Justiça Federal suspende licenciamento da usina termelétrica Nova Seival
Foto: Daniel Warmling/ Arquivo/ Divulgação
A 9ª Vara Federal de Porto Alegre julgou procedente a Ação Civil Pública ajuizada por entidades dos movimentos sociais e ambientais que questionam o licenciamento ambiental da Usina Termelétrica (UTE) Nova Seival, localizada nos municípios de Candiota e Hulha Negra, na região da Campanha.
A sentença determinou a suspensão do licenciamento ambiental da usina até que sejam sanadas as irregularidades do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (Eia/Rima) apontadas pelo Ibama e pelos diversos pareceres técnico-científicos apresentados no processo.
Os pareceres que apontam irregularidades no processo de licenciamento foram elaborados por universidades públicas do RS e por entidades da sociedade civil como o Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul, o Movimento Pela Soberania Popular na Mineração, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Amigos da Terra.
Os levantamentos também alertam sobre o consumo excessivo de água projetado pela planta da usina em uma região castigada pelas estiagens, ausência de representação popular nos debates públicos sobre o projeto e os impactos que a sua implantação representa para a saúde e a produção agrícola da região.
O negócio da mineração
A ação para evitar a construção da maior termelétrica de carvão mineral do estado foi ajuizada em maio de 2021 pelo Instituto Preservar, a Cooperativa Agroecológica Nacional Terra e Vida (Coonaterra/ Bionatur), Centro de Educação Popular e Pesquisa em Agroecologia (Ceppa), Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá).
As empresas responsáveis pela construção da usina termelétrica com previsão de gerar de 726 megawatts de energia, a partir do carvão da Mina Nova Seival são a Copelmi e a Energia de Campanha.
As empresas responsáveis pela construção da usina termelétrica com previsão de gerar de 726 megawatts de energia, a partir do carvão da Mina Nova Seival são a Copelmi e a Energia de Campanha.
A Copelmi é a mesma empresa envolvida no megaprojeto da Mina Guaíba, suspensa pela justiça por irregularidades na fase de licenciamento.
A Mina do Seival, que forneceria carvão mineral para a UTE Nova Seival, pertence à Seival Sul Mineração. Em 2017, a empresa assinou um financiamento de R$ 31,58 milhões com o BRDE para fazer frente ao investimento de R$ 86,32 milhões previstos para a implantação da unidade de extração e beneficiamento da Mina do Seival, em Candiota.
Consumo de água
Para viabilizar o processo termelétrico a UTE Nova Seival necessita consumir 1.595 metros cúbicos de água por hora para realizar suas atividades, ou seja, a termelétrica consumiria 38.280 metros cúbicos por dia, em uma região em que a escassez de água é um problema recorrente e que pode inviabilizar a continuidade da produção agrícola da região.
A média de consumo diário de água estimada no projeto da usina equivale ao abastecimento de um dia de um município de 230 mil habitantes, oito vezes o consumo diário de Candiota ou o dobro do necessário para abastecer a população de cidades como Bagé – 122 mil habitantes.
Sem participação popular
A justiça federal também anulou a audiência pública virtual realizada no dia 20 de maio de 2021 por falta de participação popular no debate e determinou a realização de ao menos três novas audiências na modalidade presencial ou híbrida, em Porto Alegre, Hulha Negra ou Candiota e Bagé.
O agendamento das novas audiências depende de análise técnica e merital do Ibama sobre o Eia/Rima, o Estudo de Análise de Risco e as conclusões técnicas apresentadas pelos autores.
Análise de riscos à saúde
A decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região ainda determinou que sejam incluídos nos Termos de Referência que tratam dos processos de licenciamento de Usinas Termelétricas no Rio Grande do Sul das diretrizes legais previstas na Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), Lei n. 12.187/09 e das diretrizes da Lei Estadual 13.594/10, que criou a Política Gaúcha sobre Mudanças Climáticas (PGMC), sobretudo quanto à necessidade de realização de Avaliação Ambiental Estratégica, nos termos do artigo 9 da Lei Estadual, e a necessidade de inclusão de análise de riscos à saúde humana.
“Esta exigência torna a decisão da 9ª Vara Federal de Porto Alegre um importante marco na litigância climática no país, consolidando a necessidade de incorporação, nos Termos de Referência do Ibama para licenciamentos de termelétricas, do componente climático, da avaliação ambiental estratégica e dos riscos desta atividade à saúde humana”, afirma a advogada popular Alice Hertzog Resadori, que assessora as entidades autoras da ação.
O Eia/Rima não se encontrava apto à disponibilização para consulta e manifestação da sociedade em audiência pública, uma vez que “diversos impactos e informações ambientais haviam sido omitidos, como demonstrado pela análise do processo de licenciamento ambiental e corroborado por pareceres técnico-científicos juntados pelos autores, evidenciando a violação do direito à participação da sociedade e de normas básicas que regem o licenciamento ambiental”, destaca o advogado Marcelo Mosmann.
Assentados
A decisão representa ainda a proteção de centenas de famílias assentadas da reforma agrária na região de Candiota e Hulha Negra, além do Centro de Educação Popular e Pesquisa em Agroecologia (Ceppa) e a Cooperativa Bionatur, principal referência em pioneirismo na produção de sementes agroecológicas no Brasil.
Essa população seria diretamente afetada pela barragem que seria construída para viabilizar o empreendimento da Copelmi e sequer eram mencionados nos estudos apresentados pelas empresas, destacam os advogados.
Para Maldonado, a sentença proferida pela justiça federal “consagra uma importante vitória da sociedade civil organizada pelo Comitê de Combate à Megamineração (CCM/RS)”. O advogado lembra que a decisão obriga a realização de análise do componente climático para efetivamente proteger a natureza, os agricultores e os territórios que produzem sementes agroecológicas naquela região e “reconhece que a tentativa de aprovação do licenciamento ambiental estava sendo feita de maneira irregular”.