Especuladores e agronegócio atuam para flexibilizar leis e criam riscos ambientais
Foto: Igor Sperotto
Ignorando o aquecimento global, interesses econômicos urbanos e rurais forçam a flexibilização de leis ambientais que acentuam vulnerabilidades no campo e na cidade. Em paralelo, a falta de responsabilização de políticos por crimes ou desastres ecológicos contribuem para uma realidade de leniência que produz catástrofes como a vivenciada pelos gaúchos no último mês de maio.
Esta é a síntese do que os painelistas Danielle Paula Martins e Francisco Milanez apresentaram na mais recente edição do Sinpro/RS Debate. O evento foi realizado no sábado, 15, na sede estadual e no canal do Youtube do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS).
Milanez, ex-presidente e atual diretor científico e técnico da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) foi direto ao ponto das causas da catástrofes ambientais ao se referir ao meio urbano: “No mundo inteiro, as cidades têm um inimigo. Chama-se especulação imobiliária”.
Segundo o ambientalista, a forte pressão de setores da construção civil, responsáveis em parte por financiamentos de campanhas eleitorais, é determinante por mudanças nas legislações ambientais ou atuações fracas para coibir o crescimento urbano descontrolado e a ocupação de áreas ambientalmente frágeis.
Para Danielle, professora da Feeevale, líder do Laboratório de Vulnerabilidades, Riscos e Sociedade (LaVuRS) da universidade, e colaboradora do Núcleo de Estudos e Educação Ambiental da Ufrgs, desastres ecológicos não são simplesmente “atos da natureza ou vontade divina”.
São, explica, eventos que se intensificam devido a influências humanas e políticas ao longo da história.
Avanços sem respeito
Foto: Igor Sperotto
Ao usar o termo “desastre socioambiental”, Danielle destaca que, embora possa ser desencadeado por fenômenos naturais, ele reflete uma sociedade impulsionada pelo avanço tecnológico e econômico que cria cenários de risco.
E elenca situações que vão de secas, ondas de calor e chuvas intensas, aos casos de Mariana, Brumadinho, até a pandemia de covid-19.
Antes mesmo das enchentes de setembro e outubro do ano passado e a que devastou o Rio Grande do Sul no último mês de maio, a professora lembra que o estado já teve outros grandes incidentes.
Como exemplo, ela cita a mortandade de peixes na Bacia dos Sinos, em 2006. “A gente foi construindo um cenário que nos põe em risco, até pela exposição a compostos tóxicos, como o próprio agrotóxico”.
Tudo, a partir de um avanço tecnológico, industrial, “que não respeitou alguns limites da natureza, e não nos respeitou, inclusive”, completa Danielle.
Assim, além de casos hidrometeorológicos, a professora da Feevale acentua a exposição da população aos riscos biológicos. “Tivemos a pandemia por vários motivos, inclusive, o desequilíbrio ambiental”, aponta.
Raposa no galinheiro
Se de um lado Milanez registra a pressão da especulação imobiliária, de forma mais ampla ele explana que é o agronegócio que “está controlando a balança de pagamento” e exerce poder sobre prefeitos e governadores.
Biólogo e especialista em análise de impactos ambientais, Milanez critica o governador Eduardo Leite (PSDB) por promover em pouco mais de 70 dias a flexibilização do Código Ambiental do Rio Grande do Sul e lembra que esse regramento foi produzido por debates e negociações que se estenderam por uma década no estado.
O ambientalista entende que, se o governo do estado que já teria poder para coibir pressões contrárias ao interesse público, acaba cedendo, é importante que a União assuma o papel de protagonismo.
Em especial porque entende que nenhuma legislação regional pode ser mais permissiva do que o regramento federal.
“O estado pode proteger mais o cidadão, não pode menos; liberar e colocar em risco”, declara ao denunciar que isso não é o que está sendo feito.
O exemplo vem do próprio governo Leite que sancionou em abril passado lei que permite construção de barragens em Áreas de Preservação Permanente (APPs).
Proposta de flexibilização semelhante de autoria do senador Luis Carlos Heinze (PP/RS) já foi aprovada no senado e tramita na Câmara dos Deputados.
Citando uma das máximas do ex-governador Leonel Brizola, Milanez fulmina: “não dá para fazer leis ao estilo da raposa tomando conta do galinheiro”.
Educação e responsabilidade
Foto: Igor Sperotto
Diante de questões como a acelerada destruição de leis ambientais construídas ao longo dos anos e seus reflexos no meio ambiente e na saúde humana, os painelistas foram indagados sobre o papel da educação.
Tanto Milanez quanto Danielle são categóricos em ressaltar a importância vital de uma educação ambiental crítica que possibilite o repensar ocupações e estilos de vida.
O dirigente da Agapan afirma que “não dá tempo de educar as próximas gerações”. Milanez, que possui doutorado em educação lembra que sempre defendeu e se dedicou a isso, mas, que, diante da emergência climática, “nós precisamos fazer trabalho com adultos, com trabalhadores e, em especial, com professores que são multiplicadores”.
Danielle, por sua vez, recorda que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aborda a questão ambiental de forma muito sutil, quase inexistente.
Sobre a educação para adultos, ela manifesta plena concordância. “Acho que cada geração tem seu desafio”, pondera ao refletir a necessidade de se pensar. “novas estratégias para meios de mobilização que se efetivem de fato”.
Danielle ressalta, porém, que não adianta só educar adultos, crianças e empresas. É necessário governantes conscientes da sua responsabilidade.
“Eu vou sair um pouco da educação e entrar na questão da responsabilização mesmo. Quando a educação não funciona mais, é só a responsabilização que educa. E aí eu pergunto: quantos prefeitos e governadores vocês já viram perdendo seus cargos por algum crime ambiental ou por algum desastre ambiental?”, questiona a professora.
Para Danielle, a responsabilização tem que ser uma estratégia educativa utilizada. “Porque, se a gente esperar só educar as futuras gerações, gente, o planeta vai continuar, mas nós seremos uma espécie que ficará para a história”, conclui.