AMBIENTE

Ministério Público de Contas pede auditoria urgente do TCE em obras do Parque Harmonia

Documentação encaminhada ao Tribunal de Contas do Estado pelo procurador-geral de contas comprova danos socioambientais e adulteração do projeto original
Por Gilson Camargo / Publicado em 28 de julho de 2023

Foto: Instituto Ingá/ Divulgação

MP de Contas, órgãos de controle externo dos governos estadual e municipais, pediu auditoria em caráter de emergência ao Tribunal de Contas para apurar denúncias

Foto: Instituto Ingá/ Divulgação

As obras de transformação do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho (Parque Harmonia) em Parque da Orla, por meio de uma concessão pública da prefeitura de Porto Alegre à empresa Gam3 Parks pelo prazo de 35 anos deverão ser vistoriadas pelo Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul (TCE-RS).

Após denúncias de danos ambientais formuladas por parlamentares e ambientalistas, o Ministério Público de Contas do Estado (MPC-RS) enviou representação ao TCE-RS solicitando uma auditoria em caráter de urgência em relação às obras.

O MP de Contas (MPC-RS) é o órgão que fiscalização da aplicação dos recursos públicos pelos governos estadual e municipais.

O procurador-geral do MPC-RS, Geraldo Da Camino, considera que, caso a auditoria confirme os indícios de irregularidades, o empreendimento seja suspenso ou limitado.

Segundo ele, a documentação encaminhada ao MPC-RS aponta “indícios de irregularidades na execução do Contrato de Concessão do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho (Parque Harmonia)”.

Os questionamentos têm origens diversas, desde vereadores, entidades civis e particulares, denotando o impacto social que tem suscitado o debate em torno do tema.

Um ofício do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá) apontando supostos danos ambientais decorrentes das obras em execução no complexo do Parque também foi anexado ao requerimento.

A entidade aponta que a “expressiva remoção de área verde e a larga supressão vegetal que se verificam no local  comprometem a adequação do espaço, favorecendo a ocorrência de danos  à fauna e flora, para além de ocasionarem a descaracterização do Parque”.

MP de Contas: projeto foi alterado

Da Camino destaca que, em audiência realizada na Câmara de Vereadores no dia 13, a arquiteta e autora do Estudo de Viabilidade Urbana originalmente apresentado, contratada pela Concessionária Gam3, relatou que o seu projeto fora alterado, e que o que está, atualmente, em implantação, “trata-se de projeto paralelamente contratado e que não fora publicado pela Contratada, contemplando sensíveis alterações do escopo inicial”.

Ele pondera que “tais aspectos, em tese, comprometeriam a legitimidade da intervenção que atualmente vem sendo realizada no Parque”.

Também foram encaminhadas ao TCE-RS informações do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAURS) questionando o Registro de Responsabilidade Técnica dos profissionais que elaboraram projetos relacionados ao empreendimento, bem como o Registro de Direito Autoral correspondente.

“Em análise, entende-se que a matéria encerra criticidade e materialidade suficientes à atuação deste Tribunal de Contas. A partir dos elementos disponíveis, ainda que não permitam aferir com segurança a extensão das supostas irregularidades na execução do Contrato de Concessão, o relato de que o projeto original fora alterado e que destoa das diretrizes iniciais fixadas pelo Poder Público municipal, parece corroborar, em certa medida, as alegações e indicativos de que estaria havendo a desfiguração da área como parque”, argumenta o procurador do MPC-RS.

Da Camino ressalta que as denúncias justificam uma fiscalização “sobretudo ante a possibilidade de se perpetrarem danos irreparáveis em local público de reconhecida e singular importância ao patrimônio ambiental e cultural de Porto Alegre”.

Roda-gigante e museu de dinossauros

Foto: Gam3 Parks/ Divulgação

Empresa privada que venceu a licitação detém a concessão para explorar o parque por 35 anos

Foto: Gam3 Parks/ Divulgação

Localizado entre a Ponta da Cadeia e a margem direita do Arroio Dilúvio, o parque foi inicialmente chamado de Porto dos Casais e já mudou de nome duas vezes. Em 1981, foi rebatizado pela Lei 5.066/81 como Parque da Harmonia e em 25 de março de 1987, pela Lei Municipal 5.885, passou a se chamar Parque Maurício Sirotsky Sobrinho.

Pela licitação, o espaço passa a ser administrado pela empresa por um prazo de 35 anos. Em um projeto futurista e repleto de recursos tecnológicos apresentado em julho do ano passado na Casa do Gaúcho, a concessionária responsável pelo trecho 1 da orla divulgou a “nova cara” que pretendia dar ao parque nos quatro anos seguintes.

Com investimento de R$ 281,1 milhões, a concessionária espera receber 5 milhões de pessoas por ano, sem cobrar por ingressos, nos espaços que serão criados no empreendimento.

Uma roda-gigante de 66 metros de altura, espaços temáticos e culturais, mirante e um museu de dinossauros são algumas das atrações que deverão ser implantadas nos 25 hectares do novo parque após a reforma.

A própria Casa do Gaúcho seria transformado em centro de eventos para receber até 3,5 mil pessoas e estaria pronto em setembro de 2023 para sediar os festejos alusivos à Revolução Farroupilha.

Transformado em uma espécie de portal para a “tão esperada” roda-gigante, o local, de acordo com a licitação, também abrigaria as vilas alemã e italiana, “dedicada aos imigrantes que ajudaram a colonizar o estado”.

Não há referência no projeto a espaços para indígenas ou quilombolas.

No início de julho, diante de denúncias de danos ambientais encaminhadas por vereadores e entidades de defesa do meio ambiente, o Ministério Público fez uma vistoria nas obras. Com documentos e fotos, as denúncias apontavam que os espaços públicos tinham sido descaracterizados com remoções e mutilações de árvores e espaços de gramados.

Após uma caminhada pelo local acompanhada de representante da concessionária, no entanto, a promotora de meio ambiente de Porto Alegre, Annelise Steigleder, se declarou “apaziguada” e “tranquila” com as explicações e descartou um pedido de suspensão das obras pelo poder judiciário.

Das 1.253 árvores nativas e exóticas existentes no local, 103 já haviam sido cortadas. Pela autorização especial de extração emitida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) em dezembro do ano passado, a concessionária pode derrubar um total de 432 árvores.

A lógica: transformar áreas verdes em negócios

Foto: Arquivo Pessoal/ Reprodução

“A transformação dos espaços públicos com áreas verdes em locais para atividades de negócios é um contrassenso total, um retrocesso violento”, diz Brack

Foto: Arquivo Pessoal/ Reprodução

O professor do Departamento de Botânica da Ufrgs e representante do Ingá no Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema/RS), Paulo Brack, ressalta que as obras do Parque Harmonia implicam na derrubada de um terço das árvores do parque e que mais de cem já foram cortadas.

“Fomos na área do Parque Harmonia no dia 30 de junho e verificamos que realmente há uma devastação. Por meio de fotografias, verificamos que pelo menos 70% da área verde do parque foi decapada, dizimada. Chama a atenção que um parque que deveria ter como intuito principal manter a paisagem e ser um espaço de convívio com a natureza e de preservação da fauna e da flora seja concedida para empresas para obter lucro”, avalia.

Brack lembra que 85 espécies de aves já foram registradas em 2005, num trabalho publicado que considerou o Harmonia, entre sete parques exclusivos de Porto Alegre, o que apresentava maior número de espécie de aves junto com o Mascarenha de Moraes, no bairro Humaitá.

“Além disso, aquela área do Harmonia tem atributos de flora e fauna bem importantes. No caso da vegetação, a maior parte das espécies são nativas”, aponta.

O botânico alerta que outros espaços públicos de Porto Alegre estão sendo entregues à iniciativa privada. “Esse modelo de ocupação das áreas verdes também está sendo implantado no Parque Marinha do Brasil e já houve a tentativa com relação ao Parque Farroupilha, a Redenção. Isso se insere numa nova lógica que está sendo implementada na cidade, de transformação dos espaços públicos com áreas verdes em locais para atividades de negócios, o que é um contrassenso total, um retrocesso violento”, analisa.

Brack acrescenta que, além de favorecer grandes empresas, a prefeitura se desincumbe de manter essas áreas públicas mais voltadas para o lazer da população.

A assessoria do secretário de Meio Ambiente e Sustetabilidade de Porto Alegre, Germano Bremm, não retornou ao pedido de informações.

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