O bioma Pampa perdeu 3,3 milhões de hectares para a soja e para a silvicultura
Foto: Gustavo Gargioni/Palácio Piratini
Foto: Gustavo Gargioni/Palácio Piratini
A porção brasileira do Pampa, localizada ao sul do Rio Grande do Sul, perdeu 28% da sua vegetação nativa entre 1985 e 2023, de acordo com os dados mais recentes da Coleção 4 do MapBiomas Pampa Trinacional, que monitora o uso e a cobertura da terra na região Pampeana do Brasil, Argentina e Uruguai. Trata-se de uma espécie de raio-x do que está acontecendo com a natureza no sul do país.
Foi a maior taxa de perda de biodiversidade na comparação entre os três países nesse período. Proporcionalmente ao seu tamanho, o Pampa brasileiro também foi o que mais perdeu vegetação nativa entre todos os biomas brasileiros desde 1985. A conversão foi impulsionada principalmente pela expansão do cultivo de soja e também pelo crescimento da silvicultura.
Em números absolutos, o Pampa do Brasil perdeu 3,3 milhões de hectares de vegetação nativa, o equivalente a 66 vezes a área do município de Porto Alegre. A vegetação mais afetada foram os campos, a vegetação típica do bioma, formada por centenas de espécies de gramíneas e ervas – também denominada de vegetação campestre. A conversão dos campos para usos antrópicos, quando em excesso, causa diversos prejuízos ambientais como a extinção local de espécies e o comprometimento de de importantes serviços ecossistêmicos, como o controle da erosão e a regulação do ciclo da água.
De acordo com Eduardo Velez, pesquisador do MapBiomas, este é o quarto levantamento realizado com satélites e a cada ano melhora qualidade e detalhamento dos mapas. “A gente transforma os dados do satélite num mapa que diz onde tinha agricultura, vegetação florestal, vegetação campestre, banhados. Enfim, áreas naturais e áreas ocupadas pela transformação do homem”, explica.
Além do avanço da soja, destaca-se o crescimento exponencial das área.s de silvicultura no Brasil, que aumentaram 1600% em 39 anos, passando de 44 mil hectares em 1985 para 773 mil hectares em 2023. “Nos últimos dez anos, a perda da vegetação campestre no Brasil tem inclusive aumentado, configurando um cenário ambiental e uma tendência para os próximos anos muito preocupante”, diz Velez.
A nova Coleção 4 apresenta mapas anuais detalhados para toda a região Pampeana, trazendo informações ainda mais precisas e atualizadas sobre uma das últimas regiões do mundo ainda cobertas por vegetação campestre nativa. O monitoramento utiliza imagens de satélite da série Landsat, processadas na plataforma Google Earth Engine, com dados abertos e acessíveis ao público.
Falta eco nas autoridades
Not available
Apesar de todos os anos os levantamentos mostrarem o avanço da monocultura de soja e das lavouras de árvores exóticas estas informações geradas pelos cientistas não se transformam em políticas efetivas para mitigar o problema, lamenta Velez. “Todos os anos a gente expõe os dados. Há repercussão na imprensa. Mas os atores públicos e privados que podem fazer alguma coisa, infelizmente não incorpora essa temática na busca de soluções. Faltam políticas públicas dos âmbitos federal e estadual”, lamenta. Um dos principais empecilhos é que grande parte da área do Pampa é privada. E, se não há políticas de fomento para que as atividades sustentáveis sejam mantidas, caso da pecuária de extensão e turismo ecológico, os proprietários das terras acabam cedendo ás leis de mercado e optando por atividades de maior rentabilidade, mesmo que não sustentáveis.
“Qualquer bioma que sofre grandes transformações, a gente chama isso de problemas de ordenamento territorial. Como as mudanças são definidas pelas leis de mercado a partir das decisões individuais de cada proprietário rural. Se não tem uma política de planejamento há o desestímulo. Então, temos de um lado, produtores rurais que abandonam a pecuária em prol da agricultura, que naquela região é ruim. Porque a pecuária ali é sustentável, além de manter a vegetação campestre. e essa decisão de abandonar a pecuária e ir pra soja em escala individual ela não chega a ser um problema. Mas se isso for a decisão de milhares de proprietários, se leva o bioma para uma situação muito complicada” pondera.
“Com isso, temos desde o privado, que aposta naquilo que dá mais retorno ou retorno mais imediato (soja e silvicultura), abandonando uma atividade econômica que é positiva para a região. E o que falta é analisar este cenário e promover atividades sustentáveis com iniciativas políticas, visando desenvolvimento econômico da região. Falta uma política pública que apoie a cadeia da carne, com agregação de valor, com mercado de venda diferenciado”, sugere.
Ele justifica que a pecuária do Pampa não emite carbono, nem causa desmatamento, pois pode ser praticada em campo nativo. “A comida do gado é grátis”, argumenta o pesquisador. E a região também sofre uma mudança cultural. “O gaúcho só é gaúcho por causa da lida campeira e que tem uma relação direta com o gado. Isso se reflete na música, na indumentária, na poesia, na gastronomia. Então, veja quanta coisa é posta em risco. “Nós estamos alertando, mas não vemos eco nas autoridades”.
Bioma negligenciado
Um dos maiores desafios, segundo Velez, é que o Brasil é um país continental. “Estamos vendo o mesmo acontecer em termos proporcionais no Cerrado, mas como o Cerrado é gigante o problema é muito maior em termos de área absoluta e fica mais visível. E tem mais a questão da redução do desmatamento da Amazônia para dar conta. Acaba que o Brasil é muito grande o Pampa muito pequeno. A gente acaba ficando meio na marginalidade. Não é o foco central da preocupação do governo. É como se fosse um bioma negligenciado”.
Arte: MapBiomas
Arte: MapBiomas
Uruguai como exemplo
De acordo com o pesquisador, o Uruguai pode ser um exemplo para os gaúchos, porque eles acreditam na pecuária e valorizam muito a atividade. “Apesar do Brasil ter uma pecuária forte, não vemos este protagonismo na pecuária aqui do Sul. Ao contrário da pecuária do centro-oeste, a do Pampa não emite carbono nem desmata. Isso tem valor agregado no produto, na cadeia da carne e até na produção leiteira”, reitera.
O mesmo estudo destaca outros três aspectos:
- Superfície remanescente: Em 2023, apenas 8,4 milhões de hectares de vegetação nativa resistem no Pampa do Brasil (43% do bioma).
- Vegetação nativa: além da vegetação campestre, os mapas mostram a distribuição das florestas e das áreas pantanosas no bioma.
- Bioma em transformação: Desde a colonização europeia, , 45% do Pampa brasileiro já foi convertido em áreas com agricultura ou silvicultura.Desse total, 28% do bioma foi transformado antes de 1985 e 17% entre 1985 e 2023.
Sobre MapBiomas Pampa Trinacional: iniciativa que envolve uma rede colaborativa de instituições da Argentina (Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria-INTA, Universidad de Buenos Aires e a ONG Fundación Vida Silvestre Argentina), Brasil (Universidade Federal do Rio Grande do Sul e GeoKarten) e Uruguai (Faculdade de Agronomia e Faculdade de Ciências da Universidad de la República, Instituto Nacional de Investigación Agropecuaria-INIA e Ministério do Ambiente). O projeto utiliza imagens de satélite Landsat (30 x 30 metros de resolução) e computação em nuvem por meio da plataforma Google Earth Engine (GEE) para produzir mapas anuais de cobertura e uso da terra com alta tecnologia e baixo custo. A Coleção 4 destes mapas do MapBiomas Pampa Sul-Americano (1985-2023) abrange 109,2 milhões de hectares do bioma que ocupa 6,1% da América do Sul. A plataforma pode ser acessada em pampa.mapbiomas.org. As coleções do MapBiomas estão em contínuo desenvolvimento e aprimoramento.
Sobre MapBiomas: iniciativa multi-institucional, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, focada em monitorar as transformações na cobertura e no uso da terra no Brasil, para buscar a conservação e o manejo sustentável dos recursos naturais, como forma de combate às mudanças climáticas. Esta plataforma é hoje a mais completa, atualizada e detalhada base de dados espaciais de uso da terra em um país disponível no mundo. Todos os dados, mapas, métodos e códigos do MapBiomas são disponibilizados de forma pública e gratuita no site da iniciativa: mapbiomas.org.
O metro quadrado mais rico em plantas do Brasil fica no Pampa
Na última terça-feira, 17 de dezembro, Dia do Bioma Pampa, o grupo de pesquisa do Laboratório de Estudos em Vegetação Campestre da Ufrgs (Leveg) divulgou um dado inédito sobre a diversidade do Pampa, obtido, recentemente, em atividades de campo no município de Jaguarão, Rio Grande do Sul: um metro quadrado de campo nativo com 64 espécies de plantas.
Este é um dos resultados do PPBio Campos Sulinos – Pampa, um projeto nacional que visa ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade brasileira e subsidiar políticas públicas voltadas para a conservação e uso sustentável dos recursos naturais.
PPBio é o Programa de Pesquisa em Biodiversidade do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Políticas públicas
Pecuária é compatível com o Pampa
O Pampa brasileiro, uma região de campos nativos sob clima subtropical, abriga pelo menos 12.503 espécies de plantas, animais, fungos e bactérias, como foi revelado em um estudo publicado em 2023, coordenado pelo professor Gerhard Overbeck, da Ufrgs e com a colaboração de 120 pesquisadores de 60 instituições. Além de sustentar tamanha biodiversidade, os campos nativos fornecem importantes serviços ecossistêmicos para as pessoas, como abastecimento de água, armazenamento de carbono, alimentos e forragem. Ainda mais, o Pampa tem elevado valor cultural.
A expansão de lavouras anuais (como soja e arroz) e de monoculturas de árvores exóticas (por exemplo, pínus e eucalipto) é a principal causa da perda dos campos nativos, apesar do potencial produtivo dos mesmos. “A pecuária extensiva em campo nativo é, comprovadamente, uma atividade econômica que é compatível com a conservação da biodiversidade”, ressalta Overbeck.
“Temos, com os campos do Pampa, a possibilidade de produzir carne de alta qualidade com base na vegetação nativa, sem degradar o meio ambiente. No Pampa, o gado é aliado à conservação da biodiversidade, e o uso pastoril do Pampa deve ser incentivado.” A conversão em monoculturas, no outro lado, reduz não só a biodiversidade, mas também a multifuncionalidade da paisagem, assim reduzindo também os serviços ecossistêmicos que são base para a qualidade de vida humana, e também para a própria produção agrícola.
Os pesquisadores concluem que, para garantir a conservação e o uso sustentável do Pampa, são necessárias políticas públicas que incentivem a manutenção dos campos nativos e o seu uso, além da implementação das exigências legais já existentes, como o Cadastro Ambiental Rural e os Programas de Regularização Ambiental.
Leia também:
Plano Clima Participativo define propostas para proteger o Bioma Pampa