AMBIENTE

Liderados pelo Brasil, 61 cientistas do Brics partem em expedição para a Antártica

A missão pioneira tem por objetivo verificar o tamanho do estrago causado pelo aquecimento global, medir o grau de derretimento das geleiras, os impactos no clima e a elevação do nível dos oceanos
Por César Fraga / Publicado em 25 de novembro de 2024
Liderados pelo Brasil, 61 cientistas do Brics partem em expedição para a Antártica

Foto: Anderson Astor/Marcelo Curia/ICCE/Divulgação

A bordo do navio quebra-gelo russo Akademik Tryoshnikov, 61 cientistas de sete países – Brasil, Argentina, Chile, China, Índia, Peru e Rússia – percorrerão 20.000 km ao longo da costa do continente gelado

Foto: Anderson Astor/Marcelo Curia/ICCE/Divulgação

Às 2h20 minutos da madrugada do dia 23 de novembro, dia e horário de partida, teve início a fase definitiva da maior Expedição Internacional de Circum-Navegação Costeira Antártica (ICCE) – e que deve durar dois meses – e cujo principal objetivo é verificar o tamanho do estrago causado pelo aquecimento global, além da situação real de derretimento das geleiras no continente gelado. Para isso, serão coletados dados biológicos, químicos, físicos e atmosféricos, além de um inédito levantamento aéreo das massas de gelo. Parece abstrato, mas o futuro da humanidade depende dessas informações.

A bordo do navio quebra-gelo russo Akademik Tryoshnikov, 61 cientistas de sete países – Brasil, Argentina, Chile, China, Índia, Peru e Rússia – percorrerão 20.000 km ao longo da costa do continente gelado, aproximando-se ao máximo das frentes das geleiras. O navio partiu do Porto de Rio Grande, no Extremo-Sul do Brasil, em missão coordenada pelo experiente pesquisador e explorador polar Jefferson Cardia Simões, do Centro Polar e Climático (CPC) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

O navio partiria inicialmente na tarde do dia 22, mas uma parte da carga proveniente da China ficou retida na Aduana, em São Paulo, e teve de aguardar liberação, transporte e embarque em Rio Grande.

Baixa entre argentinos

Na coletiva de imprensa, no interior do navio, ocorrida no dia 22, Simões informou que houve quatro baixas, e brincou: “assim como no Brics, que a Argentina ficou de fora, na expedição, da delegação do país vizinho que tinha seis integrantes restaram apenas dois, por motivos que prefiro não comentar”.

A suspeita é que possa ter ocorrido alguma questão política, uma vez que o país hoje é governado por uma agenda de negacionismo climático e antibrics, sob Javier Milei na presidência; e também por não haver representantes diplomáticos na cerimônia de partida da expedição.

Faltou combinar com os russos

Um dado curioso é que, inicialmente prevista para ocorrer no restaurante do navio, devido a um pequeno atraso da programação, a cerimônia teve de ser transferida às pressas para ser realizada no convés. O motivo, faltou combinar com os russos. Assim que bateu a hora do almoço da tripulação, os marinheiros russos ocuparam o restaurante do navio, onde estava tudo pronto para o cerimonial.

Diplomacia da ciência

Liderados pelo Brasil, 61 cientistas do Brics partem em expedição para a Antártica

Foto: Igor Sperotto

Cooperação científica e a parceria acadêmica refletem, acima de tudo, a essência da diplomacia científica, destacou Jefferson Simões, líder da expedição

Foto: Igor Sperotto

Na abertura da solenidade, Simões abriu os discursos ressaltando não apenas o impacto científico da missão na compreensão das mudanças climáticas e na preservação da Antártica, mas também o papel diplomático da ciência como uma ponte para a colaboração internacional, unindo esforços de diferentes países na busca de soluções conjuntas para desafios globais.

Estavam presentes, o comandante do 5º Distrito Naval, Vice-Almirante Augusto José da Silva Fonseca Junior; o reitor da Universidade Federal de Rio Grande (FURG), Danilo Giroldo; o cônsul-geral da Índia, Hansraj Singh Verma; o cônsul honorário da Rússia no Rio Grande do Sul, Jacinto Zabolotsky; o diretor da Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs), Odir Dellagostin; e o diretor do Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica de São Petersburgo, Aleksandr Makarov, proprietário do navio e principal financiador da expedição.

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Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Makarov tem 41 anos e também é cientista na Universidade de São Petesburgo (SPbU). Ele já realizou mais de 15 expedições ao Ártico e está constantemente envolvido em ciência, educação e gestão. Suas teses de doutorado foram sobre geomorfologia e focam em mudanças ambientais nos últimos dez mil anos. Seus interesses de pesquisa são paleografia de regiões polares no sistema holocênico e mudança de nível no Oceano Mundial.

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Foto: Igor Sperotto

Aleksandr Makarov (esq), diretor do Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica de São Petersburgo e Jacinto Zabolotsky (dir), cônsul honorário da Rússia no Rio Grande do Sul, Jacinto Zabolotsky

Foto: Igor Sperotto

Financiamento

De acordo com Cardia, a aventura ao ártico custará R$ 9 milhões. “Mas não se preocupem que não é dinheiro público”, se adianta em explicar, “para que não digam que andam gastando dinheiro público com ciência”, ironiza. A maior parte do montante, segundo ele, é financiada pelo Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica de São Petersburgo e apenas cerca de 4% do investido, é de responsabilidade de órgãos estatais.

“Em um momento de complicação na política internacional, surge a intenção de demonstrar que a cooperação científica e a parceria acadêmica refletem, acima de tudo, a essência da diplomacia científica. Trata-se de buscar soluções para problemas mútuos, com interesses compartilhados, por meio de uma ciência de vanguarda, promovida pela cooperação internacional, pelo intercâmbio de cientistas e pelo desenvolvimento conjunto de pesquisas”, destaca Simões.

Reitora e cientista

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Foto: Igor Sperotto

Marcia Barbosa, reitora da Ufrgs, contribuiu com o projeto quando ainda fazia parte do Ministério da Ciência e Tecnologia

Foto: Igor Sperotto

A reitora da Ufrgs Marcia Barbosa ressaltou a cooperação internacional e o papel de seus respectivos países e instituições no avanço do conhecimento sobre o continente antártico. “A interação entre a Ufrgs e esse projeto científico com a Rússia não começa hoje; ela teve início há anos atrás, quando Jefferson foi ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação enquanto eu ainda trabalhava como secretária, e disse: “Eu tenho a chance de trazer esse projeto”.

Vale lembrar que, em 2020, Marcia foi mencionada pela ONU Mulheres como “uma das sete cientistas que moldam o mundo” e, no mesmo ano, foi eleita pela revista Forbes como uma das 20 mulheres mais influentes no Brasil. E ela usou desta influência, ainda em 2023, quando era secretária de Políticas e Programas Estratégicos, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) do Governo Federal, para ser cupido e ajudar Simões a ligar alguns dos pontos iniciais – conexões internacionais – que propiciaram esta expedição.

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Foto: Anderson Astor/Marcelo Curia/ICCE/Divulgação

Foto: Anderson Astor/Marcelo Curia/ICCE/Divulgação

A despedida

A programação do dia começou às 9h, com a abertura do navio para visitação, atraindo autoridades, convidados e a imprensa para conhecer a embarcação e os detalhes da missão científica. Havia um grande número de familiares dos cientistas para se despedir, já que a tripulação ficará longe por mais de 60 dias, incluindo as festas de natal, ano novo e férias escolares. Não faltaram momentos de emoção.

Babel

No meio disso, os corredores estreitos da embarcação, com todas as placas de sinalização em russo, viveram momentos de babel, com idiomas de oito países sendo falados simultaneamente. Mas todos se entendiam com ajuda do inglês básico e dos aplicativos de tradução simultânea dos celulares.

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