AMBIENTE

Instituição holandesa que recebe R$ 7,3 milhões da prefeitura tem agenda alinhada à delegação que produziu relatório das enchentes

A universidade holandesa TU-Delft assinou parceria bilateral com a prefeitura de Porto Alegre para elaborar plano de trabalho no bairro Arquipélago
Por Elstor Hanzen / Publicado em 23 de agosto de 2024
Instituição holandesa que recebe 7,3 milhões da prefeitura tem agenda alinhada à delegação que produziu relatório das enchentes

Foto: Cesar Lopes / PMPA

Prefeito conheceu a expertise holandesa na prevenção contra enchentes em encontro no DMAE no início de junho

Foto: Cesar Lopes / PMPA

Aparentemente, apenas o país de origem vinculava a universidade TU-Delft com a comitiva que entregou nesta semana à prefeitura de Porto Alegre o relatório encomendado sobre as enchentes. A primeira impressão, no entanto, não resiste a uma simples checagem de dados: as duas frentes têm interesses e agendas compartilhadas para fazer negócios no Brasil.

Com uma simples busca na internet e o cruzamento desses dados, é possível conectar os interesses e relações entre a Universidade de Tecnologia de Delft (TU-Delft) e a Agência Holanda de Empresas, que apresentou o relatório sobre a enchente na segunda-feira, 19, à administração da capital gaúcha e do governo do estado.

Em julho, a prefeitura de Porto Alegre anunciou uma parceria com a TU-Delft no valor de R$ 7,350 milhões para a elaboração de um plano emergencial e urbanístico para o bairro Arquipélago, na região das Ilhas também fortemente atingida pela inundação. Primeira parte do levantamento previa ser concluída em quatro meses e a segunda em 18.

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Governador Eduardo Leite (PSDB) e secretários de estado se reuniram com equipe da Holanda no mesmo dia do encontro com Melo, 6 de junho

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A delegação holandesa, que divulgou a versão atualizada sobre a tragédia climática nesta semana, também recomentou, no relatório preliminar, “finalizar o Termo de Referência do Plano Diretor de Inundações e Drenagem de Porto Alegre e encomendar o estudo”, antes do final de 2025.

Além do relatório entregue pelos holandeses, as partes integraram uma segunda atividade esta semana, uma conferência de cocriação e compartilhamento de conhecimento Brasil-Holanda.

No encontro de 22 e 23 agosto, participaram a equipe que elaborou a versão do relatório atualizado, a cônsul-geral da Holanda, Wieneke Vullings, a representante da universidade de TU-Delft, Taneha Kuzniecow Bacchin, o governo de Porto Alegre e do RS, conforme divulgado no canal dos representantes holandeses na capital.

Segundo ressaltado na mensagem publicada, todos fazem parte do Programa de Redução de Riscos de Desastres e Apoio a Emergência (DRRS) da Holanda e estão no Rio Grande do Sul participando da troca de conhecimento.

“O governo holandês está promovendo e co-organizando o evento através da embaixada do Reino dos Países Baixos no Brasil, da Agência Holanda de Empresas (RVO), do consulado geral dos Países Baixos e do gabinete de Apoio Empresarial dos Países Baixos (NBSO Porto Alegre)”, diz a nota.

As mesmas frentes holandesas, por meio do escritório NBSO na capital, também integram a elaboração de estudos, planejamento territorial, urbano e ambiental do plano de reconstrução da educação no Rio Grande do Sul, após a tragédia climática.

Interesse não é de agora

No site da TU-Delft, há publicações desde 2016 sobre o suporte a programas de proteção contra inundações a outros países.

Conforme divulgado no canal da instituição, cinco universidades (TU-Delft, Utrecht, Wageningen, Twente e Nijmegen) participam do programa.

“Cerca de 70% da pesquisa visa aprimorar o conhecimento técnico sobre reforços de diques, enquanto cerca de 30% lida com aspectos mais integradores, como paisagismo, aspectos ecológicos, multifuncionalidade e arranjos de governança”.

Já em 2023, a Delft noticiou ampliação forte de colaboração com o Brasil, ao assinar um novo acordo de parceria com a Universidade de São Paulo (USP) para endossar e estender convênios.

A própria cônsul-geral da Holanda, Wieneke Vullings, esteve no evento do anúncio da expansão dos negócios. Vullings, aliás, integrou a delegação holandesa de 5 a 7 de junho, em Porto Alegre, para produção do relatório divulgado no último dia 19 no Dmae.

Quase dois meses antes da pior enchente devastar do RS, em março, a gestão Melo e a comitiva holandesa já se reuniram para tratar de “tecnologia holandesa e experiência na resolução de enchentes. Esses foram os temas do encontro entre o vice-embaixador do Reino dos Países Baixos no Brasil, Afke Mulder, e o prefeito da capital do Rio Grande do Sul, Sebastião Melo”, escreveu o escritório holandês na capital.

Também participaram da reunião a representante da NBSO Porto Alegre, Lucila Almeida, vice-prefeito, Ricardo Gomes, e secretários.

Críticas

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Foto: Lia de Paula/ Agência Senado

Recém eleita reitora da Ufrgs, Marcia Barbosa liderou grupo de pesquisadores de várias universidades que definiu eixos para a reconstrução, mas o coletivo foi ignorado pelo governador e pelo prefeito

Foto: Lia de Paula/ Agência Senado

Contrações de consultorias e importações de soluções estrangeiras em detrimento das instituições de referência brasileira, já foram certificados por especialistas em maio, como mostra reportagem publicada pelo jornal Extra Classe.

A professora Marcia Barbosa da Ufrgs, reconhecida internacionalmente por sua pesquisa, agora eleita reitora da Ufrgs, liderou um grupo de pesquisadores de universidades do Sul para reconstrução do RS. O grupo elaborou um plano inteligente de reconstrução, em dois grandes eixos, detalhando em seis eixos específicos.

O pesquisador e professor de sociologia da Ufrgs, Paulo Nierdele ressaltou ser “um erro” essa recorrência e gastos com soluções de fora.

Ele argumenta que as universidades e instituições de pesquisa do Rio Grande do Sul têm toda competência para propor alternativas viáveis de reconstrução, porque os pesquisadores conhecem as experiências internacionais e, sobretudo, entendem das particularidades do estado.

“Na condição de professor da Ufrgs, sinto-me profundamente incomodado com o fato de que, geralmente, não convidam a gente para pensar os projetos e, depois, descobrem os erros que foram cometidos, quando os consultores já foram embora com mais alguns milhões do nosso dinheiro público nas suas contas, aí buscam socorro junto às nossas universidades”, lamenta Nierdele.

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