CULTURA

Protagonista na vida

STELLA MÁRIS VALENZUELA / Publicado em 29 de novembro de 1998

Aos 81 anos, a professora de teatro, escritora e agitadora cultural não se importa muito com a passagem do tempo, mais interessada em vivenciar com intensidade as possibilidades que a vida lhe oferece. Apesar de acumular algumas perdas afetivas, caso da morte do marido e companheiro, o escritor e jornalista Carlos Reverbel, ela faz de um cotidiano produtivo uma fonte de energia que reparte com os amigos e com os alunos de teatro.

Olga tem 18 livros publicados e leciona para 11 turmas.

Em uma semana Olga e Carlos Reverbel se conheceram e casaram. Ela com 23 anos, ele com 28 anos. O encontro fulminante foi ambientado num coquetel poético, em uma antiga confeitaria na Rua Vigário José Ignácio que não existe mais. A confraternização homenageava Lila Ripoll, pelo prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras. Ambos estavam noivos. As famílias levaram um choque. Mas acabaram aceitando. Carlos desmanchou o compromisso dias antes do casamento. Olga logo após o enlace matrimonial. Eles conviveram por cinco décadas e meia. “Nos conhecemos num sábado e nos casamos no outro, no ano de 1941”, recorda Olga Reverbel, como se o tempo não tivesse passado. Aliás, tempo para ela é muito relativo. “Tempo demais nem sempre resolve”. Esta é uma estória de amor na vida real, apesar de seus protagonistas terem nas veias a ficção literária.

Sem maiores formalismos, os pombinhos dispensaram a cerimônia religiosa. E também não teve a tradicional festa de casamento. Depois de firmarem o compromisso no civil, Olga e Carlos foram bebericar umas cervejinhas numa confeitaria da época, ao lado do Clube do Comércio, na Rua da Praia. Tudo muito informal. O casal teve uma única filha – a artista plástica Elizabeth Reverbel de Souza, casada com o fazendeiro Osvaldo de Souza. E três netos. A mais velha mora com a avó. O convívio fraterno com Carlos foi interrompido dia 27 de junho de 1997. A morte do companheiro abateu Olga.

Cada um tinha o seu trabalho. Ele era escritor e jornalista, tendo uns nove ou 10 livros publicados. Trabalhou no Correio do Povo por longa data, depois na Zero Hora, e também escrevia para outros jornais do país. Olga lecionava teatro e coordenava suas oficinas. Em 1946 atravessaram o oceano e chegaram na França. Em Paris – cidade preferida do casal – Olga estudou e lecionou teatro na Sorbone, tanto na graduação, como em cursos de pós. Carlos foi correspondente de diversos periódicos brasileiros. “Meu marido dizia que tinha saudades das pedras de Paris. Eu não compreendia. Agora eu entendo. Também tenho saudades das pedras de Paris. É a mesma coisa que ter saudades de uma pessoa. Elas são eternas”.

Aos 81 anos, Olga continua vaidosa. Não consegue trabalhar sem passar um batonzinho nos lábios. O perfil ativo e desprendido a acompanha desde mocinha. São as aulas de interpretação e improvisação, os jogos dramáticos, dirige peças de teatro, escreve livros, profere palestras pelo país, lê todos os gêneros em vários idiomas, em especial em francês, e ainda lhe sobra disposição para receber os amigos, com quem aprecia degustar um whisky e saborear um apetitoso prato de comida. E pretende continuar viajando bastante, especialmente para a cidade luz, projeto interrompido apenas durante os cuidados dedicados ao esposo doente.
OTELO – A vocação para o teatro brotou quando ainda era menina. Aos nove anos costumava brincar de interpretar com seu irmão, na loja do avô, em Uruguaiana, onde tinha uma cortina volumosa, sugerindo um palco. “Um belo dia, o meu irmão e eu achamos um pedaço de um livro com uma frase que a gente amou e decorou – “Amou-me pelos perigos que passei. Amei-a porque se apiedou de mim”. Mas a gente não sabia o autor desta sentença. Com 23 anos, quando vim para Porto Alegre, pouco antes de me casar, descobri simplesmente que a frase era de Otelo explicando no Senado de Veneza, as razões do seu desejo matrimonial por Desdêmona. Escrevi um romance “Verdade Inventada”, baseado nesta idéia, inclusive finalizo com esta frase”.

Olga se autodefine como uma mulher de faca na bota – de três fronteiras. “Nasci em São Borja. Até os 13 anos vivi em Uruguaiana. Depois rumei para Santana do Livramento, permanecendo por lá até os 23 anos. Em Santana fiz o curso normal e comecei a lecionar no Colégio Clemente Pinto. Me deram 64 alunos, entre 7 e 18 anos. Eram repetentes, crianças e adolescentes com graves problemas de aprendizagem. Destes, quatro consegui ensinar a ler e a escrever, os outros 60 ficaram pelo teatro, devem andar por aí”.

Em Porto Alegre, a professora Olga estudou no Departamento de Arte Dramática (DAC) da UFRGS. Muitos artistas reconhecidos passaram por suas mãos. Entre eles, a atriz Araci Esteves – premiada com o filme “Anahí de las Missiones”; o escritor e dramaturgo Carlos Carvalho – que depois de morto emprestou seu nome para uma das salas de teatro da Casa de Cultura Mário Quintana. E, ainda o escritor Caio Fernando Abreu, a atriz Suzana Saldanha e o escritor Luis Fernando Veríssimo, só para citar alguns.

O ritmo intenso lhe permitiu publicar 18 livros, sendo que outros quatro ainda estão nas editoras Artes & Ofícios e LP & M. “Estou dirigindo a peça “Médico à força”, de Molière, e escrevendo outro livro”. Prêmios foram tantos, que Olga nem consegue contabilizar. Sua Oficina de Teatro reúne 11 turmas, desde crianças a partir dos 6 anos até a terceira idade. “Leciono teatro há 63 anos. E já se passaram 12 anos da Oficina de Teatro. Amadureci muito cedo. Não me dei o luxo de ser criança. Entrei firme no trabalho”.

O que mais lhe deixa alegre é quando um amigo chega em sua casa. Ela adora trocar idéias com o seu grupo. Vez por outra prepara algo especial para comer. “Andei inventando um camarão a Van Gogh, com molho de milho verde. Olga também admira as plantas de seu singelo jardim. “Sabe de uma coisa, gosto de tudo. Gosto de beber, de comer, de dar aula, interpretar, de cinema, ler e escrever. Há um tempo, vivia na rua, gostava muito de sair. No momento prefiro abrir as portas para os amigos”.

A professora fala inglês, francês e espanhol. No italiano se defende na leitura. Dos escritores brasileiros está mais afinada com Carlos Drummond de Andrade, Manoel Bandeira e, quanto aos gaúchos, aprecia Lya Luft e Armindo Trevisan. “Mas leio mais em francês, pois morei muito tempo na França”.

DEUS – Antes da doença de Carlos Reverbel, Olga se considerava uma atéia. O sofrimento com a doença do esposo a levou a conversar com Deus. Não uma reza tradicional, mas algumas palavras pedindo apoio e força. De lá para cá, a professora passou a desenvolver uma certa religiosidade. Tomada pela tristeza com a ausência de seu marido, Olga ficou muito confortada quando Mariangela Grando, diretora do filme “Quadrilha”, rodado em Picada Café, próxima de Nova Petrópolis, lhe convidou para atuar na produção cinematográfica. Ela e a também atriz gaúcha Carmem Silva interpretam duas velhinhas fofoqueiras e sarcásticas. O Filme tem umas seis ou sete esquetes. Carmem e Olga se constituem na linha condutora de cada uma delas. Antes, porém Olga já havia filmado “Noite”, baseado na novela de Érico Veríssimo de mesmo título e premiado pela fotografia.

Em todos estes anos de trabalho, a falta de patrocínio para as peças tem sido a grande vilã na vida de Olga. Mesmo assim conseguiu ultrapassar as fronteiras e, com freqüência, profere palestras em São Paulo, Rio de Janeiro e Buenos Aires. A última foi em Goiânia. Para ela, a arte gaúcha está mais próxima do Uruguai, Argentina e Paraguai, do que para o norte. “Por isso, o diretor e professor de teatro Fernando Peixoto, escreveu sobre o teatro fora do eixo, que é o de Porto Alegre. O eixo é Rio de Janeiro e São Paulo”.

A professora Olga não é de esmorecer. “Só vou parar de trabalhar no dia da minha morte”. Enquanto isso vou indo no balanço. Mesmo tendo perdido o Carlos e alguns amigos, meu olhar para vida é cheio de esperança. Viver é um milagre. Vamos aproveitar a vida enquanto esperamos pela morte. O absurdo é não sabermos por que nascemos, nem muito bem o que estamos fazendo aqui. Mas vamos nos divertir. Ôba!”.

A intimidade do artista

Profissão – Antes de mais nada sou professora de teatro. O resto vem depois

Autodefinição – Sou uma mulher de faca na bota

Frase – “Amou-me pelos perigos que passei. Amei-a porque se apiedou de mim”, Otelo explicando as razões de seu desejo de casar com Desdêmona.

Prato – Camarão à Van Gohg, com molho de milho verde, preparado por ela mesma

Escritores – Carlos Drummond de Andrade, Manoel Bandeira, Lya Luft e Armindo Trevisan. Além dos franceses.

Livros – 18 publicados e quatro em andamento

Bebida – Whisky

Cidade preferida – Paris

Alegria – Receber os amigos

Idade – 81 anos

Projeto – Só vou parar de trabalhar o dia em que morrer

Participação em filmes – Noite, baseado na obra de Érico Veríssimo e Quadrilha, a partir do no poema de Carlos Drummond de Andrade

Prêmios – foram tantos, nem me lembro

Maturidade – Não me dei ao luxo de ser criança. Entrei firme no trabalho

Vida – Jamais perdi a esperança, mesmo tendo perdido o Carlos e alguns amigos.

Os alunos

Carlos Carvalho – Dramaturgo e contista, falecido em 1985.

Luis Fernando Verissimo – Escritor, jornalista, publicitário, cartunista e um dos cronistas mais prestigiados do país

Caio Fernando Abreu – Escritor e crítico literário

Araci Esteves – Atriz de teatro e cinema, recentemente premiada com o filme “Anahí de las Missiones”

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