Foto: Igor Sperotto
Em dez meses operando com capacidade ampliada, a CMPC Celulose Riograndense, instalada em Guaíba, contabiliza resultados positivos com planos de crescimento. A fábrica é monitorada pela Fepam, mas um vazamento e um incêndio despertaram atenção sobre o nível de segurança. O Ministério Público Estadual constatou irregularidades e antecipou o prazo para resolver problemas que afetam os moradores da região.
A nunciada exaustivamente como ampliação, a quadruplicação da Celulose Riograndense é, na prática, resultado da construção de uma nova fábrica. Inaugurado em maio de 2015, o novo parque industrial opera de forma conjunta com estruturas da unidade, instalada há mais de 40 anos na antiga Borregaard. A produção aumentou 3,9 vezes e o volume de efluentes despejados no rio cresceu 3,3 vezes, enquanto as instalações ganharam 560 mil metros quadrados de área construída, reduzindo a distância entre o maquinário e as residências dos moradores do Bairro Alegria, antigo balneário da cidade.
O plano de expansão é antigo e foi concluído apesar de uma mudança na propriedade da empresa e da troca de governos estaduais. O empreendimento tem a marca do grupo chileno CMPC Matte que, de olho no mercado internacional, comprou o controle acionário da fábrica da Aracruz Celulose, em 2009. Os atrativos para o negócio foram a garantia sobre a matéria-prima produzida em 213 mil hectares de lavouras de eucalipto instaladas em terras gaúchas e a promessa de obter a autorização definitiva para construir uma nova fábrica.
Para concretizar a obra, foi necessário transferir a responsabilidade do processo de licenciamento, aberto pela antiga proprietária um ano antes da transação. O projeto foi mantido e o ajuste ocorreu sem sobressaltos junto aos órgãos públicos. Em 26 de fevereiro de 2013, quatro meses antes de expirar o prazo de validade, a CMPC Celulose Riograndense pediu a renovação da autorização concedida à Aracruz Celulose, desta vez em seu nome. Sem interromper o processo, a Fepam liberou em 24 de outubro de 2014 a Licença de Instalação 00801/2014 mantendo para o grupo chileno a autorização, dada pela Licença Prévia 618/2008 à Aracruz Celulose, para multiplicar por quatro a produção de polpa de celulose branqueada de eucalipto e de cloro liquefeito, com o consequente aumento da produção de resíduos e da emissão de efluentes líquidos despejados no Guaíba.
Diferente da polêmica que durou mais de uma década e resultou no abandono da tentativa de duplicação da fábrica pela Klabin Riocell, em 2001, os níveis de poluentes e o debate público sobre a proposta não foram impedimento para os chilenos.
“O projeto é muito melhor que o anterior, até pela evolução tecnológica. Além disso, houve mobilização social para fazer esta fábrica. Se alguém reclamar, mostro a pilha de documentos de apoio que reunimos”, disse Walter Lidio Nunes, diretor-presidente da CMPC Celulose Riograndense, ao Extra Classe.
Em agosto de 2013, antes da renovação da licença, a CMPC anunciou o começo da obra. A incorporação da chamada Linha 2 resultou em um rápido aumento da capacidade de processamento, e a unidade de Guaíba fechou o ano festejada pelos controladores internacionais. Pelos números da empresa, em dezembro, o parque industrial gaúcho seria responsável por 43% de toda a produção mundial do grupo. Sozinha, a Celulose Riograndense encostou no desempenho das três plantas localizadas no Chile, que responderam pela outra metade de todo o volume de celulose produzido pela CMPC naquele mês.
Para o diretor-presidente, os resultados positivos vão além do aumento da produção e autorizam a manter os planos de crescimento. A empresa não trabalha com prazos, mas cogita produzir 2 milhões de toneladas, um incremento de 11% sobre 1,8 milhão de toneladas autorizadas pela Licença de Operação vigente. Segundo a Fepam, ainda não houve comunicado oficial sobre a intenção de expandir ainda mais a ampliação, e qualquer mudança no empreendimento exigiria novo licenciamento prévio.
Foto: Igor Sperotto
Nunes aponta como vantagens do novo sistema a redução de 40% do consumo de água e a instalação de três níveis de tratamento dos resíduos líquidos despejados no Guaíba. Ele assegura que a liberação de dioxinas e furanos, itens sempre polêmico na relação com ambientalistas, estaria “resolvida” e que as duas fábricas têm índices que obedecem às “melhores práticas mundiais”. Os problemas enfrentados na fase inicial de operação seriam parte de uma “curva de aprendizagem” no manejo da estrutura.
“Estou aplicando nos pontos da fábrica de tecnologia mais antiga, os padrões da fábrica nova. Constatei que preciso reformar o equipamento, para não ter desempenhos diferentes. É uma adaptação que gradativamente eu vou fazendo”, disse Walter Lídio Nunes.
CARTEL ‒ O grupo Matte não admite que o envolvimento na formação de um cartel que controlou o mercado e os preços do papel higiênico no Chile e Colômbia por mais de dez anos prejudique o desempenho financeiro da empresa no Brasil. Para Nunes, o problema está restrito à prática de alguns executivos do grupo e o impacto seria mais ético que financeiro. As investigações seguem nos países afetados, mas o investimento de 200 milhões de reais previsto para Guaíba, em 2016, está confirmado. Os movimentos da CMPC no Brasil também incluem a defesa do afrouxamento da legislação sobre a compra de terras por estrangeiros. O pedido foi levado por Gonzalo García Balmaceda diretamente à Presidente Dilma Rousseff e ao ministro Armando Monteiro (Desenvolvimento), durante visita oficial ao Chile, em 27 de fevereiro. Secretário-executivo do Grupo há mais de 25 anos, Balmacera foi um dos fundadores da Renovación Nacional, partido de centro direita no Chile, em 1987. Foi subsecretário do Interior do governo Pinochet, entre 1988 e 1990.
Incidentes expõem falta de segurança
Foto: Igor Sperotto
Desde que começou a operação conjunta das duas fábricas, a Linha 1 foi paralisada duas vezes. Em 20 de maio de 2015, um vazamento de cloro úmido e dióxido de cloro na planta de cloro-soda afetou 16 trabalhadores. Em 18 de janeiro de 2016, um incêndio atingiu o leito de cabos elétricos da unidade de digestão da Linha 1 e provocou uma coluna de fumaça escura que foi vista em Porto Alegre, na margem oposta do lago Guaíba.
Os incidentes pressionaram a curva de tolerância da população que vive na primeira linha de impacto do empreendimento. Com a construção da nova Linha 2, a fábrica avançou sobre o limite do terreno, se aproximando das residências de moradores do Bairro Alegria, antigo balneário de Guaíba. Os vizinhos alegam que estão mais expostos a riscos e não consideram o muro construído na divisa do terreno como proteção suficiente.
“Se pensar que atrás daquele muro existe uma ‘bomba’ de cloro, acho que tenho o direito de me sentir ameaçada”, disse Carolina Coutinho. Carolina tem 34 anos e vive desde criança na rua em frente à fábrica. Ela teme que, em caso de novos vazamentos, o cloro chegue à sua casa.
A companhia está autorizada a produzir 33.600 toneladas de cloro liquefeito por ano, mas o perigo é relativizado pela empresa. Sem detalhar quantidades, a direção defende que a fábrica está ajustada para consumir imediatamente o cloro produzido, evitando a necessidade de estocar a substância, prática que aumentaria o risco da operação. Nunes admite que há excedente, mas em quantidades “mínimas”, que seriam rapidamente vendidas para indústrias locais. Mesmo assim, a população se ressente com a falta de informação. Alegam que não receberam treinamento ou informação sobre como agir em situações de risco e reclamam que os canais de comunicação com a empresa e a Fepam são protocolares e pouco resolutivos.
“A coluna de fumaça estava a uns 200 metros da minha casa. Não sabia se deveria ficar ou sair. Não houve qualquer sinal de alerta no dia do incêndio. Faltam informações importantes para nós”, disse Aline Velloso, 37 anos.
CONTROLE – Tanto o mapeamento e a diminuição de riscos, quanto a orientação a populações afetadas, são exigências previstas no processo que autorizou o funcionamento da empresa. Segundo a Fepam, órgão estadual responsável pela liberação e fiscalização ambiental, a empresa obedece à determinação do licenciamento e tem um Plano de Atendimento de Emergência, que “além dos procedimentos para tratar emergências, inclui simulados internos e externos” e um canal de comunicação disponíve
Foto: Reprodução de vídeo
Foto: Reprodução de vídeo
O órgão fiscalizador informou por escrito ao Extra Classe, que nos dois últimos incidentes (vazamento e incêndio) “o plano foi atendido”. Os eventos “ficaram restritos a áreas internas da fábrica e não houve necessidade de mobilização de outras áreas da empresa e também da comunidade”.
No caso do incêndio de janeiro, a Fepam garantiu que o fogo não atingiu “matérias-primas, insumos ou máquinas dentro do processo produtivo”. Uma inspeção constatou ao fim do incêndio e autuou a empresa por “emissões atmosféricas em desacordo com a legislação”. A avaliação reforça a argumentação da Celulose de que o fogo originado em um painel elétrico foi controlado em 15 minutos sem maiores consequências.
“Não houve alerta porque, além do aspecto visual da fumaça, não havia risco para comunidade”, disse o presidente da Celulose. Sobre a ocorrência de maio de 2015, a Fepam confirmou que “rompimento no selo hidráulico da linha da planta de cloro” provocou o vazamento de cloro e dióxido de cloro. Como consequência, a empresa teria implantado um sistema de segurança capaz de “desviar” as substâncias e eliminar o risco de liberação para atmosfera, “em caso de novo rompimento”. A multa de R$ 323 mil, aplicada pelo vazamento, soma-se a cinco outras ainda não pagas.
Ministério Público Estadual quer antecipar soluções para ruído e odor
Foto: Igor Sperotto
Em relação ao processo de licenciamento, a Fepam atesta que a Celulose Riograndense apresentou todos os estudos exigidos e continua monitorando a toxicidade dos resíduos, mas não esclarece os motivos para o não cumprimento da Licença Prévia 618/2008 que determina o pagamento de 24,7 milhões de reais (em valores atualizados) como medida compensatória. O recurso previsto ainda na primeira fase do licenciamento, deveria ter sido aplicado integralmente em áreas do Bioma Pampa.
O montante equivale a 35,5 por cento do orçamento da Fepam para 2016 (69,5 milhões de reais). A assessoria do órgão garantiu que os documentos necessários para concretizar o repasse estariam sendo finalizados pelo setor jurídico da Secretaria do Meio Ambiente. O atual governo pretende destinar o dinheiro às Unidades de Conservação estaduais (Parque Estadual Delta do Jacuí, Área de Proteção Ambiental Delta do Jacuí, Parque estadual do Podocarpus, Reserva Biológica São Donato e Parque Natural Municipal Morro José Lutzenberger).
MORADORES – O histórico de problemas ambientais da celulose de Guaíba não é novidade. Ao longo de 40 anos, melhorias e substituição de tecnologia foram aproximando a performance do empreendimento de níveis aceitos internacionalmente. Entretanto, alguns dos problemas como o nível de ruído e a presença constante de poeira continuam visíveis e incomodam particularmente os vizinhos. “A empresa alega que está tudo dentro dos padrões, nós alegamos que não”, disse a moradora Carolina Coutinho.
MINISTÉRIO PÚBLICO – O assunto foi parar no Ministério Público Estadual, que abriu inquérito civil na Promotoria de Guaíba a partir de um abaixo-assinado de moradores.
“Tem um bairro inteiro que vive ao lado de uma fábrica que foi ampliada. A licença precisa ser cumprida e a tranquilidade reestabelecida”, disse Daniel Martini, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente.
Segundo Martini, uma vistoria técnica confirmou a reclamação dos moradores e a presença irregular de ruído e cheiro. O odor seria resultado de vazamentos pontuais anteriores à filtragem final dos compostos de enxofre, enquanto o barulho seria pelo funcionamento do maquinário.
“Constatamos o descumprimento da licença ambiental, mas não é uma situação de extrema gravidade que não possa ser corrigida”, disse Martini.
Como providência, o Ministério Público pediu a antecipação para junho do prazo para conclusão de medidas, inicialmente previstas para dezembro, que garantam o “enclausuramento” dos equipamentos barulhentos, além da localização e resolução dos vazamentos de enxofre. O promotor aposta no compromisso da CMPC e no cumprimento do prazo acordado, evitando medidas como uma Ação Civil Pública ou mesmo um Termo de Ajustamento de Conduta.
“Em nenhum momento a empresa se mostrou reticente em resolver os problemas e vem cumprindo o que é acordado”, resumiu Martini.