Agricultores questionam consulta pública sobre pulverização de agrotóxicos
Foto: MPRS/Divulgação
A Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) abriu consulta pública até o dia 7 de agosto para receber sugestões da população gaúcha antes de definir o mapeamento de proibição e de liberação de aplicação de agrotóxicos na Zona de Amortecimento do Parque Estadual Delta do Jacuí (PEDJ).
O procedimento foi questionado por agricultores e ambientalistas que acusam o órgão estadual de tentar impor o zoneamento independente da consulta às populações interessadas. A Sema, por meio da assessoria, reafirmou a legitimidade da consulta pública. “Não há regramento novo em análise quanto ao uso de agrotóxicos. Estamos apenas melhorando o mapeamento das áreas. A consulta pública foi estabelecida para recebermos contribuições da sociedade com informações técnicas que auxiliem na definição dos mapeamentos”, manifestou em nota.
Em um comunicado, as entidades – relacionadas no final desta matéria – afirmam que “à primeira vista”, a consulta “parece ser uma resposta para a sociedade, que vem exigindo a proteção desta importante área de preservação ambiental, contudo, não passa de uma estratégia da Sema para “legalizar” a pulverização aérea na região da Área de Proteção Ambiental (APA) do entorno do PEDJ”.
Danos à agricultura orgânica
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Alertam que é público e notório que, nos últimos anos, inúmeros agricultores do Rio Grande do Sul têm sofrido perdas gravíssimas decorrentes da contaminação por deriva de agrotóxicos em suas produções.
E que essas perdas têm se acentuado nos últimos anos, seja pela utilização sem limites de inúmeros biocidas, como pelo fato de “utilizarem um método extremamente perigoso e inseguro de aplicação, a chamada pulverização aérea”.
Os agricultores e ambientalistas destacam que essa forma de aplicação está sendo amplamente utilizada em fazendas de arroz localizadas às margens do Delta do Jacuí e em plena zona de amortecimento do PEDJ, contrariando as indicações técnicas e inclusive as licenças de operação emitidas pela Fepam.
Diante disso, os produtores agroecológicos da região metropolitana reivindicam a criação de um polígono de proteção dos assentamentos da reforma agrária localizados na região metropolitana que produzem alimentos certificados como orgânicos.
Eles ressaltam que a produção sem veneno desses territórios abastece dezenas de mercados e feiras de produtos orgânicos na Grande Porto Alegre e tornou-se referência nacional/internacional da produção agroecológica, mas está sofrendo perdas inestimáveis e pode perder a sua certificação. Em 2020 e 2021, a deriva de venenos destruiu a produção orgânica e provocou danos à saúde dos assentados em Nova Santa Rita. Em um dos episódios, uma aeronave fez vôos rasantes para pulverizar o veneno diretamente nos assentamentos. Os episódios foram parar no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, que proibiram a pulverização de venenos pelas lavouras de arroz da região.
A proposta dos produtores
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O coletivo lembra que em conjunto com a sociedade civil já apresentou à Sema uma proposta de polígono de proteção. A proposta, destacam, foi elaborada “pensando na necessidade de aprimoramento da proteção dos bens naturais, das fontes de captação de água que servem para o consumo de milhões de pessoas da capital e entorno, assim como garantir a continuidade da produção certificada de alimentos orgânicos”.
Os mapas comprovam que o entorno da Área de Proteção Ambiental (APA) e o Parque Estadual do Delta do Jacuí (PEDJ) estão rodeados de diversos territórios que devem ser protegidos da contaminação gerada pelos agrotóxicos, especialmente, pela prática da pulverização aérea.
O projeto apresentado pelas entidades alerta para a existência de um importante “cinturão verde” e inúmeros corredores ecológicos no entorno da capital gaúcha.
Nos mapas apresentados pelo movimento, estão demarcadas as áreas a serem protegidas que segundo as entidades são ignoradas pelo governo estadual no seu plano.
“A Sema não pode propor um mapa intentando ‘legalizar’ ilhas onde estaria autorizada esse tipo de pulverização, pois essa proposta choca diretamente com o dever de proteção previsto para as Unidades de Conservação”, destacam.
O projeto da Sema, apontam “ignora que esse importante polígono busca proteger uma região formada por assentamentos da reforma agrária com produção orgânica certificada (azul), territórios indígenas (verde) e quilombolas, agricultores agroecológicos (amarelo), fontes de captação de água potável e dezenas de cursos d’água, rios, lagos, açudes, etc.”. Esses espaços são fundamentais para a efetivação do direito humano à água e o direito à alimentação adequada de milhões de cidadãos metropolitanos, alerta o documento.
Medida protetiva
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De acordo com as entidades, a criação da medida protetiva foi recomendada pelo Ministério Público Estadual à Fepam, que apontou a necessidade de ao menos estabelecer um polígono (amarelo) de proteção da zona de amortecimento do PEDJ.
Para os agricultores e demais signatários do comunicado, a consulta pública aberta pela Fepam estaria tentando forçar a autorização para a pulverização de agrotóxicos dentro da zona de amortecimento.
“Esta proposta, segundo a consulta, refletiria o mapeamento das determinações constantes na IN no 2/2008, do Ministério da Agricultura Pecuária e Meio Ambiente (Mapa) e do Plano de Manejo do Parque Estadual Delta do Jacuí”, denunciam. “Ou seja, não cria um polígono de proteção e não proporciona quaisquer avanços para a necessária proteção do local”.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) afirma que, pela análise técnica dos mapas divulgados na consulta pública, é possível perceber que a proposta da Sema sequer atende às determinações do Mapa e do Plano de Manejo do Parque, deixando de fora áreas que já deveriam estar protegidas por força destas normas”.
Recursos hídricos
Foto: Coopan/ Divulgação
Além disso, o mapa da Sema não atende às necessidades de proteção da biota existente no PEDJ, das fontes de água e cursos hídricos e, principalmente, não protege a continuidade da agricultura agroecológica da nossa região, que deveria ser estimulada e protegida de atividades extremamente poluidoras, como a pulverização aérea de agrotóxicos. Além disso, a proposta ignora centros populacionais, comunidades indígenas e tradicionais que possuem proteção específica.
O movimento alerta que as pulverizações estão ocorrendo “de forma completamente ilegal”, pois afrontam as licenças de operação da Fepam, as melhores práticas e as recomendações científicas que apontam que na zona de amortecimento devem ocorrer apenas atividades sustentáveis, havendo restrições específicas, com propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade de conservação, nos termos do artigo 2º, inciso 17, da lei 9.985/2000.
Proteção aos assentamentos
As entidades ressaltam que o mapa não atende às restrições da Lei municipal 1.680, de 2021, de Nova Santa Rita, não segue as determinações judiciais, que exigem medidas urgentes de proteção dos assentamentos com produção orgânica, e torna praticamente impossível uma fiscalização efetiva, pois propõe legalizar ilhas onde estaria autorizada a pulverização de agrotóxicos por aviões dentro da APA e na zona de amortecimento do PEDJ.
“As entidades declaram que são contrárias à proposta apresentada pela Sema e exigem que não seja autorizada qualquer atividade de pulverização aérea de agrotóxicos na zona de amortecimento do PEDJ e que seja elaborada nova proposta na qual conste um polígono de proteção que estabeleça uma zona livre de pulverização aérea de agrotóxicos na região”, destaca o comunicado.
Entidades
O comunicado é assinado pelas seguintes entidades: Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Associação Amigos do Meio Ambiente (Ama-Guaíba), Instituto Preservar, Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), Núcleo Amigos da Terra (Brasil), Acesso Cidadania e Direitos Humanos, Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul (Coceargs), Cooperativa dos Trabalhadores Assentados na Região de Porto Alegre (Cootap), Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan), Cooperativa de Trabalhadores da Reforma Agrária Terra Livre, Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos (Coptec), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap).