Por trás do schnitzel alemão pode haver um Cerrado desmatado
Fotos: Mayangdi Inzaulgarat/Ibama eBenreis/Wikimedia CC2.0
Fotos: Mayangdi Inzaulgarat/Ibama eBenreis/Wikimedia CC2.0
A partir de um estudo-denúncia intitulado provocativamente A triste verdade por trás da fabricação do schnitzel alemão a Agência Federal de Assuntos Econômicos e Controle de Exportação da Alemanha (Bafa) foi provocada a investigar três das maiores empresas produtoras de carne alemãs – Tönnies, Westfleisch e Rothkötter. O pedido ocorreu logo após a publicação de relatório, no final de outubro, em que estão compilados dados que ligam o uso da soja usada na alimentação de aves e suínos a graves violações de direitos humanos e desmatamento no Cerrado brasileiro.
As ONGs são ClientEarth, Deutsche Umwelthilfe (DUH) e Mighty Earth. Para elas, a negligência no empenho em mitigar esses riscos pode colocar as empresas em situação de violação da Lei de Devida Diligência da Cadeia de Suprimentos da Alemanha (LkSG), em vigor desde janeiro de 2023. As ONGs alegam que essas empresas não estão se empenhando em averiguar se os insumos que são importados do Brasil estão ou não vinculados a graves violações de direitos humanos e ambientais.
Violações de direitos humanos e desmatamento
O relatório apresentado à Bafa documenta que a soja usada na alimentação de animais na Alemanha está ligada a áreas de alto risco de violação de direitos humanos e desmatamento no Cerrado. Esse bioma brasileiro, o segundo maior do país, é essencial para a manutenção da biodiversidade global, mas sofre crescente devastação devido à expansão da agricultura industrial, que compromete territórios tradicionais e indígenas.
A Bunge, uma das maiores exportadoras de soja do Brasil e principal fornecedora para empresas europeias, está no centro das preocupações. A soja adquirida de fornecedores da Bunge alimenta rebanhos de produtores de carne alemães, ligando-os diretamente a essas violações. A Bunge é líder mundial em processamento de grãos e oleaginosas e um dos principais produtores e fornecedores de farinha de trigo, óleos, gorduras e proteínas vegetais especiais e atuam em, 40 países, inclusive no Brasil.
Segundo Sascha Müller-Kraenner, CEO da DUH, as empresas alemãs produtoras de carne têm a responsabilidade de implementar sistemas rigorosos de monitoramento para assegurar que suas cadeias de suprimento estejam isentas de violações ambientais e sociais. “Essas empresas devem respeitar os direitos humanos e adotar tecnologias que promovam a transparência”, afirma Müller-Kraenner. A falta de comprometimento efetivo representa uma ameaça não apenas para o Cerrado, mas para a segurança hídrica e climática da Alemanha e de outros países.
Foto: Reprodução
Responsabilidade Compartilhada
De acordo com a Lei de Devida Diligência da Cadeia de Suprimentos, as empresas alemãs são obrigadas a realizar uma análise de risco para identificar possíveis violações de direitos humanos em seus fornecedores diretos e indiretos. Kaja Blumtritt, assessora jurídica e política da ClientEarth, ressalta que a negligência desses conglomerados em abordar os riscos ligados à soja brasileira fere diretamente a legislação vigente.
“Dada a riqueza de informações sobre os riscos ambientais e de direitos humanos associados à soja brasileira, as empresas de carne devem tomar medidas urgentes para garantir que não estejam contribuindo para a grilagem de terras, o deslocamento de comunidades, o desmatamento e a destruição mais ampla do ecossistema por meio de suas cadeias de fornecimento de soja”.
Para ela, não há registro de que isso esteja acontecendo no caso dessas três empresas – apesar das evidências convincentes e crescentes de fatores de risco. Esse tipo de falha equivaleria a uma violação da lei – é por isso que estamos pedindo à autoridade de execução que intervenha e investigue mais profundamente
Supermercados alemães, como Aldi, Lidl e Edeka, também são alvo de preocupações, uma vez que a comercialização de carne proveniente de produtores que não aderem a práticas de sustentabilidade pode deixá-los em posição de risco legal e reputacional.
Para Alex Wijeratna, diretor sênior da Mighty Earth, a destruição do Cerrado e o impacto negativo na vida das comunidades indígenas exigem uma resposta urgente das autoridades alemãs. “O Cerrado desaparece a um ritmo três vezes mais acelerado do que a Amazônia, e essa expansão desenfreada é liderada pela Bunge e apoiada pelas gigantes de carne alemãs. A BAFA deve intervir e garantir que a legislação seja respeitada.”
Papel central da soja brasileira na produção de carne alemã
Os resultados do novo relatório ressaltam o papel central do Cerrado como um dos principais fornecedores de soja para a produção de carne alemã. Estudo do Mapbiomas de 2023 mostra que 48% da soja produzida no Brasil provém do Cerrado, o que tem contribuído significativamente para o desmatamento, intensificando mudanças climáticas que afetam não apenas o Cerrado, mas a capacidade de produção de soja e outros alimentos em todo o mundo.
No relatório é citado o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), parceiro do estudo do Mapbiomas, que reforça a gravidade da situação. De acordo com o ISPN a expansão da soja no Cerrado da forma como tem ocorrido é bastante preocupante, pois sacrifica a natureza, a biodiversidade e as populações locais para atender as demandas de mercado do Norte Global. Para que o Cerrado e suas populações sejam realmente protegidos, todos os produtores e indústrias precisam aderir e se comprometer com as devidas diligências, não apenas algumas empresas. “Estamos horrorizados, testemunhando como a produção industrial de soja para exportação, incluindo para a Europa, está se expandindo como um câncer incontrolável no Cerrado. Natureza, biodiversidade e pessoas estão sendo implacavelmente sacrificadas para o consumo do Norte Global”, atesta o ISPN.
As ONGs alemãs esperam que a pressão exercida sobre a Bafa leve a uma investigação que responsabilize as empresas por falhas na devida diligência em suas cadeias de suprimento. Também se espera que a fiscalização sobre os impactos globais de suas operações se torne mais rigorosa, gerando adequação dos produtores de soja do Cerrado e a redução da abertura de novas áreas, reduzindo o ritmo do desmatamento.
“Estamos horrorizados, testemunhando como a produção industrial de soja para exportação, incluindo para a Europa, está se expandindo como um câncer incontrolável no Cerrado. Natureza, biodiversidade e pessoas estão sendo implacavelmente sacrificadas para o consumo do Norte Global.”
* Com informações da ClientEarth, Deutsche Umwelthilfe (DUH) e Mighty Earth