Em conselho de reconstrução, governo do RS coloca até turma da Mônica, menos ambientalistas
Foto: Maurício Tonetto/Secom
Apesar de ser o berço do ambientalismo moderno nacional, o estado do Rio Grande do Sul não abriu espaço para entidades e especialistas que discutem a questão ecológica em conselho criado pelo governo Eduardo Leite (PSDB) para propor soluções à crise desencadeada pelo maior desastre ambiental já vivenciado pelos gaúchos.
Em uma lista de 179 nomes que busca contemplar entidades representativas da sociedade, ex-governadores, prefeituras e atingidos, a tônica do conselho do chamado Plano Rio Grande é o setor empresarial.
Se de lado entre representantes da sociedade há a presença do Movimento Sem Terra (MST), de outro, entre 26 “convidados” que encerram a lista divulgada pelo governo, há pelo menos 24 empresários, CEOs e fundadores de empresas. Entre eles, “Manu (Turma da Mônica), informa documento divulgado, ao se referir a empreendedora Manoela da Costa Moschem, CEO do parque que leva o nome da personagem de Maurício de Souza em Gramado.
“Seria inacreditável se não fosse bastante compreensível que o governador que mais destruiu a legislação ambiental na história do Rio Grande do Sul tenha feito um conselho dirigido a, vamos dizer, ser ouvido sobre a crise ambiental do estado sem entidades ambientalistas, sendo que é o estado onde surgiu o movimento”, avalia Francisco Milanez, ex-presidente e atual diretor técnico e científico da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).
A entidade que é pioneira das discussões ambientais no país e nas Américas foi criada em 1971 antes mesmo de organizações como o Greenpeace, lembra Milanez, ao destacar que é importante diferenciar ambientalismo de conservacionismo.
Para ele, além de “medo de ouvir as coisas”, o governador Leite deixa claro que a sua meta é “não mudar nada”.
Repetição de modelo
O ambientalista se refere especificamente à presença entre os 179 nomes do conselho empossado em 13 de junho de apenas quatro organizações que têm relação “lateral” com a temática ambiental e, mesmo, assim, francamente apoiadoras da flexibilização do código ambiental gaúcho promovido por Leite.
Entre essas entidades, o Conselho Estadual do Ambiente (Consema), que, denuncia Milanez, conta em sua maioria com integrantes do próprio governo e entidades empresariais.
A indignação é compartilhada por outros especialistas que veem na atitude de Leite a repetição de um modelo que acabou potencializando as vulnerabilidades do Rio Grande do Sul frente aos recentes eventos climáticos extremos e as enchentes que devastaram o estado.
Biociências da Ufrgs se manifesta
Responsável por recente nota técnica emitida para comparar as mudanças na legislação ambiental promovidas pelo governo estadual, o grupo Sustentabilidade do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) divulgou nesta segunda-feira, 24, uma Nota Técnica na qual registra sua apreensão com os rumos políticos que o governo Leite está dando para tentar mitigar os efeitos da catástrofe climática.
O documento aponta evidente descompasso entre discurso e prática frente à composição do conselho do Plano Rio Grande.
De forma direta, os acadêmicos destacam em seu manifesto que o que está se vendo é “apenas retórica”, com uma “lacuna significativa de representantes da área ambiental em todos os níveis, incluindo ONGs, cientistas e até mesmo o Conselho Profissional que regulamenta a atividade dos Biólogos, profissionais que justamente analisam questões ambientais”, afirmam em um trecho do documento.
Desprezo à ciência
Em outra parte, o núcleo de sustentabilidade da Ufrgs ainda lembra que o governo está se deixando de lado pessoas e organizações que poderiam contribuir com soluções baseadas em evidências científicas e que é importante se questionar quais, de fato, são os interesses priorizados.
Em um chamamento para uma mudança de postura, o documento frisa ser imprescindível que o conselho do Plano Rio Grande “inclua vozes que compreendam profundamente os desafios e as soluções baseadas na natureza, as únicas capazes de criar resiliência social e ambiental diante de um cenário de mudanças climáticas globais causadas, fundamentalmente, pelas atividades humanas”.