Sementes para colher um amanhã sem veneno

Foto: Roque Hammes/Eco da Vida/Divulgação

“As sementes crioulas são a célula por meio da qual agricultura familiar poderá fornecer alimentos livres de transgenia e agrotóxicos”, diz Lori Weber, Presidenta do grupo O Eco da Vida

Foto: Roque Hammes/Eco da Vida/Divulgação

Na Parábola do Semeador, Jesus conta que um semeador deixou uma semente cair no caminho, em terreno rochoso e entre os espinhos, onde ela se perdeu. Porém, quando a semente caiu em boa terra, cresceu e multiplicou-se por trinta, sessenta e cem a colheita. Lançando ao ares sementes de grãos, hortaliças e frutíferas diversas, os agricultores Carmem Reis e Roque Finkler deram boas-vindas, encenando a passagem bíblica, uma das mais célebres do Evangelho de São Marcos, ao público que, na tarde desta quarta-feira, 27, se fez presente no Encontro Diocesano de Sementes Crioulas. Foi com esta a simbologia religiosa que marcou o espírito da vigésima edição do evento, que, este ano, realizou-se em Venâncio Aires, município a 150 km de Porto Alegre.

Foto: Sirlei Marques/Esc Julio de castilhos/Divulgação

Para Dom Aloísio Dilli os agricultores familiares são os “guardiões” das sementes crioulas, exortou a comunidade para que, em tempos de fome, no Brasil, pratiquem os valores da fraternidade e da solidariedade para a superação das adversidades

Foto: Sirlei Marques/Esc Julio de castilhos/Divulgação

Promovido pela Diocese de Santa Cruz do Sul, com apoio do grupo Eco da Vida (ligado à Cooperativa Regional de Agricultores Familiares – Ecovale), o encontro, festejado no Ginásio de Esportes Luizão da Vila Santa Emília, reuniu agricultores familiares de toda a região. O bispo diocesano Dom Aloísio Dilli fez a abertura cotejando a partilha das sementes aos ensinamentos de Jesus. Dilli, para o qual os agricultores familiares são os “guardiões” das sementes crioulas, exortou a comunidade para que, em tempos de fome, no Brasil, pratiquem os valores da fraternidade e da solidariedade para a superação das adversidades. “É muito bonito, muito fraterno, o que estamos vendo aqui hoje (no Encontro de Sementes Crioulas), algo que se fundamenta na mensagem de fraternidade universal pregada pelo Papa Francisco”. Aloísio reafirmou, ainda, a luta e o altruísmo dos agricultores familiares, que se empenham para produzir suas próprias sementes – “Não só para si mesmos, mas também para os outros”, frisou.

Mulheres no comando

Presidenta do grupo O Eco da Vida, fundado em 1992, a agricultora Lori Weber diz que as sementes crioulas são a “célula” por meio da qual agricultura familiar poderá fornecer alimentos livres de transgenia e agrotóxicos. Inclusive, às populações de baixa renda. Ela conta que, na região de Venâncio Aires, o grupo consegue comercializar produtos orgânicos com o mesmos preços praticados pelos supermercados. E não é só uma questão de competição, discerne Lori, e, sim, de igualmente proporcionar aos mais pobres alimentos de melhor qualidade. “Desde que começamos a produzir orgânicos, em 1989, decidimos que não iríamos ter como público apenas pessoas de maior poder aquisitivo, para, dessa forma, obtermos maiores  lucros. Desse jeito, jamais conseguiríamos vender nossos produtos para o pessoal de baixa renda. Temos plena consciência de que nossa atividade é também socialmente importante”, preconiza.

Sem dúvidas, as mulheres têm liderado o movimento no sentido de pôr os alimentos orgânicos na mesa de um número cada vez maior de pessoas. “É preciso, literalmente, plantar o amor ao próximo. E, sobretudo, ter menos ganância, caso a gente queira que nossos irmãos alimentem-se saudavelmente – ensina Helena Weizenmann, agricultora que, há 25 anos, atua em Barra do Forqueta, localidade pertencente à Arroio do Meio, no Vale do Taquari. Helena é uma das mais ativas integrantes do Grupo de Produtores Ecologistas de Forqueta, vendendo, na feira que ocorre todos os sábados, em Arroio do Meio, vegetais e frutíferas livres de agrotóxicos, a preços populares.

Foto: Roque Hammes/Eco da Vida/Divulgação

Juliano Sá, presidente do Consea-RS: “O alastramento da fome no país, que afeta mais de 19 milhões de pessoas, é reflexo também do fim ou esvaziamento de programas voltados para estimular a agricultura familiar”.

Foto: Roque Hammes/Eco da Vida/Divulgação

Agricultura Familiar

O Encontro Diocesano de Sementes Crioulas também contou com a presença de Juliano Sá, presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (Consea-RS). Sá falou sobre o desmonte governamental de importantes programas voltados aos pequenos produtores, a exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). E lembrou que, a partir de 2020, o aumento da fome no Brasil foi impactado não só pela pandemia, mas pelo descaso do poder executivo. “O alastramento da fome no país, que afeta mais de 19 milhões de pessoas, é reflexo também do fim ou esvaziamento de programas voltados para estimular a agricultura familiar”. Ele saudou a aprovação do Projeto de Lei (PL) n° 115/2021, que trata do Crédito Emergencial para a Agricultura Familiar no Rio Grande do Sul, e segue em tramitação.