Governo gaúcho desfigurou Código Ambiental e abandonou gestão preventiva
Foto: Igor Sperotto
A síntese das modificações no Código do Meio Ambiente gaúcho promovidas em 2020 pelo governo Eduardo Leite (PSDB) é negativa. O novo regramento que substituiu o de 2000 alterou o enfoque preventivo para reativo e não dá “poder de reação ao Estado”, entende o professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IBio/Ufrgs), Gonçalo Ferraz.
Ele e seu colega Fernando Gertum Becker, que atua como revisor de mais de 30 revistas científicas nacionais e internacionais, são os responsáveis pela primeira Nota Técnica deste ano do Grupo de Trabalho – IBio Sustentabilidade da Ufrgs.
Biólogo, doutor em Ecologia e Biologia Evolutiva pela Columbia University (Nova York – EUA) e pós-doutor do Smithsonian Tropical Research Institute (Panamá), Ferraz diz que o documento inserido na plataforma Zenodo visa a facilitar o acesso à informação sobre as alterações no Código Ambiental de 2020, possibilitando que cidadãos avaliem seu impacto “perante um ambiente em que parece haver muita briga de narrativas”, destaca o professor.
Elaborado na forma de uma planilha comparativa que espelha o código de 2000, a nota técnica dá conta de que a nova legislação do estado para o meio ambiente está na contramão da gestão ambiental eficaz, como pontua Ferraz.
O estudo registra uma alteração muito profunda na lei – resultado de cerca de 10 anos de discussões, mas que no primeiro mandato de Leite tramitou durante 74 dias na Assembleia Legislativa do RS.
Dos 246 artigos do código anterior, 59 foram eliminados, 87 mantidos praticamente iguais, 159 alterados e 46 acrescidos.
Sem improvisos, deliberado
Na opinião do professor da Ufrgs, as modificações não foram improvisadas, mas feitas por alguém com profundo conhecimento do assunto. Além disso, Ferraz diz que é evidente a mesma mentalidade que uniu a Secretaria da Infraestrutura e a Secretaria do Meio Ambiente do estado: a crença de que práticas de mercado também funcionariam na conservação ambiental.
Isso, na realidade, opina Ferraz, “choca de frente com coisas que a gente vê”. Para ele, o mercado, por si só, incentiva a redução de custos, o que, no final das contas, pode prejudicar o meio ambiente.
Assim, advoga, é crucial que o poder público regule as atividades que tenham impacto ecológico, impondo multas, oferecendo subsídios ou ajustando impostos para promover práticas ambientais responsáveis.
No entanto, o que parece prevalecer é uma filosofia de mínima intervenção estatal e isso é problemático, lamenta.
No início do mês, a revista científica Nature publicou carta enviada por um grupo de professores do IBio/Ufrgs que manifesta preocupação dos pesquisadores em relação às respostas que as esferas municipais, estadual e federal estão propondo para o enfrentamento das enchentes no Rio Grande do Sul. “O momento em que vivemos exige mais que a redução dos impactos de nossas atividades e a proteção dos ambientes naturais que nos restam, exige também a recuperação de áreas degradadas e ocupadas inadequadamente”.