Castro Alves nasceu em março de 1847, numa fazenda pastoril baiana. Seu pai, o médico Antônio José Alves, filho de um comerciante lusitano pobre, casou-se com Clélia Brasília Castro, filha natural de um rico fazendeiro. Na época, o Brasil era a maior nação escravista do mundo. Em 1854, a família Castro mudou-se para Salvador, onde Antônio José dedicou-se à clínica de homens livres e escravizados. Quatro anos antes, terminara o tráfico transatlântico de cativos, o que não debilitara o dinamismo da produção negreira.
No Brasil, reinava a cafeicultura escravista sediada no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Porém, apesar da crise da produção açucareira, a Bahia possuia ainda a segunda população escravizada, com 300.000 cativos. O Rio de Janeiro e a Corte possuiam meio milhão de escravos. Em 1858, aos 11 anos, Castro Alves foi matriculado no Ginásio Baiano. Seu proprietário destacaria-se pela idéias reformistas, introduzindo o ensino gradual e concomitante das matérias e o aprendizado do português a partir dos grandes mestres, e não mais do latim. A grande inovação pedagógica de Abílio Borges foi a substituição do castigo físico pela emulação estabelecida através de competições literárias.
MULTIDÕES DE NEGROS – A sociedade senhorial e ilustrada baiana era a ponta exposta do imenso iceberg escravista. As ruas de Salvador regurgitam de africanos, cativos ou libertos, vestidos com coloridos turbantes e panos da costa. Eles trabalhavam nos serviços doméstico, nos transportes, nos mercados, nas armações, etc. Na cidade, falavam-se línguas da Costa e vivia-se segundo padrões africanos aclimatados ao Brasil.
A existência do cativo urbano era dura – ainda que fosse melhor do que a do negro rural. Os senhores estabeleciam estratégias de captação social e de controle ideológico. Porém, sem a violência do castigo, a massa escrava não se manteria na submissão. Em Salvador, doze anos antes do nascimento de Castro Alves reprimira-se a mais importante revolta urbana de cativos na América.
Em sua excelente bibliografia – ABC de Castro Alves – Jorge Amado lembra pertinentemente que a onipresença da população escrava de Salvador determinou a formação de Castro Alves. Porém, tal fato não era comum. Então, era absoluto o consenso das elites sobre a manutenção da escravidão, sendo que as raquíticas “classes médias” submetiam-se simplesmente a tal opinião.
NACIONALIDADE – Não sabemos quando Castro Alves escreveu sua primeira poesia sobre a questão servil. Com treze anos, declamou durante o “outeiro” dedicado ao aniversário do proprietário do Ginásio Baiano, poesia destacando a abolição do castigo físico como recurso pedagógico. No ano seguinte, em 1861, em homenagem à Independência, referiu-se à escravidão, apresentando-a como contingência histórica e insinuando a contradição entre cativeiro e nacionalidade.
Em janeiro de 1862, com 15 anos, ele e seu irmão mais velho partiam para Recife para inscreverem-se no curso preparatório à Escola de Direito. Nesse ano, publicou a poesia “Destruição de Jerusalém”, no Jornal do Recife, alcançando seu primeiro sucesso de público. Em 1863, dedicando-se pouco aos estudos e muito à poesia, foi reprovado no curso preparatório. Em maio, com 16 anos, publicou seus primeiros versos claramente abolicionistas. No seu poema romântico e ingênuo “A canção do Africano”, cantou a nostalgia do cativo e colocou em contradição a África, sem escravidão, e o Brasil, pátria do escravismo.
“Lá todos vivem felizes
Todos dançam no terreiro;
A gente lá não se vende
Como aqui, só por dinheiro.”
Em 2 de julho de 1863, declamou poesia em homenagem ao transcurso do aniversário da expulsão dos portugueses da Bahia. A primeira parte do poema é dedicada ao “cativo”. Na quarta estrofe, põe na boca do escravo, ao morrer, seu grito de “vingança”. O poeta retomaria, com virulência, o tema do ódio servil.
“Um suor frio lhe passou nos membros…
No corpo a vida para sempre cansa.
Caiu por terra, mas lembrando o filho
Com os lábios hirtos repetiu – vingança.”
Ainda em 1865, quando a poesia anti-escravista de Castro Alves assumiu singular radicalidade, o movimento abolicionista praticamente inexistia. Então, imperava um estado geral de conformidade sobre a sorte dos cativos. Os escravistas toleravam, no máximo, discutir o emancipacionismo – extinção lenta, gradual e segura da ordem maldita.
A pregação abolicionista de Castro Alves não surgiu do nada. Nesses anos, importantes fenômenos minavam o escravismo. Em 1850, o fim do tráfico negreiro internacional determinara o encarecimento dos cativos, levando a que fossem vendidos, de todo Brasil, para o Centro-Sul cafeicultor. O que formaria bolsões não-escravistas, corroendo o consenso negreiro.
PÁTRIA ESCRAVISTA – Com a crise do regime colonial, o cativeiro fora extinto, sucessivamente, nas repúblicas hispano-americanas. Apoiada pela opinião internacional, surgiu no Brasil uma tímida opinião anti-escravista, entre a população livre. Em 1865, com o fim da guerra da Secessão, o Brasil tornou-se a única nação escravista independente.
Em agosto de 1865, em Recife, com 18 anos, Castro Alves compôs e declamou, durante a abertura dos cursos jurídicos, o poema libertário, anticlerical, democrático e abolicionista “O século”. Nele, cantava:
“Quebre-se o cetro do Papa.
Faça-se dele – uma cruz!
A púrpura sirva ao povo
Pra cobrir os ombros nus.
Que os gritos do Niágara
Sem escravos, – Guanabara
Se eleve ao fulgor dos sóis!”
A poesia concluia chamando a juventude à luta revolucionária anti-escravista:
Quem cai na luta com a glória,
Tomba nos braços da História,
No coração do Brasil!
Moços, do topo dos Andes,
Pirâmides vastas, grandes,
Vos contemplam séculos mil!
POVO NO PODER – Em fins de 1865, sob forte pressão emancipacionista, Pedro II apoiou a tímida proposta de emancipação do ventre escravo. O projeto não passou pelo Conselho de Estado. A guerra contra o Paraguai, iniciada naquele ano, serviu como pretexto para que nada se fizesse em relação à instituição. No início de 1866, na Bahia, Castro Alves fundou a associação abolicionista. Em novembro, o gover-no imperial, demagogicamente, decretou a liberdade dos cativos estatais que fossem lutar no Paraguai. Em dezembro, Castro Alves publicou vibrante poema contra a repressão policial de comício republicano – “O povo ao poder”.
A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias seu calor.em
Senhor!…pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça
Só tem a rua de seu…
Ninguém vos rouba os castelos
Tende palácios tão belos…
Deixai a terra ao Anteu.
Em fevereiro de 1867, o gabinete liberal submeteu ao Conselho de Estado, outra vez inutilmente, proposta de emancipação dos ventres, acrescida da abolição da escravidão em 1900, com indenização! No início do ano, em Recife, Castro Alves escrevia o drama Gonzaga ou a Revolução de Minas, onde identificava a abolição com a questão da independência e da nacionalidade.
Em 1868, em São Paulo, centro da produção escravista, compôs e recitou o seu maior poema abolicionista. Com “O navio negreiro”, referia-se alegoricamente à imensa nação que encobria com sua bandeira o cativeiro. Castro Alves lembrava a bastardia na nacionalidade brasileira enquanto a cidadania não compreendesse todos seus filhos.
“Auriverde pendã o da minha terra,
Que a brisa do Br asil beija e balança,
Estandarte que a l uz do sol encerra,
E as promessas di vinas da esperança…
Tu, que da liberd ade após a guerra,
Foste hasteado d os heróis na lança.
Antes te houvess em roto na batalha,
Que servires a u m povo de mortalha!”
AMOR CARNAL – A família de Castro Alves fora golpeada pela enfermidade de seu século – a tuberculose. Sua mãe morrera jovem e seu pai sofrera dos pulmões. Em meados de 1863, com apenas 16 anos, uma primeira hemoptise revela a Castro Alves que o mal também lhe alcançara. Talvez a enfermidade tenha contribuido para a intensidade com que se entregou à luta abolicionista. A mesma entrega nortearia sua vida amorosa.
Ao contrário dos poetas românticos de sua época, em geral castos cavaleiros que amavam platonicamente suas Dulcinéias, ao evocar os seios alvos ou morenos de seus amores, sabia exatamente do que tratava. Castro Alves escandalizaria sua sociedade ao viver, publicamente, com Eugênia Câmara, artista dramática de sucesso, mais velha e mãe de uma menina.
Em julho de 1868, Pedro II promoveu a substituição dos liberais pelos conservadores. A ação motivou forte agitação anti-escravista e liberal. Em setembro, numa época em que Castro Alves sofria os golpes causados pelo rompimento com a amada e pelas dificuldades do abolicionismo, feriu-se gravemente, no calcanhar, com um disparo acidental, quando caçava, no Braz, em São Paulo.
Em meados de 1869, o governo proibiu a separação da mãe escrava dos filhos menores de 15 anos e pôs fim aos leilões públicos de cativos – os privados, eram permitidos. Em junho, Castro Alves, gravemente doente dos pulmões, e com seu ferimento gangrenado, teve o pé ferido amputado, em operação realizada na Corte, sem clorofórmio, devido a sua fraqueza. Em novembro, embarcou para a Bahia, e, em janeiro, viajou para o interior da província, buscando melhores ares.
Em inícios de 1870, com o fim da guerra do Paraguai, a discussão sobre a escravidão tornou-se questão ‘nacional’, debatida nos salões e nas praças públicas. Mesmo se sabendo condenado, Castro Alves planejava escrever poema-histórico sobre os Quilombos dos Palmares. Nos sertões, escreveu sua “Saudação a Palmares”, soberbo elogio da revolta negra e implacável crítica dos intelectuais vendidos ao poder.
“Cantem Eunucos devassos
Dos reis os marmóreos paços;
E beijem os férreos laços,
Que não ousam sacudir…
Eu canto a beleza tua,
Caçadora seminua!
Em cuja perna flutua
Ruiva a pele de um tapir”
Em outubro, Castro Alves via publicado seu primeiro livro – Espumas flutuantes.
Em maio de 1871, em hábil manobra, o governo imperial apresentou projeto de lei que determinava a emancipação dos filhos de mulheres escravizadas. Tratava-se de uma armadilha escravista. Segundo a lei, os ingênuos trabalhariam ainda para os senhores de suas mães, até os 21 anos, de graça. Em 6 de julho, Castro Alves morria, com 24 anos, em Salvador.
Por dez anos, o movimento emancipacionista refluiria para renascer, em inícios de 1880, exigindo o fim definitivo da escravidão. O que seria obtido, em 1888, após os trabalhadores escravizados abandonarem maciçamente as grandes fazendas de café, pondo fim à escravidão.