Câmara não vota MP que altera a regularização fundiária
Foto: Greenpeace/ Divulgação
Sem acordo entre deputados da bancada ruralista e os partidos de oposição na Câmara dos Deputados, a medida provisória que altera regras da regularização fundiária no país (MP 910/19) entrou na pauta da Câmara, mas acabou não sendo votada nesta terça-feira, 12.
Os partidos de oposição pediram a retirada da matéria do plenário, o que foi aceito pelo presidente da Câmara. Rodrigo Maia (DEM-RJ) informou que a proposta poderá entrar na pauta da próxima semana, mas na forma de um projeto de lei baseado no parecer apresentado pelo relator da MP, deputado Zé Silva (Solidariedade-MG).
Editado em dezembro de 2019, o texto enfrenta a resistência de ambientalistas e representantes dos povos indígenas por facilitar a legalização de terras apropriadas por grileiros, madeireiros e criadores de gado.
Na última semana, oito ex-ministros do Meio Ambiente, movimentos sociais e campesinos, centrais sindicais e 49 organizações ambientalistas, dentre elas o Greenpeace Brasil, enviaram carta ao presidente da Câmara, pedindo que a MP não seja votada.
“Como se não bastasse estarmos no meio de uma pandemia, há uma aceleração do desmatamento na Amazônia e a proximidade do início da época dos incêndios florestais, com o acirramento dos conflitos envolvendo invasões de terras e a intensificação da violência contra os agentes dos órgãos ambientais. Aprovar essa matéria, em qualquer versão, constitui criminosa irresponsabilidade”, diz a carta das ONGs.
1319 hectares desmatados em quatro meses
Uma análise dos dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostra que nos quatro primeiros meses de 2020, os alertas de desmatamento em terras indígenas da Amazônia brasileira aumentaram 59%, em comparação ao mesmo período do ano passado.
Este é o maior índice dos últimos quatro anos. Isso significa que 1.319 hectares de floresta – o que equivale a 1.800 campos de futebol – foram desmatados dentro de territórios indígenas de janeiro a abril de 2020. No mesmo período do ano passado este número foi de 827 hectares.
Foto: Rede Globo/ Reprodução
A legalização de terras apropriadas indevidamente de pequenos produtores e indígenas ocorre a partir do preenchimento da autodeclaração de propriedade por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
No Pará, o Greenpeace Brasil identificou 223 cadastros ambientais rurais emitidos pelo governo dentro da terra indígena Ituna-Itatá. As fazendas de criação de gado já ocupam 94% do território, aponta a ONG.
Reportagem do Fantástico, citada por deputados em plenário, identificou o fazendeiro Lazir Soares de Castro, dono das fazendas Mãe Rainha e a Maguari, com mais de 1,5 mil hectares cada uma, utilizadas na criação e comercialização de gado. Apesar de estarem situadas no coração da reserva, Castro afirmou que desconhece que ali seja uma terra indígena.
O procurador da República Júlio Araújo afirma que, de acordo com a Constituição, é nulo qualquer título de posse que incida sobre terras indígenas. “Qualquer tipo de propriedade privada ou incidência sobre aquele território não tem validade”, disse. Para o Ministério Público, o CAR passou a ser utilizado como tentativa de legitimação de posses ilícitas.
O lobby do agronegócio
A base do governo na Câmara sustenta que o objetivo da MP é agilizar a posse de terras a pequenos produtores rurais no país e pressiona pela votação da medida antes que ela perca a validade. Para o presidente da comissão mista que analisou a MP, deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO), “se essa medida provisória caducar por falta de votação, a culpa vai ser da Câmara dos Deputados.
Essa questão de consenso, de acordo, é muito bacana, muito bonita, mas em um assunto polêmico como esse, dificilmente nós vamos ter um texto que agrade 100%”, argumentou. Mas o parlamentar pouco falou em pequenos produtores. “Quem está plantando o PIB é o agronegócio”, exaltou.
A MP passou de julho de 2008 para até maio de 2014 a data máxima de posse de propriedades que podem ser regularizadas. Além disso, permitiu que a regularização seja feita por autodeclaração para terras com até 15 módulos fiscais. Antes, isso valia apenas para pequenos lotes de até quatro módulos e apenas na Amazônia Legal. Dependendo da região, um módulo fiscal varia de cinco a 110 hectares.
Infográfico: INPE
Para o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, as mudanças favorecem posseiros de ocasião e crimes ambientais.
“Acontece que a imagem do satélite mostra que a terra foi utilizada, foi desmatada, tem pasto, tem boi. Ela não mostra quem é que está lá. Esse é o grande problema”, alerta.
Na avaliação dele, “a grande sacada” da MP foi tirar a vistoria. “Ou seja, não tem mais um técnico do governo que vai lá olhar a área e vai ver se a área tem aptidão agrícola, se tem gente morando lá na área, se o posseiro é quem está se autodeclarando posseiro, se tem índio no local. Então, sem essa vistoria, apenas na base da autodeclaração, eles esperam regularizar milhares e milhares de pessoas”, critica.
Agostinho afirmou que a Frente Ambientalista recebeu denúncias de grilagem de 100 mil hectares que estariam sendo picotadas em lotes de 1,5 mil hectares e vendidos na internet. Ele destacou ainda os alertas de desmatamento da Amazônia, medidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que foram em número 51,45% maior entre janeiro e março em relação ao mesmo período de 2019.
A defesa dos deputados ruralistas
Para o ruralista Mosquini, a fiscalização será mais efetiva com a regularização. “Essa MP vai dar identidade às propriedades rurais, vai aparecer o dono e aí eles vão ficar inibidos de praticar o crime ambiental. Como está hoje, aí, sim, tem crime ambiental porque a terra não tem dono. Você fica à vontade para desmatar, colocar fogo porque a terra não tem dono. A terra é pública. É pública e o público não cuida da terra”, disparou.
Not available
Já o deputado gaúcho Alceu Moreira (MDB-RS), coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária, afirma que o governo demora a regularizar assentamentos antigos e existem um número gigantesco de famílias, 700 mil, que não têm título, não têm escritura pública.
O representante dos ruralistas reclamou que o Ministério Público trata como criminoso o cidadão que pediu a vistoria da sua propriedade.
“O Estado brasileiro passa anos e anos, às vezes décadas, sem fazer a vistoria. O cidadão obteve a terra pelo assentamento, portanto, por uma decisão do Estado. Aí ele tem que executar a propriedade por questão de sobrevivência e queremos tratá-lo como fora da lei”, raciocina.
Para deputado Bira do Pindaré (PSB-MA), o problema é justamente separar os que merecem a regularização dos que estão se aproveitando da flexibilização. “Isso é um ponto de consenso; os movimentos sociais defendem, os trabalhadores rurais defendem, os quilombolas defendem. Agora, qual é a nossa preocupação? São os efeitos práticos dessa medida. Nós queremos que haja uma regularização fundiária e não uma legalização da grilagem”, avalia.
O líder do PSB, deputado Alessandro Molon (RJ), criticou a inclusão da matéria em votação remota. “Essa MP vai permitir a regularização não apenas de terras públicas do Incra, mas terras públicas de todo o país. É um escândalo, é vergonhoso. É péssima a votação desta matéria neste momento”, disse. Nilto Tatto (PT-SP) afirmou que a proposta premia os desmatadores. O deputado Ricardo Barros (PP-PR), por sua vez, justificou que a medida apenas simplifica a regularização dos imóveis.
*Com Agência Câmara.