Brasil rumo ao octa mundial em uso de veneno
Foto: Paulo Lanzetta/Embrapa
Foto: Paulo Lanzetta/Embrapa
O uso de veneno nas lavouras cresceu 700% nas últimas quatro décadas. Nesses 40 anos, o território plantado aumentou apenas 78%. Os dados são da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Esse escore colocou o Brasil no topo do ranking de consumo de agrotóxicos de 2008 para cá, tornando-se o campeão mundial por sete anos seguidos, com forte perspectiva de repetir o feito em 2015. O Ibama, órgão responsável pela análise dos impactos ao meio ambiente, registra que foram aplicados 187 milhões de litros de veneno na última safra. A maior parte, com uso de aviões.
No país, 60% do veneno está concentrado nas culturas de soja, milho e algodão, as três plantas predominantemente cultivadas com uso de sementes transgênicas e com insumos fornecidos pelas seis empresas que controlam o negócio de sementes e agrotóxicos no mundo: Singenta, Dow, Basf, Monsanto, Bayer e Dupont.
Em termos financeiros, o segmento movimenta R$ 13 bi só no território nacional e representa 19% do mercado global. Além disso, após a liberação do uso de sementes modificadas, em 2007, sob forte pressão do agronegócio, o Brasil avançou rapidamente de não consumidor para o posto de segundo maior comprador de sementes transgênicas do planeta.
Leonardo Melgarejo, que assumiu em julho a presidência da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), alerta que a média do consumo de veneno no Brasil, conforme estudos recentes, equivale a um balde (7,5 litros) por pessoa/ano. “Os gaúchos consomem dois baldes de veneno por ano e nas regiões de plantio maciço, Centro-oeste e Noroeste do estado, chega a três baldes. Além disso, já há estudos publicados pelo Inca que associam os agrotóxicos ao surgimento de câncer”, afirma.
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Seminário debateu impacto dos agrotóxicos na saúde
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), ligada à Fiocruz, publicou dossiê que estabelece a média de consumo de agrotóxicos per capita, que teria saltado de 5 litros em 2012 para 7,5 litros em 2015. Há locais no Mato Grosso do Sul e Goiás em que ultrapassaria os 40 litros/pessoa. O estudo começou a ser divulgado em abril deste ano e foi lançado no Rio Grande do Sul, no último dia 24 de agosto, na Unisinos, no Seminário Agrotóxicos: Impactos na Saúde e no Ambiente, promovido pelo Instituto Humanitas e pelo programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade.
O presidente da Agapan foi um dos painelistas do Seminário. Experiente, Melgarejo atuou durante três décadas orientando produtores como engenheiro agrônomo da Emater. Ele explica que não se pode dissociar o uso de agrotóxico da questão dos transgênicos, pois ambas estão intimamente ligadas. A ampliação da área dessas plantas transgênicas expandiu o volume de venenos utilizados. Uma planta modificada para tomar um banho de veneno sem morrer estimula a utilização de mais veneno. Existem dois tipos de transgênicos no Brasil. O transgênico tolerante ao herbicida, que faz concorrência com outras plantas, as quais se quer eliminar da lavoura; e a tecnologia Bt (Bacillus thuringiensis), de plantas que carregam dentro de si o próprio inseticida. “É o caso do milho e da soja que trazem dentro deles, em todas as células, uma proteína que mata insetos. É bom criar uma imagem disso. Há 30 anos, quando entrei na Emater, a gente batia com um pano as folhas das plantas para contar o número de lagartas. Quando o número de lagartas era superior ao considerado causador de dano econômico, se recomendava a aplicação de inseticida naquele foco”, relata.
Segundo o agrônomo, existem 32 plantas que já não morrem com o veneno. Na medida que uma planta não morre, os agricultores aumentam a dose. E, num segundo passo, jogam outro veneno. “O uso de uma planta que pressupõe resistência ou tolerância a um determinado produto estimula o uso crescente da dosagem deste, porque ela determina por reação da natureza o surgimento de plantas que não morrem com a primeira aplicação, e ainda determina a necessidade de outros venenos. Acaba funcionando como uma espécie de vacina”, explica.
Foto: Ronaldo Rosa/Embrapa
Mudança de modelo agrícola é necessária para alterar quadro atual
Melgarejo explica que a única maneira de evitar o veneno é “não se aproximar dele” e que para isso “é preciso romper com a lógica do agronegócio”, adotando um modelo agroecológico. “É preciso consumir mais alimento livre de agrotóxicos”. Porém, não é possível mudar a forma do padrão de produção sem que essa escolha passe pelo estímulo de políticas públicas nesse sentido. Ele explica que grãos como soja e milho são usados largamente na engenharia alimentar. Ele dá o exemplo de um cidadão comum que compra uma lasanha congelada e uma cerveja no supermercado para consumir em uma sexta-feira à noite.
“Esses produtos contêm sementes de soja e milho transgênicos que carregam dentro de si um herbicida que causa câncer. Nós, enquanto sociedade, temos nosso papel. Devemos lutar contra essa maquiagem de informação e não aceitar o retrocesso. A retirada da indicação da presença de alimentos transgênicos no rótulo de alimentos é isso. Sonega uma informação e limita o poder de escolha do consumidor”. Ele se refere ao Projeto de Lei do deputado Luiz Carlos Heinze (PP/RS), que modifica a Lei 11.105, de 2005, que retira a indicação “T” das embalagens, aprovado na Câmara e que segue para avaliação do Senado. “Precisamos convencer os senadores gaúchos Paulo Paim, Lasier Martins e Ana Amélia Lemos a votar contra essa mudança”, aponta.
Para o presidente da Agapan, o caminho é fazer pressão social no Legislativo e Executivo. “É preciso acompanhar de perto o que está sendo discutido sobre a legislação de agrotóxicos e transgênicos para buscar a implementação dos planos, rompendo a cadeia do agronegócio. A informação é a chave. Ela nos dá protagonismo. Para isso podemos buscar entidades que nos auxiliam”.
Ele considera viável a diminuição do uso de agrotóxicos e a migração para outros sistemas produtivos como a produção orgânica. Porém, políticas nesse sentido esbarram na pressão que o agronegócio exerce no Legislativo e Executivo, atualmente uma das mais influentes bancadas no Congresso Nacional. “Assim, os planos acabam patinando”, lamenta. Um exemplo disso é o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), que para funcionar efetivamente, em larga escala, depende da implementação de outro plano: o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), que estava parado até o começo de agosto no Planalto, mas graças à Marcha das Margaridas, movimento de agricultoras familiares do Norte do país, obteve promessa da presidente Dilma Rousseff de que seria desengavetado. O Pronara foi elaborado pela Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO). Foram muitos meses de trabalho de diversos especialistas, vinculados a instituições de pesquisa e ensino, órgãos do governo e organizações da sociedade civil. Em agosto de 2014, a CNAPO aprovou o mérito do Programa, constituído por seis eixos: Registro; Controle, Monitoramento e Responsabilização da Cadeia Produtiva; Medidas Econômicas e Financeiras; Desenvolvimento de Alternativas; Informação, Participação e Controle Social e Formação e Capacitação. Permanece engavetado há um ano.
CÂNCER – O Instituto Nacional de Câncer (Inca), que integra a Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (Iarc) da Organização Mundial da Saúde (OMS), da qual o Inca faz parte, publicou recentemente a avaliação do poder carcinogênico de diversos ingredientes ativos de agrotóxicos e concluiu que há evidências suficientes para confirmar que os herbicidas glifosato e 2,4-D, os mais utilizados nas lavouras brasileiras, exercem efeitos cancerígenos, o que inclui danos ao DNA capazes de transformar células saudáveis em células precursoras de câncer e disrupções endócrinas que resultam em estímulo ao desenvolvimento de câncer.