AMBIENTE

Degradação ambiental e infraestrutura precária castigam moradores do Morro do Paula (2)

Ações na Justiça, demarcações que se arrastam por anos e falta de consenso sobre a extração de arenito. A quem pertence o Morro do Paula afinal?
Por Arthur Reckziegel, Gabriel Muniz, Gustavo Bays e Marcel Vogt / Publicado em 22 de agosto de 2024
Degradação ambiental e infraestrutura precária castigam moradores do Morro do Paula

Foto: MPRS/ Divulgação

O MP e a prefeitura desistiram de uma ação judicial que removeria 600 famílias e faria a interdição da extração de pedras no Morro do Paula

Foto: MPRS/ Divulgação

O Morro do Paula também conta com sua beleza única por ser o ponto mais alto de São Leopoldo e um dos mais altos da região. Segundo o Plano Diretor Municipal de São Leopoldo, o local é uma Macrozona de Proteção Ambiental. Porém, sua recuperação está ameaçada.

“A volta para a situação como era antes da exploração não é mais possível. Já ultrapassamos o tempo que deveria ser recuperado o Morro do Paula”, alerta Joel.

Um relatório técnico realizado pela Semmam, em 2022, detalha que toda a situação vai muito além dos exploradores das cavas de mineração. É um trabalho que envolve os transportadores, vendedores, construtores e o comércio varejista de materiais de construção.

“Na maioria das vezes estão à margem de normas legais ambientais, trabalhistas, tributárias e de segurança, contribuindo com a degradação ambiental e sonegando os impostos devidos”, resume o documento ao qual a reportagem teve acesso.

“O poder público municipal não consegue fazer esse enfrentamento, pois envolve crimes fora da esfera de resolução municipal. Envolve Polícia Civil, Polícia Federal e governo do estado, que nunca participaram efetivamente da solução deste problema”, destaca Joel.

Ação contra crime ambiental

Em 1997, o Ministério Público, através da Promotora de Justiça Vilneci Pereira Nunes, entrou com uma Ação Civil contra o município de São Leopoldo para fazer cessar a lavra de arenito no Morro do Paula, recuperar o local após o dano causado ao meio ambiente e relocalizar os moradores que estavam na área de preservação.

Conforme consta na Ação, cerca de 600 pessoas moravam no Morro na década de 1990. Dentre elas está Rosa Marina, de 70 anos. “O Ibama passava aqui. Era uma ‘lenga-lenga’ para tirar o povo. Como vamos sair se já estamos colocados aqui? Não ofereciam nenhum outro lugar para morar”, relata a moradora.

Em 2015, Ministério Público e a prefeitura chegaram a um acordo e desistiram da Ação Civil. A conclusão foi a “desocupação total da massa populacional residente no Morro do Paula e a interdição completa da extração de pedras no local são obrigações que se tornaram inexequíveis”.

Com isso, chegou ao fim o processo iniciado 18 anos antes, porque já não havia mais como tirar as pessoas dali. A área populacional cresceu tanto que se espalhou pelas divisas dos municípios de Novo Hamburgo, Sapucaia do Sul e Gravataí.

Estudo socioambiental

Degradação ambiental e infraestrutura precária castigam moradores do Morro do Paula

Foto: Gabriel Muniz

Ruas e vielas esburacadas levam às casas dos moradores do interior do morro

Foto: Gabriel Muniz

“Diante do acordo, ficou definido que São Leopoldo faria um estudo socioambiental da área para verificar como é a população, qual atividade econômica é desenvolvida, qual o nível de degradação do local e o que é passível de recomposição ambiental”, explica o promotor Ricardo Schinestsck Rodrigues, responsável pela Ação neste momento.

Segundo o biólogo da Secretaria de Meio Ambiente de São Leopoldo, em 2017 foi feito um Termo de Referência que culminou com a contratação do serviço da empresa Gaia Sul Ambiental para a realização do estudo.

De início foram feitas algumas reuniões, visitas ao Morro e proposta de plano de trabalho. “Mas aí veio a pandemia e a empresa disse que não teria condições de continuar o serviço, pois foi duramente impactada, até com óbito de funcionários. Então fizemos uma rescisão de contrato multilateral”, relembra o assessor de Gestão Organizacional da Semmam.

Governo não reconhece demarcação 

Degradação ambiental e infraestrutura precária castigam moradores do Morro do Paula

Foto: Dique Cardoso/PMSL

Morro do Paula ficou a salvo das enchentes que atingiram mais de 80% da população de São Leopoldo em maio

Foto: Dique Cardoso/PMSL

Outra dúvida dos moradores é com relação a que cidade pertencem afinal. “Gravataí tem uma pequena parte com uma população menor. Sapucaia do Sul possui um trecho a mais de mata ainda intacta. Novo Hamburgo compreende uma área com pessoas habitando. Já São Leopoldo tem habitantes e extração de minério em seu território”, detalha o promotor de Justiça Especializada de São Leopoldo, Ricardo Schinestsck Rodrigues.

Em meio a tudo isso, com a crescente expansão, o Morro do Paula acabou ultrapassando as fronteiras de São Leopoldo, criando novas discussões. A partir de 2011, a prefeitura de São Leopoldo custeou estudos para o processo de divisão territorial do Morro do Paula, que teria sido entregue em 2017.

A partir disso, a reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG), do Governo do Estado. Segundo a resposta, a Divisão de Geografia e Cartografia (que pertence a Secretaria) prestou auxílio técnico no estudo para demarcação de terras do Morro do Paula. Na última atualização recebida pela Divisão, em 2016, as prefeituras estavam construindo os tótens. Ou seja, o próprio governo estadual gaúcho não tem a confirmação dessa demarcação de território já finalizada.

Em nota, a Secretária de Habitação de São Leopoldo (Semhab) explica que ainda faltam leis municipais para realmente reconhecer as demarcações já finalizadas.

O MP concorda que a resolução do problema passa pelo comprometimento de todos, e está criando um grupo de trabalho entre os municípios envolvidos e os órgãos estaduais.

“Precisamos trabalhar com as pessoas independentemente dos limites territoriais”, destaca o promotor. Segundo Schinestsck, o grupo de trabalho está em uma fase de nominata de cada município para, em seguida, começar a desenvolver reuniões no MP sobre o assunto.

“Os municípios só podem agir dentro das suas fronteiras, a não ser que tenha uma ação coordenada. Cooperação será fundamental para tomar decisões que atingem a totalidade”, completa.

De acordo com o assessor da Semmam, Joel Garcia Dias, o trabalho com representantes de cada uma das prefeituras envolvidas chegou a ser formado. “Mas todas as ações foram antes das enchentes, agora ficou tudo para depois”, enfatiza. Para ele, uma possível resolução passaria, primeiro, pelo encerramento da atividade de mineração.

Os serviços oferecidos por São Leopoldo

Degradação ambiental e infraestrutura precária castigam moradores do Morro do Paula

Imagem: Google Earth

Imagem: Google Earth

Apesar de não haver Posto de Saúde, o local conta um serviço de saúde itinerante (Ônibus da Saúde), da Prefeitura de São Leopoldo, uma vez por mês.

“Se tem problema, precisa descer para a cidade”, detalha Nataniel. Além do serviço do Ônibus da Saúde, a rua é patrolada “às vezes”, há serviço de ônibus municipal e escolar, recolhimento de lixo e manutenção dos poços artesianos pela Prefeitura de São Leopoldo, além do acesso à energia elétrica pela (RGE) Rio Grande Energia. Porém, tudo isso depende sempre de muita pressão.

Conforme informações disponibilizadas no site da Câmara Municipal de Vereadores de São Leopoldo, de 2015 a 2024 foram 20 pedidos de ações no Morro do Paula já foram feitos ao legislativo.

“A gente acaba fazendo porque tem que atender a população. Acabamos assumindo por uma questão de direito das pessoas”, justifica o secretário municipal de Habitação de São Leopoldo, Álvaro Pedrotti. Para ele, o que falta é a participação dos outros municípios e órgãos públicos. “O que São Leopoldo sempre reivindica é estabelecer as responsabilidades e compromisso de cada ente dessa situação”, completa.

*Esta é a segunda e última parte da reportagem sobre o Morro do Paula, realizada na disciplina de Jornalismo Investigativo do curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Rio do Sinos – Unisinos, sob a supervisão da professora Luciana Kraemer, no primeiro semestre de 2024. 

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