Dinheiro na cueca, ouro no cofre e aviões no garimpo
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e diversas organizações indígenas reivindicam a saída dos senadores de Roraima Chico Rodrigues (PSB), Hiran Gonçalves (PP) e Mecias de Jesus (Republicanos) da Comissão Externa Temporária do Senado para acompanhamento da grave situação na Terra Indígena (TI) Yanomami. Para o Cimi e demais entidades, a presença deles, além de “imoral”, “deslegitima e desvirtua” a missão da Comissão, que é proteger os Yanomamis do avanço do garimpo ilegal. Os três parlamentares são notórios defensores da atividade e têm se posicionado contra os Yanomamis no Congresso.
Segundo as entidades, o trio além de formar maioria na Comissão, tem envolvimento explícito na defesa do garimpo no território Yanomami, atividade considerada criminosa e cujas consequências e impactos ficaram evidentes para toda a sociedade brasileira.
“Mais do que falar do eventual conflito de interesses, resulta em evidências de que há intenção espúria por parte destes parlamentares de utilizar um mecanismo de controle e acompanhamento do Poder Legislativo para, com ele, defender a manutenção do garimpo como solução”, justifica o Cimi em nota.
O Senado Federal criou a Comissão em 15 de fevereiro, que conta ainda com Eliziane Gama (PSD/MA), vice-presidenta, e Humberto Costa (PT/PE) como relator.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) se une às manifestações das organizações indígenas e repudia a presença destes parlamentares na Comissão Externa, considerando-o um escárnio e um desrespeito aos povos indígenas, pelo que solicitamos que sejam adotadas as medidas necessárias para a recomposição da Comissão ou, inclusive, para reconduzir ou reconsiderar a própria iniciativa para evitar que um mecanismo importante seja instrumentalizado a serviço de interesses contrários à sua própria missão, o que contribuiria ao descrédito sobre estas diligências.
A nota diz ainda que “o Cimi se une às manifestações das organizações indígenas e repudia a presença destes parlamentares na Comissão Externa, considerando-o um escárnio e um desrespeito aos povos indígenas”.
Presidente da Comissão é contestado
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
O Senador Chico Rodrigues (PSB/RR), presidente da Comissão, já foi acusado de ser dono de aeronaves que atuavam a serviço do garimpo na TI Yanomami. Ele mesmo gravou um vídeo de si mesmo em um garimpo dentro da TI Raposa Serra do Sol e o fez circular em redes sociais, configurando ato em flagrante de conluio com invasão e exploração ilegal de ouro dentro de terras indígenas.
Em outubro de 2020, Chico Rodrigues foi alvo da Operação Desvid-19, da Polícia Federal (PF), que investiga supostos desvios de aproximadamente R$ 20 milhões em recursos públicos provenientes de emendas parlamentares que seriam destinados à Secretaria de Saúde de Roraima para o combate à pandemia de covid-19. Rodrigues foi um dos alvos da ação. Durante as buscas e apreensões em Boa Vista, os agentes encontraram dinheiro vivo em posse do parlamentar.
O caso ganhou repercussão nacional quando foi surpreendido durante operação policial na casa dele, com um valor de R$ 33.000,00 que tentava esconder dentro de sua cueca. Na mesma operação da Polícia Federal, foi apreendida uma pedra, supostamente caracterizada como pepita de ouro, encontrada no cofre do quarto do senador. Na época, Chico Rodrigues era vice-líder do governo Bolsonaro no Senado.
Para o Cimi, o perfil do parlamentar o torna incompatível com a dignidade que deve acompanhar o cargo de Senador da República. Particularmente, com relação à sua posição sobre o garimpo e sobre os povos indígenas, está absolutamente deslegitimado para compor e, muito menos, presidir uma Comissão Externa cujo objetivo é acompanhar a situação do povo Yanomami.
Em certa ocasião, o presidente da Comissão, declarou publicamente que o povo Yanomami é a “última etnia do planeta no século 21 que ainda é primitiva, totalmente primitiva”, demostrando absoluto desconhecimento, preconceito, racismo e discriminação. Dias depois, Chico Rodrigues foi surpreendido sobrevoando a região e pousando na região de Surucucu antes do início das atividades da Comissão, o que já provocou uma atuação do Ministério Público Federal.
Para Hiran Gonçalves, Yanomamis são empecilho ao desenvolvimento
Foto: Gab Hiran Gonçalves/Senado/Divulgação
O Senador Hiran Gonçalves (PP/RR), relator da nova Comissão, já mostrou em diversos momentos sua hostilidade e inimizade com os povos indígenas de Roraima. Defensor do PL 490/2007, que pretende alterar de forma inconstitucional os procedimentos de demarcação de terras indígenas, Hiran Gonçalves manifestou durante sessão da Comissão de Constituição e Justiça – CCJ, em junho de 2021, que os povos indígenas eram “empecilho para o desenvolvimento do estado de Roraima”.
“A ausência de moralidade deste parlamentar já o torna incompatível com a dignidade que deve acompanhar o cargo de Senador da República”, defende o Cimi.
Quando ainda era pré-candidato ao cargo de senador por Roraima nas eleições 2022, o deputado federal Hiran Gonçalves (PP) gastou o total de R$ 335,4 mil da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar, o “Cotão”, em publicidade, combustível e passagens em apenas 14 meses. Segundo o Portal da Transparência da Câmara, o maior gasto do parlamentar no período foi com divulgação: R$ 210,5 mil.
Mecias defende legalização do garimpo
Foto: AssCom Mecias de Jesus/Divulgação
As entidades também denunciam que o senador Mecias de Jesus (Republicanos/RR), pai do deputado federal Johnatan de Jesus, é “ferrenho defensor da regularização do garimpo dentro das terras indígenas”, como manifestou durante Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal em abril de 2022. O parlamentar chegou a ter seu nome indicado pelo Republicanos para ocupar o ministério da Educação, durante o governo de Jair Bolsonaro.
Ele é autor do Projeto de Lei 1331/2022, que dispõe sobre a pesquisa e a lavra de recursos minerais em terras indígenas homologadas ou em processo de demarcação, Mecias de Jesus já declarou ser contrário também à destruição das máquinas autuadas em serviço ilícito no garimpo. Ele foi também relacionado com a indicação política de vários dos últimos coordenadores do Distrito de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana, com os resultados já conhecidos de absoluto desmantelamento e gestão escura da política de atendimento à saúde destes povos, causando a morte de crianças, mulheres, idosos e adultos Yanomami, por doenças consideradas tratáveis.
Violações de direitos humanos dos indígenas
A Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal já aprovou e constituiu uma Diligência Externa em maio de 2022 para acompanhamento da situação na TI Yanomami após denúncias de graves violências contra os povos Yanomami e Ye’kuana. Apesar da interferência do Senador Chico Rodrigues, que acompanhou a Diligência in loco e afirmou, cinicamente, que não encontrava nenhuma violação dos direitos humanos dos povos Yanomami e Ye’kuana, a Comissão concluiu seus trabalhos com um Relatório contundente em que declarava:
“Durante os trabalhos da COMISSÃO EXTERNA PARA ACOMPANHAR A SITUAÇÃO DO POVO YANOMAMI DA REGIÃO WAIKÁS – CEXWAIKA, foi possível constatar a verdadeira tragédia humanitária a ocorrer no território Yanomami, tragédia essa, fruto da invasão para a prática do garimpo ilegal. Não há dúvidas de que a atividade garimpeira é incompatível com os territórios tradicionais, na medida em que destrói tudo aquilo que os indígenas precisam para sobreviver, gerando intensa desestruturação social”.
A nota do Cimi diz ainda:
“Consideramos, em definitivo, que a manutenção da recente Comissão Externa Temporária, com a atual composição, mancha a imagem do Senado e do Congresso Nacional e os coloca na contramão do necessário esforço coletivo de todas as instituições democráticas para atender a gravíssima situação na TI Yanomami e recuperar políticas públicas fundamentais destruídas durante o governo anterior. Continuamos acompanhando as medidas emergenciais adotadas pelo Governo Federal na TI Yanomami e aguardamos sua efetividade na desintrusão do garimpo, o monitoramento e impedimento dos deslocamentos de grupos de garimpeiros em direção a outros territórios indígenas e a apuração dos crimes cometidos contra os povos Yanomami e Ye’kuana. Esperamos igualmente que os inquéritos abertos consigam chegar aos agentes públicos e privados envolvidos no financiamento do garimpo e na lavagem do material extraído. Reforçamos, entretanto, que a apuração dos crimes contra os povos Yanomami e Ye’kuana na TI Yanomami deverá conduzir à responsabilização de todas as autoridades que, no exercício de suas funções públicas de governo, omitiram-se ou favoreceram intencionalmente a manutenção do garimpo e do abandono no atendimento à saúde, evidenciado durante os últimos cinco anos, vetores que se aliaram para gerar condições de genocídio, comprometendo a sobrevivência física e cultural destes povos”.