AMBIENTE

Megaprojetos de mineração ameaçam produção de alimentos no Rio Grande do Sul

Comunidades, ambientalistas e técnicos alertam sobre os altos impactos socioambientais das mais de 160 plantas de extração de minerais que formariam um polo carbonífero no estado
Por Gilson Camargo / Publicado em 11 de junho de 2019
Riscos dos projetos de mineração foram abordados no encontro com assentados da reforma agrária, pescadores, agricultores, estudantes, ambientalistas, quilombolas, trabalhadores urbanos e integrantes de movimentos populares das regiões do Delta do Jacuí e Grande Porto Alegre

Foto: Igor Sperotto

Riscos dos projetos de mineração foram abordados no encontro com assentados da reforma agrária, pescadores, agricultores, estudantes, ambientalistas, quilombolas, trabalhadores urbanos e integrantes de movimentos populares das regiões do Delta do Jacuí e Grande Porto Alegre

Foto: Igor Sperotto

 

Assentados da reforma agrária, pescadores, agricultores, estudantes, ambientalistas, quilombolas, trabalhadores urbanos e integrantes de movimentos populares das regiões do Delta do Jacuí e Grande Porto Alegre participaram da Assembleia Popular da Mineração, realizada nesta terça-feira, 11, em Eldorado do Sul, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e pelo Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).  Na pauta os impactos do avanço dos projetos de extração de carvão, fosfato, titânio, cobre e zinco no Rio Grande do Sul.

"Mística" encenada pela comunidade lembrou Mariana e Brumadinho e a incompatibilidade entre a mineração e a produção de alimentos

Foto: Igor Sperotto

“Mística” encenada pela comunidade lembrou Mariana e Brumadinho e a incompatibilidade entre a mineração e a produção de alimentos

Foto: Igor Sperotto

Cedenir de Oliveira, da coordenação estadual do MST, associou os projetos de mineração com o caos social e econômico que caracteriza regiões de extração pelo país. “Em Minas Gerais, a extração do ouro anda lado a lado com a fome das crianças. Por isso, vamos impedir que a mineração destrua o nosso território e a vida de cada um de nós”, conclamou. Ele se referia ao impacto dos projetos de mineração que miram o estado como a “nova fronteira mineral” cobiçada pelas multinacionais para abastecer de carvão os mercados norte-americano e chinês.

O polêmico projeto de mineração que a Copelmi tenta implantar na região e cujo EIA/Rima é questionado pelas comunidades e ambientalistas monopolizou o debate, já que é exemplar dos impactos socioambientais desse tipo de empreendimento. Se viabilizada, a mina Guaíba colocará um fim no assentamento agroecológico Apolônio de Carvalho, terceiro maior produtor de arroz orgânico do estado, no qual as famílias ainda plantam hortaliças sem veneno, criam gado e produzem queijos. O projeto também atinge o condomínio Guaíba City, deixando mais de cem famílias sem moradia.

O professor Caio dos Santos, pesquisador do Observatório dos Conflitos do Extremo Sul do Brasil, vinculado à Universidade Federal do Rio Grande (Furg), lembrou que 90% das reservas de carvão mineral do país estão localizadas no subsolo gaúcho e que desde 1792 se prospecta carvão no estado. “As primeiras extrações, feitas em parceria com capital estrangeiro ocorreram na região de Butiá e Arroio dos Ratos”, assinalou.

“A promessa de geração de empregos e aumento da arrecadação dos municípios, argumentos que costumam acompanhar os projetos de mineração como o da Copelmi, quase nunca se concretizam e deixam um rastro de destruição da economia local, que costuma desaparecer para dar lugar à mineração. O discurso das empresas, de que não haverá impactos ambientais ou que eles serão minimizados com a utilização das melhores tecnologias, não corresponde à realidade da mineração, que historicamente se utiliza de baixa tecnologia”, destaca o professor Caio dos Santos.

A mineração extermina a atividade econômica já existente nos municípios por onde passa, adverte Caio dos Santos, pesquisador da Furg

Foto: Igor Sperotto

A mineração extermina a atividade econômica já existente nos municípios por onde passa, adverte Caio dos Santos, pesquisador da Furg

Foto: Igor Sperotto

O argumento da geração de emprego e renda, de acordo com o professor, também não costuma se traduzir em realidade depois que a planta começa a operar. “A Copelmi já faz isso na região, promete que o projeto da Mina Guaíba vai gerar 1.354 novos empregos diretos na fase de operação. A Rio Grande Mineração diz que vai gerar 300 empregos em São José do Norte, a Nexa, antiga Votorantin (zinco), a Àguia Fertilizantes (fosfato) dizem a mesma coisa. Além disso, prometem os empregos indiretos, que a gente nunca sabe se se concretizam”, enumerou.

Santos também rebateu a alegação das empresas em relação à geração de tributos, de economia para os municípios. No caso da mina Guaíba, a Copelmi promete dobrar a arrecadação de INSS de Eldorado do Sul, que atualmente é de R$ 23 milhões. “Entre os municípios gaúchos que receberam o maior valor de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) em 2018, Butiá arrecadou R$ 1,478 milhão, Arroio dos Ratos, R$ 1,242 milhão; e Candiota R$ 1,335 milhão. Mas para esses municípios, arrecadar o CFEM não os torna ricos ou desenvolvidos. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Arroio dos Ratos, por exemplo, que é de 0698, para uma população de 13,6 mil habitantes, é menor que o índice geral do Brasil. O IDH de Butiá é de 0689, ou seja, o município é o 357º no ranking do IDH no RS. Não é um município desenvolvido. E vamos lembrar que Butiá minera desde 1792”.

Paulo Brack, da Ufrgs: extermínio da biodiversidade

Foto: Igor Sperotto

Paulo Brack, da Ufrgs: extermínio da biodiversidade

Foto: Igor Sperotto

O pesquisador da Furg alertou ainda que a mineração desfigura a identidade das comunidades:

“O mais cruel é que a mineração, quando entra nos territórios tem a capacidade de acabar com a outra economia local que já existia, torna inviáveis outros modos de vida, seja pelo impacto ambiental, seja pelos impactos sociais. Municípios que eram agrícolas se converteram em mineradores”, advertiu.

“Estamos vivendo uma grande guerra contra a sociobiodiversidade”, alertou o professor do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da Ufrgs, Paulo Brack, ao abordar o potencial de destruição da biodiversidade, de contaminação do solo e da água, e do impacto sobre a população que acompanham a mineração de carvão.

A advogada Patrícia Silveira, especialista em direito ambiental, lembrou a falta de transparência envolvendo a mina Guaíba e lembrou que uma audiência pública foi realizada em Eldorado do Sul por pressão do movimento. “Temos direito à publicidade, à informação ambiental, à participação na gestão democrática do meio ambiente. Isso não é assunto de partido, está na Constituição, é um direito nosso”, concluiu.

Patrícia: "Temos direito à transparência"

Foto: Igor Sperotto

Patrícia: “Temos direito à transparência”

Foto: Igor Sperotto

POLO CARBOQUÍMICO – A maioria dos projetos em andamento no estado – de acordo com um planejamento estratégico elaborado pelo governo do estado para a implantação de um polo energético – está localizada na metade-sul. Os mais avançados são minas de carvão em Eldorado do Sul e Charqueadas (a polêmica Mina Guaíba), de extração de fosfato em Lavras do Sul, titânio em São José do Norte, e cobre e zinco em Caçapava do Sul. Ao todo o estado é alvo de 166 projetos de mineração. Apenas o projeto da mina Guaíba, de extração de carvão, afetaria um número imensurável de pessoas – calculado em mais de 7 milhões –, com impactos que se estenderiam do Delta do Jacuí até o Litoral Norte. O empreendimento é também um dos principais projetos de formação do polo carboquímico no RS, um megaprojeto que aposta na produção de Gás Natural Sintético (GNS) a partir de carvão e pretende atrair R$ 4 bilhões de investimentos com exportação de carvão – especialmente para a China. A mina Guaíba foi concedida à Copelmi Mineradora, que já explora outras seis minas no estado.

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