais difícil de mensurar.
Dos 71 municípios da região Metropolitana de Porto Alegre que deveriam estar representados na oficina do Plano Estadual de Resíduos Sólidos, realizada no dia 24 de junho, apenas 12 estiveram presentes, apesar da aproximação do prazo final para o cumprimento da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos. A legislação estabelece até agosto o prazo para que os municípios acabem com os lixões e, até o final de dezembro, sejam implantadas medidas para a redução do volume de lixo, como a exigência da coleta seletiva, que de voluntária passará a ser obrigatória.
Mario Saffer, diretor da Engebio, empresa contratada para elaborar o Plano, adianta que o grande desafio é obter os dados para elaboração do diagnóstico. “As associações não têm inventários e os municípios não disponibilizam informações quantificadas”, argumenta. Já a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) informa que no estado apenas seis ainda têm lixões. No entanto, quase metade dos 497 municípios utiliza “aterros controlados”. Os aterros são uma situação intermediária entre o lixão e o aterro sanitário, de acordo com a chefe do serviço de gestão de resíduos sólidos da Fepam, engenheira química Daiene da Silva Gomes. Nesse caso, não há tratamento do que é lixiviado, do chorume, nem dos gases. A área é apenas cercada e não recebe compactação.
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PORTO ALEGRE – Só o transporte de lixo da Estação Transbordo da Lomba do Pinheiro (ETLP) do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) até a Central de Resíduos Recreio, em Minas do Leão, a 113 km da capital, custará para a prefeitura de Porto Alegre R$ 5.182.093,60 no período de 3 de abril deste ano até 25 de maio de 2015. Dividido pelo número de dias que o contrato compreende, 387, esse valor representa o pagamento de R$ 13.390,42 por dia à empresa JSL S/A, contratada para o transporte, que gerencia até cem viagens a cada 24 horas de operação.
Carretas de 53 metros cúbicos levam os rejeitos até o aterro sanitário, área de uma antiga mina na região carbonífera. Em dias de maior movimento, geralmente às segundas e terças-feiras, a capital gera 2,2 mil toneladas de lixo por dia. Segundo o diretor-geral do DMLU, André Carús, o valor gasto com o transporte e a destinação final é de 50% a 60% superior ao que é empregado na coleta seletiva.
TRANSBORDO – Tudo que não é aproveitado nas usinas de reciclagem, os focos de sujeira nas ruas, móveis abandonados, restos de podas, resíduos comerciais, lixo de supermercados vai para a ETLP, a 23 km do centro da capital. Lá o lixo é transferido para carretas de 55 metros cúbicos que levam até 27 toneladas, limite da capacidade do asfalto da BR 290, a caminho de Minas do Leão. O caminhão é bem maior que o coletor de resíduos domésticos, que tem capacidade de 9 toneladas, e isso requer a mistura do que será enviado para a destinação final: o lixo mais pesado fica na parte de baixo e o mais leve em cima. Antes de sair da estação, o veículo é coberto e tem seu peso verificado.
Cada caminhão faz até três viagens por dia, conforme a situação do trânsito. Em dias de chuva, ida e volta demoram até 7 horas, conta o funcionário do DMLU, Adonir da Silva Rodrigues, responsável pela estação. Ele revela que são pesados uns 440 caminhões por dia. A ETLP opera em quatro turnos, ou seja, 24 horas por dia e só para aos domingos. Com 25 anos de DMLU, Rodrigues diz que nos últimos cinco anos o volume enviado para as minas abandonadas da região carbonífera cresceu mais de 10%.
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IMPACTO – Todas as carretas que atravessam Porto Alegre vão para o aterro sanitário da Companhia Rio-grandense de Valorização de Resíduos, no Km 181 da BR 290. De acordo com o Portal Transparência, a CRVR recebe da prefeitura R$ 38,59 por tonelada. Considerando que a média de resíduos produzida diariamente em Porto Alegre chega a 2 mil toneladas, o custo para a destinação desse lixo para longe da capital é de R$ 77.180,00 por dia. Para esse local é enviada grande parte do lixo produzido nos mais diversos municípios do estado.
A CRVR, que antes se chamava Sil Soluções Ambientais, é uma das subsidiárias da holding Solví, que atua em diversos estados brasileiros e no Peru. Além desse, a empresa dispõe de aterros em São Leopoldo, Santa Maria e Giruá. A técnica Daiene Gomes, da Fepam, estima que a CRVR receba resíduos de mais de 200 municípios gaúchos. Ela adianta que a todo instante esse número muda porque esse mercado é bastante disputado. A Fepam fiscaliza pelo menos quatro vezes o aterro por ano. Na última vistoria, a CRVR foi autuada porque não estava atendendo as condicionantes da licença com relação ao tratamento de efluentes. A empresa não respondeu aos pedidos de entrevista.
A Licença de Operação 4268/2012 da Fepam aponta uma série de quesitos que precisam ser seguidos para a área de 73 hectares e com capacidade máxima de recebimento de 90 mil ton/mês. A profundidade da cava em operação é de 51 metros, o que corresponde a um prédio de 17 andares. Daiene diz que a Central coleta e queima o gás metano gerado pela decomposição. Dessa forma, as moléculas são quebradas e o que vai para a atmosfera é gás carbônico. “O gás fica de 20 a 22 vezes menos poluente que o metano”, observa.
Estação de tratamento de efluentes está desativada
A Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) da Estação Transbordo da Lomba do Pinheiro (ETLP) está desativada. Com a chuva, os dejetos produzidos pelo próprio lixo escorrem sem qualquer tratamento. Diz a Licença de Operação 012484/2012, expedida pela Smam em seu item 5: É vedado o lançamento de efluente líquido nos recursos naturais (solo, curso hídrico e manancial subterrâneo). O efluente líquido deve ser recirculado ao processo, isto é, para irrigação das leiras e encaminhado ao sistema de tratamento de efluentes anexo à estação de transbordo Lomba do Pinheiro do DMLU ou enviado à ETE licenciada para recebimento do lixiviado.
A LO é válida até fevereiro de 2016 e aponta uma série de condições para o funcionamento da estação. O responsável técnico pelo monitoramento das águas superficiais e dos efluentes líquidos, engenheiro químico Eduardo Fleck, reconhece que a ETE sofre com depredações. “O pessoal furta os canos”, justifica. Ele acrescenta que a ETE está sendo cercada e que o lençol freático da região é profundo, o que favorece o tratamento de resíduos. Entre os primeiros itens da LO consta: A área do empreendimento deve ser mantida cercada e devidamente identificada, com controle de acesso.
Foto: Igor Sperotto
Porto Alegre recupera 18% do que é reciclável
Uma análise preliminar da coleta seletiva aponta que são aproveitados 18% dos recicláveis da capital. Das 31.430 ton/mês de resíduos sólidos domiciliares, 29.860 ton/mês são de seco misturado com o orgânico. Desse montante, pelo menos 6.850 ton/mês poderiam ter sido recicladas. Esses números são do volume sob controle do DMLU, pois não se tem ideia do quanto é coletado pelos catadores de rua. Só 1.570 ton/mês seguem para as Usinas de Triagem (UTs).
O levantamento foi realizado através do Programa de Inclusão na Reciclagem Todos somos Porto Alegre, feito para a Prefeitura de Porto Alegre, com recursos do BNDES e apoio da Braskem, pela Cooperativa dos Trabalhadores e Gestores Socioambientais Mãos Verdes.
O baixo índice de aproveitamento dos recicláveis se deve a diversos fatores, entre os quais a precariedade da situação das UTs. Segundo o levantamento da equipe da cooperativa, apresentado recentemente no Fórum de Catadores do Ministério Público do Trabalho, as condições desses locais são inadequadas, com problemas na rede elétrica, no escoamento pluvial e nos equipamentos.
A reportagem do Extra Classe constatou essa situação na UTRD da Lomba do Pinheiro, que funciona próximo da Estação de Transbordo. Lá uma das esteiras não funcionava e diversos itens do que preconizam as normas ambientais não são seguidos, como ausência de cobertura em toda a área onde os materiais circulam. A Cooperativa Mãos Verdes ainda indica a necessidade de adequação das UTs, a fim de que a separação seja feita em locais protegidos, em terrenos cercados e sem a exposição a resíduos perigosos. Há casos de ocorrência de fogo e não existem planos de prevenção contra incêndios nesses locais.
Segundo a socióloga Jacqueline Virti, da Mãos Verdes, hoje há menos gente nos galpões de reciclagem porque existe muita oferta de trabalho. Atualmente, são 511 catadores, quando houve épocas que se chegou a mais de 600. Com relação à gestão da produção, não há o beneficiamento de material nem comercialização em rede. Falta controle, treinamento e conscientização dos riscos e da saúde dos trabalhadores. Porto Alegre conta com 14 associações e duas cooperativas.
A meta do projeto é de que até 2016 todos os grupos se transformem em uma cooperativa. Para isso, serão reformadas 14 UTs e criadas outras seis. Serão empregados R$ 2,7 milhões em reformas e compra de equipamentos e R$ 5,1 milhões na construção de novas unidades. O objetivo é elevar a renda média mensal, que atualmente é de um salário mínimo, para R$ 1.100, mais o pagamento do INSS. Com essas medidas, o aproveitamento dos recicláveis ficará em 45% em Porto Alegre.
Rejeito para uns, alegria para outros
Devido ao grande volume de lixo que pode ser reciclado e também ao excedente de material dos galpões, trabalham na Unidade de Triagem e Compostagem de Resíduos Sólidos Domiciliares (UTC), próximo a ETLP, 105 catadores, de 18 a 70 anos.
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“O que os galpões não dão conta vem pra cá”, resume o responsável pela usina, Luiz Carlos Romano Santos, funcionário do DMLU. “Quando falta o seletivo, passa o domiciliar”, ele completa, esclarecendo que o local não foi concebido para receber a coleta seletiva, pois oferece infraestrutura para compostagem. Apenas 300 ton/mês de adubo são produzidos ali atualmente. Luiz Fernando Oliveira da Silva, da associação de catadores, reclama que cada um poderia ganhar mais se a população separasse mais o lixo.
O clima na Unidade de Triagem é descontraído. Ao som de um pagode, o grupo trabalha rápido na separação dos materiais recicláveis. Cada um recebe em média um salário mínimo, café e almoço, e tem direito a 20 dias de férias por ano. Uma das alegrias do pessoal é a surpresa de se deparar com objetos de valor e até dinheiro. Quem acha é o dono. Hilda Varnes Arrojo mostra, satisfeita, a aliança de ouro e os adereços de prata que já encontrou. Ela ainda conta que já achou R$ 100 e que uma colega até ficou com um notebook “na caixa”. Até um malote com R$ 42 mil já foi descoberto. Jenifer Nunes, que trabalha no local há quatro meses está animada: agora ela tem um celular “quase novo” e uma câmera digital. Se não tivesse passado pela esteira, tudo isso iria parar no aterro de Minas do Leão.
Galeria de fotos
Para saber mais:
Portal Transparência
Apresenta a lista de serviços e empresas contratados pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
Plano Estadual de Resíduos Sólidos
Traz informações básicas e notícias sobre as audiências públicas no Rio Grande do Sul.
Departamento Municipal de Limpeza Urbana
Página oficial do DMLU de Porto Alegre.
Plano Municipal Integrado de Gestão de Resíduos Sólidos
Obrigatório pela Lei Federal 12.305/2010, traz informações sobre o gerenciamento e orientações para o planejamento operacional dos vários tipos de resíduos da Capital.
Programa de Inclusão na Reciclagem Todos Somos Porto Alegre
Acesse o folder do Programa.