AMBIENTE

Mais de 40% dos resíduos urbanos tiveram destinação inadequada em 2023

Lixões receberam 35% do total de resíduos sólidos urbanos gerados no país. Modelo de “gestão” poderá custar quase R$ 170 bi por ano em 2040
Por Gilson Camargo / Publicado em 10 de dezembro de 2024
Mais de 40% dos resíduos urbanos tiveram destinação inadequada em 2023

Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

Lixão da Estrutural, em Brasília, chegou a ser o maior da América Latina; encerrado em 2018, foi substituído por aterro sanitário

Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

Apenas 58,5% dos resíduos sólidos urbanos gerados em 2023 foram encaminhados para destinação ambientalmente adequada, aponta o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2024, divulgado pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema). De acordo com o estudo, 41,5% do que os brasileiros descartaram e encaminhado para disposição final tiveram destinação inadequada, como os lixões, que receberam 35,5% dos resíduos gerados no país.

O relatório com os dados divulgados chama a atenção para o não cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída em 2018 pela Lei 12.30, que estabelecia o ano de 2024 como prazo final para o encerramento definitivo dos lixões no país.

“Além de apresentar riscos ao meio ambiente equilibrado e à saúde pública, esse cenário revela que o gerenciamento de resíduos no Brasil ainda está distante de atender as diretrizes determinadas pela PNRS”, destaca o documento, que aponta ainda avanço em relação ao ano de 2022, quando o percentual de destinação adequada foi de 57%.

“Essa redução sugere um avanço pequeno, porém positivo, no gerenciamento de resíduo sólido urbano no país, com um aumento da fração de resíduos que é encaminhada para outros processos e disposição final ambientalmente adequada”, ressalta o relatório.

Fim dos lixões

Mais de 40% dos resíduos urbanos tiveram destinação inadequada em 2023

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

País gerou 81 milhões de toneladas de resíduos em 2023

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

A partir de 2 de agosto, o Brasil não deveria mais ter lixões. É o que determina a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305, de 2010) ao estabelecer prazos para o cumprimento da norma, de acordo com o tamanho dos municípios.

Em 2024, ano que marca o limite de tempo para as prefeituras realizarem as adaptações necessárias, o país ainda mantém esses depósitos de lixo a céu aberto, sem qualquer tipo de controle ambiental, sanitário ou de segurança. Levantamento do Sistema Nacional de Informações em Saneamento, do Ministério das Cidades, mostra que 1,5 mil lixões continuavam funcionando em 2022, ano de coleta dos dados.

De acordo com a regra original, os rejeitos – lixo que não pode ser reaproveitado – deveriam ter destinação final ambientalmente adequada até o último dia de 2014. Em 2015, o prazo geral foi prorrogado para 2020. No entanto, para os municípios que possuem uma política local sobre o tema e serviços saneamento básico com as contas equilibradas, a data-limite era maior, entre 2021 e 2024 – neste último ano, restavam os municípios que possuíam menos de 50 mil habitantes em 2010.

Cada basileiro gera mais de 1 kg de lixo sólido por dia

De acordo com a estimativa apresentada no panorama, em 2023, o brasileiro gerou, em média, 1,047 quilos de resíduos sólidos urbanos por dia, o que leva a uma geração equivalente a mais de 221 mil toneladas de resíduos e de 81 milhões de toneladas ao longo do ano, em todo o país.

A região brasileira responsável pelo maior volume de resíduo sólido urbano é o Sudeste, que gerou no ano passado quase 40 milhões de toneladas, representando 49,3% do total gerado no país.

A Região Norte foi a que menos gerou resíduos, tendo sido responsável por 7,5% do total no país, com produção de 16,5 mil toneladas diárias e pouco mais de 6 milhões de toneladas em todo ano.

Em números absolutos, o Centro-Oeste foi responsável por 7,7%, a Região Sul, por 10,8%, e o Nordeste, por 24,7% do total de resíduos sólidos urbanos do país.

Ao todo, foram coletadas 75,6 milhões de toneladas do resíduo gerado no país em 2023, o que representa 93,4%, cabendo aos serviços públicos o recolhimento de cerca de 71,1 milhões de toneladas, a partir da coleta porta a porta, em pontos de entrega, da parceria com associações de catadores e cooperativas, o equivalente a 87,8% do que foi gerado. E 4,5 milhões de toneladas, 5,6%, foram coletadas pela atividade informal de mais de 700 mil catadores autônomos.

Não foram coletados 6,6%, sendo que cerca de 5,7% dos resíduos gerados no país em 2023, aproximadamente 4,6 milhões de toneladas, foram queimados a céu aberto na propriedade em que tiveram origem.

Mais de 40% dos resíduos urbanos tiveram destinação inadequada em 2023

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Trabalhadores informais respondem por quase 70% da coleta e reciclagem de resíduos

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Coletores informais reciclam mais de 67% dos resíduos

Do total de material descartado que recebe destinação ambientalmente adequada, 8% dos resíduos secos são encaminhados para a reciclagem. São mais de 6,7 milhões de toneladas, que em 2023 foram avaliados para serem reinseridos na cadeia produtiva, sendo que a maior parte desse encaminhamento, 67,2% foi realizada por coletores informais e apenas 32,8% pelos serviços públicos de coleta, associações e cooperativas.

No ano passado, 0,4% dos resíduos sólidos urbanos gerados no país foram encaminhados aos pátios ou usinas de compostagem do país, o que equivale a cerca de 300 mil toneladas, das quais, após triagem e processo de compostagem, resultaram na produção de 85,5 mil toneladas de composto orgânico.

Também foram recebidas 144,2 mil toneladas de RSU nas unidades de preparo de combustível derivado de resíduos urbanos do Brasil, menos de 0,2% do total gerado, que resultou no uso de 47,6 mil toneladas para produção de energia térmica em fornos industriais, como alternativa aos combustíveis fósseis.

Despesas

De acordo com o estudo, no último ano, os municípios brasileiros gastaram R$ 34,7 bilhões com gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos, As despesas incluem serviços como varrição de vias, limpeza de áreas públicas, coleta, transporte, tratamento e disposição final de resíduos e rejeitos. Quando as despesas incluem gastos privados o valor total sobe para R$ 37 bilhões, o que corresponde a um incremento de 9,4% em relação aos gastos públicos e privados para o setor, em 2022.

O setor de gestão de resíduos sólidos urbanos também empregou 386 mil pessoas no ano passado, sendo a maioria, 93%, nas atividades finalísticas, como varrição, capina, roçada, ou nas unidades de processamento e 7% em cargos administrativos.

“A análise objetiva desses dados indica quais soluções terão maior impacto no gerenciamento de resíduos sólidos urbanos e quais devem ser priorizadas – e onde. Essa análise também permite estimar os custos e investimentos necessários para que as soluções escolhidas sejam implementadas e tenham continuidade”, conclui o relatório.

Gestão poderá custar R$ 168,5 bi por ano

Mais de 40% dos resíduos urbanos tiveram destinação inadequada em 2023

Foto: Wilson Dias /Agência Senado

Caso não haja mudança nos padrões de produção, consumo e descarte de materiais, a geração de resíduos sólidos domiciliar no mundo deve crescer 80% até 2050, passando de 2,1 bilhões de toneladas ao ano para 3,8 bilhões

Foto: Wilson Dias /Agência Senado

Estudo elaborado pela consultoria internacional S2F Partners indica que, se o Brasil continuar a gerir os resíduos como atualmente, a partir de 2040, os custos totais diretos e indiretos ficarão em torno de R$ 137 bilhões por ano, dos quais R$ 105 bilhões corresponderão às externalidades.

Se a tendência se mantiver até 2050, os custos passarão de R$ 168 bilhões, dos quais R$ 130 bilhões serão externalidades, explica a consultoria, especializada em gestão de resíduos e economia circular. Até 2020, a gestão de resíduos no Brasil custou R$ 120 bilhões, sendo que R$ 30 bilhões referem-se aos custos diretos dos serviços de gestão de resíduos no país. Os R$ 90 bilhões restantes são os custos com as externalidades.

As externalidades são os custos indiretos decorrentes do modelo atual, no qual há baixa reciclagem, sem coleta integral dos resíduos gerados, e com a destinação irregular de 30 milhões de toneladas de resíduos encaminhadas anualmente a lixões e aterros controlados. Essa prática causa a contaminação do solo, polui o ar e as águas, causando impactos na saúde humana e nas condições ambientais, e contribuindo de maneira significativa para a perda da biodiversidade e aquecimento global.

Segundo Carlos Silva Filho, um dos autores do estudo, o alcance das metas do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares) em 2040, que contempla o encerramento dos lixões e o aumento da reciclagem para 50%, resultaria na redução de mais de 80% dos custos totais na comparação com os gastos atuais da gestão de resíduos, já considerando as externalidades, fator ignorado nos estudos.

De acordo com o relatório, se as metas do Planares forem atingidas, o custo total da gestão de resíduos sólidos no Brasil em 2040 será de pouco mais de R$ 22,5 bilhões por ano, com ganhos de mais de R$ 40 bilhões por ano. Se extrapolar o avanço no percentual de reciclagem para 55% em 2050, o custo total cairá para cerca de R$ 15 bilhões.

“Se considerarmos somente as metas do Planares para 2040, que incluem o encerramento dos lixões, o aumento de metas de reciclagem, o aproveitamento de orgânicos e o aprimoramento do aterro sanitário para captação de gás e produção de energia ou combustível, já será possível reduzir o impacto da má gestão e ainda gerar ganhos com a reciclagem de materiais”, explica Silva Filho.

*Com Agência Brasil e Agência Senado.

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