Um projeto de lei, de autoria do deputado federal Covatti Filho (PP/RS), está sendo considerado uma ameaça à proteção da saúde e do meio ambiente e já mobiliza diversas entidades da sociedade civil contra sua aprovação. O PL nº 3.200/2015 propõe uma nova normatização para o uso de agrotóxicos no Brasil.
Segundo o deputado, a intenção é modernizar e dar mais agilidade à legislação que trata do tema. Porém, a procuradora da República Ana Paula Carvalho de Medeiros, coordenadora do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (FGCIA), afirma que a proposta enfraquece o controle sobre agrotóxicos pelo poder público ao criar uma nova estrutura – a Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNfito), composta por 23 membros designados pelo Ministério da Agricultura – retirando atribuições dos órgãos de Segurança, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Instituto Brasileiro do Meio-Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e órgãos estaduais de fiscalização.
Além disso, explica a procuradora, “o projeto altera a nomenclatura de agrotóxicos para defensivos fitossanitários, e libera da necessidade de registro, por não se enquadrarem no conceito de ‘defensivos’, produtos como o 2,4D, o glifosato e o paraquat, os mais consumidos no país, embora considerados nocivos. Estas constatações levaram o Fórum a lançar uma Nota de Repúdio ao PL nº 3.200/2015. Não aceitam que sejam retirados de estados e municípios a possibilidade de restringir o alcance do registro federal na forma como ocorre atualmente no Rio Grande do Sul, em que é proibida a comercialização de agrotóxicos que não têm uso autorizado no seu país de origem, caso, por exemplo, do paraquat.
“Se algo está evidente em torno deste processo é a obsolescência da legislação de defensivos vigentes”, diz o parlamentar sobre a Lei Federal nº 7.802, de 1989, ao defender seu PL. Segundo ele, não é justificável um prazo médio de cinco a oito anos para obtenção de registro de novos produtos. “Perante tão moroso processo, o setor agrícola sofre graves perdas em decorrência do aparecimento de novas e mais persistentes pragas”.
Os integrantes do FGCIA discordam deste posicionamento e consideram que o Brasil possui uma legislação considerada das mais avançadas e completas sobre o tema. “A Lei nº 7.802/89 e seu Decreto Regulamentador envolvem os órgãos de Estado responsáveis pela agricultura, pela saúde e pelo meio ambiente. Mesmo assim, não temos sido capazes de enfrentar o uso indiscriminado e abusivo de agrotóxicos, tornando o país o maior mercado consumidor de agrotóxicos do mundo, com imensos custos sociais e ambientais”, observa Ana Paula.
Nova estrutura é desnecessária
Foto: Lucio Bernardo Junior/Câmara dos Deputados
Para a procuradora da República Ana Paula Carvalho de Medeiros, se a intenção do projeto é “prestar segurança e celeridade aos processos em tramitação, por meio de uma nova dinâmica”, isso pode ser facilmente obtido com o aporte de recursos humanos, tecnológicos, orçamentários e financeiros aos órgãos de controle já existentes, não havendo necessidade de criação de uma nova estrutura, a CTNFito. Muito menos dos gastos públicos que dela advirão.
O deputado Covatti Filho diz estar aberto para críticas e sugestões, desde que seja feito um debate técnico e não ideológico. Esta posição foi prontamente rechaçada pela procuradora. “A ideologia presente na oposição ao projeto é a ideologia da defesa da vida, da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme preconiza a Constituição Federal”. Ela também rebateu a informação de que entidades teriam desistido de assinar a Nota de Repúdio. “É falsa a afirmação de que algumas entidades desistiram de assinar a nota. A nota é do Fórum, composto por 51 entidades entre organizações da sociedade civil, instituições governamentais, universidades e Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e Ministério Público do Trabalho, e foi aprovada em reunião sem qualquer voto contrário”.
Lei beneficia o comércio e saúde paga a conta
Para Ana Valls, que integra o Conselho Estadual de Saúde (CES/RS) na vaga da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), o projeto é um retrocesso na legislação. “Tirar o nome agrotóxico e substituí-lo por defensivo só tem um beneficiário, que é quem vende o produto e só vê o lucro, pois quando acontecem as doenças advindas do uso, quem tem que resolver o problema é o sistema público de Saúde e isto tem um alto custo”.
Ana destaca que agrotóxicos são produtores de doenças e apontados como uma das causas para o alto índice de suicídios verificados nos últimos anos. No Brasil, a previsão é do surgimento de 600 mil novos casos de câncer em 2016. “Obviamente que, quando se pensa nos fatores desencadeantes deste processo, com certeza os agrotóxicos fazem parte”. Em vista disto, ela classifica como muito perigoso retirar da Anvisa e, por consequência, do Ministério da Saúde, o poder de definição sobre o uso deste tipo de produto.
E denuncia que a proposta tenta enganar a população ao mascarar informações. Se, para o deputado Covatti Filho, agrotóxico é um termo pejorativo e a nomenclatura do produto é só um detalhe, para a conselheira de saúde, este detalhe faz toda a diferença. “Estamos falando de substâncias químicas venenosas utilizadas na agricultura. Por isto, o nome agrotóxico: para lembrar que estamos tratando de algo que traz prejuízo à saúde, pode até matar e não é certo tentar escamotear isto”.
No dia 8 de junho, a partir das 13h. será realizada uma audiência pública do Fórum Gaúcho no Auditório Dante Barone, da Assembleia Legislativa, para tratar dos impactos dos agrotóxicos na segurança alimentar na região Metropolitana e adjacências. Será relançada a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida e também será feito o lançamento da Consulta Pública sobre Agrotóxicos sob responsabilidade do município de Porto Alegre. Outras audiências já foram realizadas em Ijuí, Pelotas e Caxias do Sul.
Fabricantes tiveram condenação emblemática
Foto: Ronaldo Rosa/Embrapa
Por conta das exigências contidas na lei federal em vigor, as empresas multinacionais Shell e Basf foram condenadas a pagar, em 2013, multa milionária a ex-trabalhadores de sua fábrica de agrotóxicos, que funcionou de 1974 e 2002, em Paulínia, interior de São Paulo. As multinacionais fizeram um acordo para pagar atendimento médico vitalício para mais de mil trabalhadores e seus dependentes e, ainda, foram obrigadas a pagar R$ 200 milhões de indenização por danos morais e coletivos, mais R$ 170 milhões como indenização individual.
A ação iniciou em 2007 após diversos estudos ligarem a contaminação do lençol freático às atividades da empresa de agrotóxicos. A saúde dos trabalhadores foi alvo de análise do Ministério Público do Trabalho daquele estado. Além de terem contaminado o meio ambiente por produção de agrotóxico em desacordo com a lei vigente, as empresas foram consideradas negligentes em relação à saúde física e psíquica dos trabalhadores.
Em nota, a Shell, na época, considerou o acordo “excelente oportunidade para o término da disputa”, mas sem reconhecer a contaminação dos trabalhadores. Também por intermédio de nota, a Basf confirmou o acordo.