AMBIENTE

Brasil ‘seca’ um estado do Acre nas últimas três décadas

Estudo inédito do MapBiomas Água aponta que em três décadas o país perdeu 15,7% da sua superfície hídrica, ou seja, mais de 3 milhões de hectares de água doce
Por Flávio Ilha, do Pará / Publicado em 23 de agosto de 2021
Mais de 3 milhões de hectares secaram nos últimos 35 anos

Foto: Daniel Beltrá/ Greenpeace

Mudanças no uso e na cobertura da terra devido à agricultura extensiva, construção de barragens e de hidrelétricas, poluição e uso excessivo dos recursos hídricos para a produção alteraram a qualidade e a disponibilidade da água

Foto: Daniel Beltrá/ Greenpeace

Uma área coberta com água equivalente ao estado do Acre foi suprimida do país nos últimos 35 anos devido ao avanço do agronegócio e do desmatamento. Mais de 3 milhões de hectares secaram nesse período, de acordo com os dados revelados nesta segunda-feira, 23, pela plataforma MapBiomas Água.

A redução da superfície coberta com água no Brasil foi de 15,7% desde o início dos anos 90, caindo de 19,7 milhões de hectares em 1991 para 16,6 milhões de hectares em 2020.

Foto: Christian Braga / Greenpeace

Monitoramento de Queimadas na Amazônia em Julho de 2021. Coluna de fogo avança sobre floresta degradada em Porto Velho, Rondônia

Foto: Christian Braga / Greenpeace

As informações mostram que oito das 12 regiões hidrográficas do país foram afetadas, em todos os cinco biomas brasileiros. Ao todo, a redução da superfície coberta com água no Brasil foi de 15,7% desde o início dos anos 90, caindo de 19,7 milhões de hectares em 1991 para 16,6 milhões de hectares em 2020.

o Pampa também sofre um processo de seca: a redução foi de quase 2,3 mil hectares

Foto: Academia Brasileira de Ciências/ Divulgação

Carlos Souza, coordenador do GT de Água do MapBiomas

Foto: Academia Brasileira de Ciências/ Divulgação

Mudanças no uso e na cobertura da terra devido à agricultura extensiva, construção de barragens e de hidrelétricas, poluição e uso excessivo dos recursos hídricos para a produção alteraram a qualidade e a disponibilidade da água. Ao mesmo tempo, secas extremas e inundações associadas às mudanças climáticas aumentaram a pressão sobre os corpos hídricos e ecossistemas aquáticos.

Segundo Carlos Souza, coordenador do GT de Água do MapBiomas, se não for implantada uma gestão sustentável dos recursos hídricos, considerando as diferentes características regionais e os efeitos interconectados com o uso da terra e as mudanças climáticas, será impossível alcançar as metas de desenvolvimento sustentável.

Bioma Pampa

No bioma Pampa, que domina mais de metade do território gaúcho, há uma grande densidade de reservatórios artificiais para uso na irrigação do cultivo de arroz, segundo a plataforma. No período de análise do MapBiomas Água, entre 1985 e 2020, houve continuidade na criação de novos reservatórios, com destaque para os municípios de Dom Pedrito e Uruguaiana.

Apesar de apresentar a menor tendência de redução de superfície de água, o Pampa também sofre um processo de seca: a redução foi de quase 2,3 mil hectares, de um total de 178 mil quilômetros quadrados.

Em 1985 o estado tinha mais de 1,3 milhão de hectares cobertos por água

Foto: Marcos Amend/ Greenpeace

A terra Munduruku é mais uma entre os diversos territórios que sofrem com o avanço do garimpo ilegal e ineficiência do Estado em defendê-los

Foto: Marcos Amend/ Greenpeace

Desmatamento, queimadas e garimpo

O estado com a maior perda de superfície de água na série histórica, tanto absoluta quanto proporcional, foi o Mato Grosso do Sul, com redução de 57%. Se em 1985 o estado tinha mais de 1,3 milhão de hectares cobertos por água, em 2020 eram apenas pouco mais de 589 mil hectares.  Mais de 780 mil hectares de água foram perdidos no período.

E essa redução se deu basicamente no Pantanal, embora toda a bacia do rio Paraguai tenha sido afetada pela redução. Em segundo lugar está o Mato Grosso, com uma perda de quase 530 mil hectares. Não por acaso, os dois estados são campões na produção de soja e na agropecuária no país, responsáveis também por altos índices de desmatamento.

Também não surpreende que o município que mais pegou fogo entre 1985 e 2020, e que mais perdeu água no mesmo período, tenha sido Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Cáceres, no Mato Grosso, o quinto que mais queimou no país, é o vice-líder em perda de superfície de água. “Os ciclos de fogo e água estão interligados e se retroalimentam. Menos água deixa a terra e a matéria orgânica que se depositam sobre ela mais vulneráveis ao fogo. Mais fogo suprime a vegetação, que tem papel crucial para perenizar nascentes e mananciais”, explica Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas.

O MapBiomas Água identificou vários pontos de maior retração da superfície da água próximos a fronteiras agrícolas, o que sugere que o aumento do consumo, junto com o assoreamento que acompanha os desmatamentos, seja uma das razões da diminuição da superfície da água no Brasil.

Expansão agrícola

Infográfico: MapBiomas Água

Infográfico: MapBiomas Água

Esse é o caso do rio São Francisco, que corre por áreas de Cerrado e Caatinga. Os dados analisados mostram que há uma tendência de decréscimo na superfície de água, especialmente na margem esquerda, onde ficam as regiões de fronteiras agrícolas. A redução foi notada nos últimos 15 anos, que coincidem com o período de expansão agrícola na região de Matopiba: o consumo de água dessas atividades resultou numa redução de 10% em sua superfície de água nos últimos 15 anos.

Não foi, contudo, o curso mais afetado do país: o rio Negro, que abastece Manaus (AM), considerando o início e o final da série, perdeu mais de 360 mil hectares de superfície de água, uma diferença de 22% para menos. O sinal de queda mais acentuado ocorreu entre 1999 e 2000, com redução de mais de 560 mil hectares, ou um pouco mais de 27% de diferença.

O MapBiomas Água processou mais de 150 mil imagens geradas pelos satélites Landsat 5, 7 e 8 de 1985 a 2020. Com a ajuda de inteligência artificial, foi analisada a área coberta por água em cada pixel de 30 metros por 30 metros dos mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro. Ao todo, foram 108 terabytes de imagens processadas, revelando áreas, anos e meses de maior e menor cobertura de água.

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