CULTURA

140 anos em cartaz

Thaís Bretanha / Publicado em 2 de junho de 1998

1858 Começa o espetáculo! No palco, o maestro Mendanha e João Ferreira Bastos comandam o drama Recordações da Mocidade, com a Companhia Ginásio Dramático Rio-grandense. Depois de 20 anos de espera, inaugurava-se o teatro da capital da Província gaúcha. Já, naquela época, com uma coleção de histórias para contar: Colocados os primeiros alicerces, a obra foi paralisada. Primeiro, a Revolução Farroupilha. Depois, as dificuldades financeiras para concluir a obra. Um ano após abrir as suas portas, o teatro foi fechado. A cidade de 20 mil habitantes religiosos aderiu ao ano da Quaresma e o divertimento não era permitido.

1973 Na porta principal do teatro, a sentença: interditado! Depois de décadas testemunhando a atividade cultural e histórica da cidade, o teatro, que passou por diversas administrações e reformas, já perdera parte de seu estilo original e as instalações passaram a oferecer risco para artistas e público. Dois anos depois, Eva Sopher aceita o convite do diretor do Departamento de Assuntos Culturais da Secretaria da Educação do Estado, Paulo Amorim, para coordenar o que ela define como reconstrução do prédio. Foram nove anos de batalhas em conjunto com a equipe do arquiteto Carlos Antonio Mancuso.

1984 A reinauguração aconteceu na data de aniversário do teatro: 28 de junho de 1984, com o espetáculo Piaf, apresentado pela atriz Bibi Ferreira. A intensa programação incluiu ainda espetáculos com o grupo de teatro de bonecos Cem Modos e o grupo Do jeito que dá, encenando o clássico porto-alegrense Bailei na curva, sobre as expectativas dos jovens da capital no final dos anos 60 e início dos anos 70, tendo como pano de fundo a ditadura militar.

1998 Bibi Ferreira volta ao palco do São Pedro para, junto com Paulo Gracindo Júnior, participar das comemorações dos 140 anos do teatro, com o espetáculo Brasileiro. Profissão: esperança, em sua terceira montagem dirigida pela atriz. Quase uma década e meia depois, o teatro mantém uma intensa programação cultural envolvendo as artes cênicas, espetáculos musicais e exposições de arte, sob a coordenação da presidente da Fundação Teatro São Pedro, Eva Sopher, carinhosamente chamada de dona Eva.

“…De vetusto e meio pesadão que era, ei-lo agora lépido, leve, quase aéreo, pronto a acolher a jovens de todas as idades, pois o amor à arte e à beleza é o segredo de não envelhecer.”, saudou o poeta maior deste estado, Mario Quintana, ao ver o velho teatro abrir as portas novamente, em 1984. Desde que foi inaugurado, o São Pedro recebeu personalidades do teatro, da música e da dança internacionais. Heitor Villa Lobos, Arthur Rubinstein, Zola Amaro, Magdalena Tagliaferro, Bidu Sayão, companhias como Les Comediens des Champs-Elisées e Compagnie Française de Jacques Mauclair, e atores brasileiros, como Procópio Ferreira, José Lewgoy, Walmor Chagas, Paulo Autran, Paulo Gracindo, Marília Pêra, Tonia Carrero, Fernanda Montenegro são alguns exemplos significativos.

Herdeira da paixão do pai (Procópio Ferreira) pelo teatro, a atriz Bibi Ferreira diz que é impossível não venerá-lo, amá-lo e visitá-lo cada vez que vem a Porto Alegre. “A organização desta casa faz os atores sentirem-se amados e respeitados. Depois de um trabalho árduo, o artista representa à altura do teatro que o recebe”, diz a atriz, para quem o São Pedro impregna calor humano “Ele é vitoriano, cheio de segredos, corredores misteriosos e escadas que não se sabe aonde vão levar”.

A atriz, como tantos outros artistas que passam pela casa de espetáculos, aponta um defeito apenas no teatro, mas de fácil compreensão: o tamanho da platéia. Pequeno na sua avaliação, já que estava de acordo com a população da cidade na época em que foi projetado e construído. Júlio Conte, o diretor gaúcho que coordenava o grupo Do jeito que dá e dirigiu Bailei na curva, avalia que o tamanho está adequado à nova tendência, que é de teatros e produções de menor porte, mas aponta a dificuldade de estacionar próximo ao teatro como o maior problema a ser resolvido.

Para Conte, que encenou o primeiro espetáculo local no São Pedro, após a reinauguração, o teatro é um marco na história do Estado e do Brasil. O sucesso Bailei na Curva foi a primeira peça teatral depois de Piaf a cumprir uma longa temporada neste palco, que o diretor considera o de melhor qualidade no país. “O São Pedro nunca vai perder o charme”, ressalta Conte, que levou outras peças no local, como Cabeça Quebra Cabeça e retornará, ainda este ano para uma temporada com Se meu Ponto G falasse.

Ao mesmo tempo em que considera que o teatro confunde-se com a história cultural do Rio Grande do Sul, o secretário estadual da Cultura, Nelson Boeira, destaca a sua personalidade, pela própria posição de destaque na geografia da cidade. “Estar junto ao Executivo, Legislativo e Judiciário mostra o quão relevante é o São Pedro para a cidade”, explica.

Boeira considera possível retraçar a história cultural do Estado através da entidade e ressalta o trabalho de dona Eva Sopher na restauração, que serviu como modelo para muitos outros prédios na capital e no interior, como o Margs e o próprio Correios e Telégrafos – futuro Memorial dos gaúchos. O secretário festeja também a capacidade de adaptação do teatro aos novos tempos, a ser concretizada com as obras de construção do anexo, ainda sem data definida para começar.

À espera da burocracia administrativa, o secretário da Cultura lembra que as novas instalações, conservadas as mesmas características do prédio já existente, contemplarão atividades que não podiam ser realizadas por falta de espaço, como salas de ensaios, cursos de teatro, dança e música, e resolverão o problema apontado por Júlio Conte: haverá um estacionamento próprio.

Administrado e mantido pela Fundação, o Theatro São Pedro é um órgão do governo do Estado, que tem definidos em seu orçamento recursos básicos destinados ao teatro, além de recursos da Lei Estadual de Incentivo à Cultura e, com o anexo, haverá uma expansão de fontes de recursos, aposta Boeira.

“Falta originalidade para falar do São Pedro. É unanimidade. Ao longo dos tempos permitiu o acesso ao que de melhor chegou ao Estado culturalmente”, avalia a diretora de educação do Mercosul, Evelyn Berg Ioschpe, ex-diretora do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, hoje radicada em São Paulo. Na sua opinião, os grandes espetáculos montados no teatro da Praça da Matriz, tornou Porto Alegre conhecida no país inteiro como “uma platéia exemplar, um ótimo laboratório para qualquer espetáculo”, diz. Mas o que considera mais importante, é que a restauração do prédio, da forma como foi conduzida, deflagrou inúmeros outros projetos, executados no país inteiro.

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