AMBIENTE

Os protetores do meio ambiente são os mais desprotegidos na catástrofe

Vinte entidades indigenistas e governamentais cobram dos governos mais assistência às aldeias indígenas gaúchas afetadas pelas cheias
Por César Fraga / Publicado em 15 de maio de 2024
Os protetores do meio ambiente são os mais desprotegidos na catástrofe

Foto: Roberto Liebgott/Cimi Regional Sul

Comunidade Guarani Mbya da Ponta do Arado, em Porto Alegre, foi uma das mais atingidas pela catástrofe climática

Foto: Roberto Liebgott/Cimi Regional Sul

Se em tempos de vacas gordas as comunidades indígenas já sofrem com vários graus de precariedade e falta de assistência por parte dos poderes públicos, em meio a uma catástrofe as coisas tendem a piorar. E pioraram!

Nesta quarta-feira, 16, pelo menos 20 entidades – entre Organizações da Sociedade Civil (OSCs) indigenistas e governamentais – que atuam junto às aldeias gaúchas enviarão uma carta conjunta ao Governo Federal para que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) assuma de forma efetiva sua responsabilidade com a assistência social das comunidades indígenas no Rio Grande do Sul em meio à crise humanitária e ambiental. Falta pessoal, transporte e assistência de todo tipo às aldeias. O documento também cobra posição dos governos estadual e municipais.

Os que mais protegem o ambiente são os mais desprotegidos na catástrofe, os indígenas

Foto: Reprodução Iecam/Divulgação

Foto: Reprodução Iecam/Divulgação

No que tange especificamente a donativos, segundo as entidades, muitas doações estão chegando ao estado, mas não diretamente para as comunidades indígenas.

Em meio à tragédia ambiental que assola o estado, mais de 80 comunidades e territórios indígenas de diversas regiões do Rio Grande do Sul (RS) estão necessitando da solidariedade e da atenção do poder público e da sociedade civil. Afinal, as enchentes já atingiram 450 dos 497 municípios gaúchos. Ou seja, 90,5% do estado.

Há povos Guarani Mbya, Kaingang, Xoklerng e Charrua que estão localizados em pelo menos 49 dos municípios diretamente impactados pelas enchentes e que necessitam, sobretudo, de alimentos não perecíveis ou doação em dinheiro para a compra de cestas básicas.

De acordo com Eloir Oliveira, presidente do Conselho de Articulação do Povo Guarani do Rio Grande do Sul, só na Região Metropolitana de Porto Alegre pelo menos 6 aldeias foram atingidas diretamente.

“Onde teve alagamento, as famílias tiveram que sair de suas aldeias e ir para abrigos. São diversas situações. Por exemplo, a aldeia Pekututy, em Eldorado do Sul, o pessoal foi retirado do local e o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (Dnit) foi lá para consertar o asfalto e destruiu a aldeia, a escolinha e tudo que ainda restava. Demoliram tudo e levaram para um depósito da Prefeitura. As famílias ainda estão abrigadas em uma escola fora da Aldeia e não têm como voltar”, contextualiza o líder Guarani.

Outra aldeia muito atingida foi a Pindo Poty, no extremo sul de Porto Alegre, no Lami. Ela foi alagada já na primeira noite de chuva. Quando as famílias retornaram depois de quatro dias, haviam perdido tudo: colchões, cobertores, alimentos e ainda tiveram as casas invadidas.

A terras indígenas Passo Grande e Kaaguiy Porã, em Barra do Ribeiro, também sofreram alagamentos e muitas perdas. Ainda se encontram abrigados fora do local. O mesmo ocorreu na terra indígena Capivari, em Palmares.

Eloir informa que as aldeias citadas e as demais, precisam de material para reconstruir as casas, colchões, alimentos e cobertores. “Além das atingidas diretamente, precisamos lembrar que as demais foram atingidas indiretamente”, justifica.

A equipe do Projeto Ar, Água e Terra, coordenado pela Ong Instituto de Estudos Culturais e Ambientais (Iecam), é uma das 10 entidades que estão mobilizadas para auxiliar nas entregas diárias de recursos. De acordo com a presidente da Ong, Denise Wolf, apenas quatro caminhonetes disponíveis estão tendo de dar conta da entrega diária de centenas de donativos arrecadados às famílias indígenas afetadas pelas cheias no RS.

A Ong faz um apelo à população não atingida aos governantes para que prestem atenção também a esta situação vivenciada por esse grupo de minorias.

“Nós fazemos parte de uma articulação com cerca de 10 organizações não governamentais como o Iecam e representantes governamentais para fazer chegar doações às comunidades”, explica Denise.

Ontem mesmo (14/5), a caminhonete do Iecam, foi carregada de cobertores e colchões para a aldeia Guarani de Caraá e depois buscou cestas básicas no mercado de Maquiné para realizar a entrega em uma aldeia de Barra do Ouro, que é mais isolada.

No mesmo dia, foi realizada uma entrega em Eldorado do Sul de cobertores, toalhas, vestidos, calças, casacos, camisas, camisetas, moletons e dois pares de calçado para cada indígena, coletados no centro de distribuição de Guaíba, mais erva-mate, fumo e palha enviados pelo Ieacam.

Embora o Projeto, que conta com o patrocínio da Petrobras, através do Programa Petrobras Socioambiental, esteja focado no trabalho direcionado a dez aldeias Guarani Mbya do RS, neste momento, a atuação está ampliada a todas as etnias e aldeias atingidas no estado.

“Os indígenas aqui no Rio Grande do Sul e acredito que no país inteiro deveriam ser os primeiros a ser lembrados, porque essas catástrofes quando ocorrem em áreas que os indígenas ocupam, ocorrem justamente nas áreas mais preservadas. Então além das unidades de conservação no país as terras indígenas são as áreas mais preservadas. Justamente os mais empenhados em preservar o meio ambiente para que esses fenômenos não ocorram, são os últimos a serem lembrados quando os desastres ambientais acontecem”, protesta a presidente.

De acordo com Denise, a maior dificuldade se dá por ainda não existir uma logística transporte organizada pelo poder público (Funai e pelo Ministério dos povos indígenas com as secretarias estaduais e municipais).

MAPEAMENTO – O mapeamento das áreas atingidas é realizado de forma conjunta pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul, Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Fundação Luterana de Diaconia, Conselho de Missão entre Povos Indígenas e Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (FLD/Comin/Capa), além do Conselho Estadual dos Povos Indígenas do Rio Grande do Sul (Cepi/RS).

De acordo com o Cimi, as comunidades dos povos Guarani Mbya, Kaingang, Xokleng e Charrua, espalhadas em 49 municípios gaúchos, são as mais impactadas da região. Dentre as comunidades que se encontram em estado de emergência mais grave, todas elas do povo Guarani Mbya, estão Lami e da Ponta do Arado, situadas no município de Porto Alegre, com 18 famílias atingidas; Yva’ã Porã, em Canela, com 16 famílias afetadas; Flor do Campo e Passo Grande Ponte, em Barra do Ribeiro, com 25 famílias impactadas, e as 19 famílias da aldeia Araçaty localizadas no município de Capivari do Sul.

Nessas comunidades, as famílias precisaram deixar suas casas para se deslocar para áreas mais elevadas, dado o risco de alagamento e deslizamento de terra. Na aldeia Pekuruty, localizada às margens da BR-290, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) destruiu as casas e edificações da comunidade, sem qualquer consulta ou justificativa.

Roberto Liegbott missionário do Cimi Regional Sul reforça a denúncia de Eloir, “essa comunidade foi removida para que o DNIT pudesse consertar uma tubulação que passa ali e eles acabaram destruindo toda a comunidade indígena. Eles arrancaram as casas dos indígenas sem que os Guarani sequer soubessem ou tivessem sido comunicados. Os indígenas no momento encontram-se em um abrigo, mas quando retornarem, a comunidade já não existirá mais, porque o DNIT destruiu tudo”, informou o missionário.

A inundação persiste na região metropolitana de Porto Alegre. A situação ainda é preocupante nos municípios de Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Guaíba, Eldorado do Sul e Cachoeirinha, além dos bairros de Porto Alegre, especialmente nas zonas Norte e Sul.

DOAÇÕES – O ponto de recebimento de donativos para indígenas no RS está localizado em Porto Alegre, na Paróquia Menino Jesus de Praga, Rua Dr. Pitrez, 61 – Bairro Aberta dos Morros. De lá, estão sendo enviados os alimentos às aldeias em uma camionete do Iecam, uma da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado do RS (Sema), uma do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), e uma do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama). Para aqueles que preferem realizar a doação em dinheiro, o PIX do Cimi pelos dados abaixo.

O PIX do  Conselho de Articulação do Povo Guarani-RS (CAPG) para doações é: 24.614.826/0001-09 (CNPJ)

A conta corrente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) é: Banco do Brasil – Agência: 0321-2 – CC: 128891-1 – Cimi Regional Sul

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