Conferência do clima tem baixa adesão de municípios gaúchos
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Foto: Maurício Tonetto/Secom
Enchentes no RS atingiram 78% dos municípios no início de maio de 2024, mas a tragédia parace não ter despertado o interesse das prefeituras em debater o enfrentamento do aquecimento global
Foto: Maurício Tonetto/Secom
Dos 20 municípios gaúchos com maior percentual da população em domicílios atingidos pela pior enchente da história do Rio Grande do Sul que ocorreu em maio de 2024, cinco cidades ainda não participaram da 5ª Conferência Nacional do Meio Ambiente (CNMA) deste ano. As etapas preparatórias da conferência foram organizadas em dois grupos: conferências municipais e intermunicipais e conferências livres, cujo prazo de inscrição foi encerrado em 26 de janeiro.
Com o propósito de promover a ampla participação da sociedade, especialmente das populações que vivem em territórios e condições de maior vulnerabilidade, a Conferência tem como tema central a emergência climática e o desafio da transformação ecológica.
Quinze cidades das 20 com maior percentual da população afetada pela tragédia climática do ano passado aparecem cadastradas no Portal Gov.br do governo federal para as conferências do RS. Os dados foram obtidos em comparação ao Mapa Único Plano Rio Grande (MUPRS), elaborado e divulgado pelo governo do estado.
Entre os cinco municípios que não estão cadastrados na etapa inicial, estão Roca Sales, Guaíba e Muçum, que teve 66% da população atingida pela enchente de 2024; já em Roca Sales, o impacto foi sobre 20% e em Guaíba, 24% da população foi diretamente atingida pela enchente.
Questionada a respeito, a prefeitura de *Muçum informou que “estará presente na 1ª Conferência Intermunicipal de Meio Ambiente do Vale do Taquari, que ocorrerá no dia 12 de fevereiro, no Auditório do Prédio 11 da Univates, a partir das 8h. Essa conferência é uma das etapas preparatórias para a 5ª Conferência Nacional de Meio Ambiente, com foco na temática Emergência Climática: os desafios da transformação ecológica.
Ainda segundo a prefeitura, “a participação de Muçum é uma oportunidade para contribuir com estratégias de adaptação, preparação, mitigação e estruturação contra os eventos climáticos extremos que têm afetado o município e a região”.
Conforme a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), a convocação das conferências municipais, intermunicipais e livres era até 15 de janeiro, e a realização até 15 de fevereiro.
Em nota, a prefeitura de Roca Sales atribui a ausência na CNMA à gestão anterior. “Não temos informações precisas sobre os motivos. No entanto, a administração atual está fortemente comprometida com a pauta ambiental, participando ativamente dos debates e iniciativas voltadas às emergências climáticas e à construção de soluções sustentáveis para o município”, afirma. A prefeitura de Guaíba não respondeu.
Filho do prefeito
Porto Alegre não aparece na lista dos municípios mais afetados, já que conforme classificação do mapa RS 12% da população da capital teria sido atingida diretamente pela tragédia.
A conferência na capital foi marcada por muita confusão, protestos e denúncias devido à presença em massa de servidores da prefeitura em cargos em comissão, eleição de delegados que não participaram dos debates e falta de consensos devido a interferências de representantes do Executivo.
A professora e ambientalista Cínthia Bordini relata que a conferência em Porto Alegre foi realizada, de fato, mas teria sido só de “fachada”. Segundo ela, nem o prefeito Sebastião Melo nem os vereadores da base do governo compareceram.
“Deus do céu! O filho do Melo está inscrito como Delegado! O Melo não apareceu nem os vereadores deles. Os delegados foram inscritos e eleitos pelos CCs”, denunciou em um video.
Guerra dos números
Inicialmente, um levantamento do Instituto Internacional Arayara mostrou que apenas 37 conferências foram cadastradas pelas prefeituras, o que representa 7,4% dos 497 municípios gaúchos.
Contudo, a Sema refuta os dados e informa que, na contabilização do governo do estado, 182 municípios já realizaram ou confirmaram que vão realizar as conferências. Isso representa participação de 37% dos municípios gaúchos.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, para a 5ª CNMA, foram cadastradas 1.486 reuniões no país, até o dia 5 de fevereiro. Destas, apenas 67 são gaúchas.
Para o diretor técnico do Instituto Arayara, Juliano Araújo, a baixa adesão reflete falta de engajamento das administrações municipais na construção do debate sobre questões ambientais, especialmente considerando os desafios climáticos enfrentados pelo estado, como as inundações, estiagens e temporais severos.
O engenheiro ambiental e gerente de Transição Energética do Arayara, John Wurdig, lamenta que, mesmo após a maior tragédia climática do país no RS, as prefeituras não demonstrarem maior interesse em colaborar para a construção da 5ª Conferência Nacional do Meio Ambiente, nem da 5ª Conferência Estadual de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, marcada para os dias 11 e 12 de março de 2025.
Embora as conferências regionais tenham grande importância, elas ainda enfrentam dificuldades em assegurar uma representatividade real e uma participação popular significativa dos municípios gaúchos, avalia Wurdig.
“Esse cenário se deve, principalmente, ao baixo número de participantes registrados nesses eventos”, ressalta.
Barreiras
Para o integrante do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Fernando Meirelles, a baixa participação nas conferências municipais da 5ª CNMA se deve a múltiplos fatores, a começar pelo objetivo do encontro, que é “apontar soluções” para uma questão global e extremamente complexa. “O poder executivo é o responsável pela organização, mas o protagonismo proposto é o da população. Para alguns municípios isso poderia ser encarado como um terceiro turno das eleições”, aponta Meirelles.
“Se a proposta do governo federal era ter uma maior participação, deveria ter pensado em formas mais claras e efetivas de apoiar a realização das conferências municipais, seja por financiamento, seja por vinculação à obtenção de recursos orçamentários para novas ações propostas pelos prefeitos e prefeitas”, pondera.
O contexto atual é de questionamento da Constituição de 1988 por parte de alguns setores econômicos, políticos e membros da sociedade civil, pontua Milton Cruz, pesquisador colaborador do Observatório das Metrópoles.
“Essa parcela da sociedade acredita que a regulação e o controle previsto na Constituição atrapalham o desenvolvimento da sociedade. O planejamento das cidades que deveria organizar o território de modo a minimizar os conflitos sociais, equilibrar o ambiente construído com o ambiente natural, e garantir eficácia para as funções urbanas (como a da mobilidade urbana) deixou de ser prioridade para grande parte das prefeituras”.
Para ele, se o planejamento e as ações de proteção não forem feitos, vai-se reproduzir a maior parte dos erros, cometidos até aqui, na reconstrução das cidades e regiões atingidas pela enchente de 2024. Ressalta ainda que é preciso mudar o paradigma do que se entende por desenvolvimento econômico, social e as práticas governamentais diante da nova realidade climática.
O pesquisador explica que a crise climática e seus eventos extremos vêm impactando mais frequentemente e intensamente as cidades, que cresceram muito desde o início da Revolução Industrial. Isto exige mudanças profundas no processo de planejamento urbano, na participação da sociedade, e na prática dos políticos, dos governantes e do setor privado. “O sistema econômico e político envelheceu, e se mostra incapaz de garantir bem-estar para a sociedade e perspectivas de futuro para as crianças e os jovens. A sociedade vai ter que inventar uma forma de desmontar a ilusão de que o modelo de crescimento econômico atual é o único possível e inevitável”, aponta Milton Cruz.
De acordo com o MUPRS, dos 20 municípios gaúchos com maior percentual da população em domicílios particulares atingidos, cinco não participam das conferências sobre o clima
Sem registro na CNMA
*Muçum
Roca Sales
Santa Tereza
Relvado
Guaíba
Aparecem na CNMA
Eldorado do Sul
Canoas
São Leopoldo
São Sebastião do Caí
Marques de Souza
Cruzeiro do Sul
Triunfo
Pareci Novo
São Jerônimo
Estrela
Arroio do Meio
Nova Santa Rita
Porto Alegre
Forquetinha
Colinas
Charqueadas