Ações para enfrentar a crise climática não passam de boas intenções
Foto: Freepik
Secas mais severas e frequentes na Amazônia, ciclones, tempestades, inundações, deslizamentos por todo o país e em diversas regiões do planeta. Os impactos do aquecimento global estão cada vez mais presentes e fora de controle, agravados pela destruição dos ecossistemas pela ação humana. As projeções são de que os extremos climáticos inviabilizem a vida na Terra se nada for feito no curto prazo, a exemplo da redução a zero das emissões de gases de efeito estufa até o ano de 2050. No Brasil, apesar do risco iminente da escassez de alimentos, água e de uma crise sem precedentes na geração de energia, as políticas públicas de prevenção e com vistas a mitigar os impactos das catástrofes não saem do papel
Vendavais, enchentes, calor, granizo e longas estiagens entraram na rotina dos brasileiros. Conta de energia elétrica mais cara, céu cinza, nariz e garganta trancados por causa da fuligem confirmam para quem não acreditava que a crise climática sobre a qual os cientistas tanto alertaram já faz parte do cotidiano, afeta a vida de norte a sul do país e no mundo, e prenuncia períodos de seca e escassez.
O enfrentamento à crise climática no Brasil é urgente, reitera o climatologista Carlos Nobre, principalmente devido ao aumento descontrolado do desmatamento e à intensificação das queimadas, uma prática do agronegócio que fugiu ao controle nas fazendas e proliferou em áreas urbanas pela ação de criminosos.
“Sim, os eventos serão mais frequentes enquanto as temperaturas globais permanecem altas como agora. Se continuarmos com as emissões de gases, as secas extremas ficarão mais frequentes”, assegura Nobre.
Um cenário de falta de alimentos, de água e de energia, que pode se aproximar diante das catástrofes climáticas, parece não ser motivo de preocupações, nem motiva ações concretas e imediatas por parte dos governantes para o enfrentamento de uma eventual crise de alimentos.
Apagando incêndios
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Durante um encontro com governadores em setembro deste ano, o presidente Lula anunciou um plano emergencial de colaboração entre União, estados e municípios para combater os incêndios e a seca no Brasil, com ações imediatas e também de longo prazo.
Governadores e representantes da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal apresentaram sugestões para atender de forma mais célere às demandas para a contenção de queimadas no país, e alguns estados já formalizaram pedidos no encontro com o presidente.
Além de R$ 514 milhões em crédito extra para combate às queimadas na Amazônia, viria do BNDES o reforço de medidas de contenção com mais R$ 400 milhões. Esses recursos foram para o apoio aos Corpos de Bombeiros dos estados da Amazônia Legal para compra de equipamentos, materiais e viaturas.
“Outros créditos serão publicados à medida que os governadores apresentarem os pleitos e materializarem as suas demandas”, destacou à época o ministro da Casa Civil, Rui Costa. “Não faltou recurso para o Rio Grande do Sul e não faltará também para a Amazônia, para o Pantanal e para o Cerrado. Já aprovei vários planos para o Mato Grosso do Sul, estamos agora aprovando plano para Goiás, para o Mato Grosso, como temos feito às demais regiões”, afirmou o ministro da Integração e do Desenvolvimento, Waldez Góes, em entrevista à EBC.
Já o enfrentamento de longo prazo da crise de alimentos, água e energia que se anuncia com o agravamento dos extremos climáticos fica para depois. Ou seja, os governos e as prefeituras estão mais ocupados em apagar incêndio. Literalmente.
Já no RS arrasado pelas enchentes, as obras de modernização e construção de sistemas de contenção contra cheias, os quais compreendem os diques de proteção do Arroio Feijó e de Eldorado do Sul, serão geridas pelos governos federal e estadual e custarão R$ 6,5 bilhões. Mas são metas também para depois. Anunciadas como prioridades em meio à enchente que assolou o estado em maio, essas medidas não devem sair do papel tão cedo, como declarou Eduardo Leite durante a assinatura da portaria ao lado de Lula e dos ministros Paulo Pimenta e Rui Costa. “São obras complexas, que levarão tempo para serem executadas”, avisou o governador gaúcho.
Crise da água
Foto: Bibiana Garrido/ Divulgação
No âmbito do governo do Rio Grande do Sul – fora as políticas costumeiras para as secas, como a irrigação das lavouras –, as políticas para enfrentar as mudanças climáticas têm suas principais ações previstas para metade de 2025.
“Cada vez mais, estamos percebendo que a escassez de água para produção de alimentos e consumo humano pode se tornar uma realidade em regiões onde os recursos hídricos eram abundantes e suficientes. Entretanto, essa percepção ainda não se traduziu em práticas mais robustas de proteção dos mananciais de água, ou seja, rios, lagos, nascentes, aquíferos, e dos biomas que garantem o regime de chuvas necessário para a sua renovação”, alerta o pesquisador do Observatório das Metrópoles (rede que reúne pesquisadores de diversas instituições), professor da Unisinos e doutor em Sociologia pela Ufrgs, Milton Cruz.
Mesmo com falta de medidas concretas para enfrentar uma possível crise de desabastecimento, no Brasil o alerta já bateu no centro do poder econômico, porque o desequilíbrio do clima tem puxado a alta da inflação, a começar pelo aumento da energia elétrica – que passou à bandeira vermelha em outubro –, devido a recordes de temperatura e tempo seco na faixa central do país.
Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
A pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) Vera Arruda destaca que essa seca afeta amplamente o Brasil, impactando a agricultura, a geração de energia e a segurança hídrica.
“No Rio Grande do Sul, que depende fortemente da agricultura, a falta de chuvas provoca perdas econômicas significativas, além de agravar a crise hídrica e energética”, constata Vera.
“Além dos prejuízos econômicos e sociais, a seca altera o ciclo hidrológico, agravada pelo desmatamento na Amazônia e no Cerrado. A perda de cobertura florestal enfraquece os rios voadores, prejudicando a distribuição de chuvas e intensificando secas no RS e em outras regiões”, ressalta a especialista.
Aprender com o SUS
A 73ª edição do Statistical Review, relatório publicado em junho pela multinacional de auditoria e consultoria fiscal KPMG e pelo Energy Institute (IE), do Reino Unido, revelou que o ano de 2023 foi marcado por recordes em consumo de combustíveis fósseis, produção de petróleo, emissões de gases de efeito estufa (GEE) e geração de energias renováveis. Nesse combo, as energias renováveis têm participação no consumo total de energia de 14,6% apenas. Diante disso, qual é o melhor caminho para acelerar a transição energética?
O professor Milton Cruz estabelece um paralelo ao responder à pergunta. Ele diz que o processo de implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), reconhecido como melhor sistema público do mundo, pode servir como importante aprendizado. Nesse processo, estiveram envolvidos milhares de delegados representando usuários, trabalhadores da saúde, partidos políticos, diferentes níveis de governo, universidades, parlamentares e ONGs. Ou seja, constituiu-se um amplo processo de participação social.
Not available
“O SUS foi o resultado de um amplo processo de mobilização e consequência das transformações de uma sociedade agroexportadora de café e açúcar para a industrialização e, mais recentemente, para a consolidação da sociedade urbanizada das metrópoles e grandes cidades. A urbanização e a produção do agronegócio avançaram sobre os biomas existentes no Brasil, os transformando significativamente, alterando o equilíbrio existente”, alerta.
Crise iminente
Para o pesquisador do Observatório das Metrópoles, os impactos ambientais negativos do modelo predatório de crescimento do país são agora percebidos por uma grande parte da população, o que pode contribuir para a unificação daquela parcela da sociedade que acredita que a ciência pode indicar os caminhos para a proteção do meio ambiente e a criação de ambiências que sustentem a vida no planeta.
“A urbanização exige que tratemos o esgoto e a água, o lixo gerado, que preservemos a arborização, que utilizemos fontes diversificadas de energia, que cuidemos da saúde coletiva, e que evitemos o uso excessivo do automóvel para que tenhamos um ambiente urbano saudável e gerador de bem-estar”, enfatiza.
Embora o contexto atual seja diferente, com uma sociedade mais fragmentada, polarizada, negacionista, o professor da Unisinos acredita que o parâmetro do SUS pode ser útil, porque o enfrentamento à mudança climática exige participação social, transparência e formação de novos hábitos de consumo.
Mais no papel do que na prática
Foto: Bruno Peres/Agência Brasil
Com os eventos extremos cada vez mais presentes, a maioria das pessoas relaciona a tragédia das enchentes às mudanças climáticas, por exemplo. Um estudo do Instituto Polis revelou que sete em cada dez brasileiros já vivenciaram pelo menos uma situação associada às mudanças climáticas, o que equivale a mais de 118 milhões de pessoas acima dos 16 anos. Conforme a pesquisa, o cenário do novo normal do clima no país – fortes chuvas, falta d’água, ondas de calor extremo, ciclones e queimadas – traz preocupação ao brasileiro com a importância da transição energética para mudar o jogo.
Governos e entidades do setor privado captaram essa tendência e afinaram o discurso de comprometimento em relação à crise climática. O Extra Classe procurou diversos órgãos e entidades representativos da sociedade para apurar o que há de planejamento, projetos e ações para fazer frente à nova realidade climática. Entretanto, até o fechamento desta reportagem, apenas o governo do RS e a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) mandaram respostas.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil
Dentro do Proclima2050 – Estratégias para o Enfrentamento das Mudanças Climáticas, programa lançado em 2023 pelo governador Eduardo Leite (PSDB), há iniciativas que visam à mitigação e à resiliência climática, informou o governo por meio da assessoria de comunicação.
Inventário de emissões de GEE, análise de riscos e vulnerabilidade climática, descarbonização das cadeias produtivas, plano de ação climática e normativa climática estão no planejamento. A entrega da conformidade dos seis itens está prevista só para julho de 2025, segundo a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura.
Também está em desenvolvimento o Roadmap Climático, projeto selecionado para receber recursos internacionais, que tem como objetivo realizar um diagnóstico sobre as ações climáticas nos 497 municípios do Rio Grande do Sul. “O propósito principal é permitir que as ações dos municípios contribuam efetivamente para a meta coletiva de zerar as emissões de GEE até 2050”, destaca a Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação.
A Fiergs, por sua vez, defende a mitigação e adaptação às mudanças climáticas e informa que está comprometida em propor caminhos e incentivar a indústria para uma economia de baixo carbono. A agenda para a descarbonização da indústria e adaptação aos efeitos da crise do clima está centrada em quatro eixos: transição energética, mercado de carbono, economia circular e conservação florestal.