O escultor Vasco Prado morreu no último dia 9 de dezembro. Mas deixa uma obra vasta e perene, que ultrapassou os limites dos museus e das galerias. Não apenas porque está nas ruas, nas praças e nos prédios públicos, mas porque o artista teve a ousadia de pautar sua criação pela comunicabilidade.
Na noite da segunda quarta-feira de dezembro, o escultor Vasco Prado morreu e extinguiu assim uma trajetória artística de mais de meio século. Aos 84 anos, o também gravador e professor de uma geração de artistas nascido em Uruguaiana, estava em um ritmo de trabalho pleno. Criava e recriava uma obra singular, em que plasmou na pedra e no bronze os ícones mais genuínos da cultura gaúcha. Neste texto crítico, o jornalista Luiz Carlos Barbosa, editor-executivo de Extra Classe, assinala estes elementos e a importância de Vasco Prado na produção artística do Rio Grande do Sul, com a experiência de quem estreou no jornalismo cultural, escrevendo sobre artes plásticas, exatamente em uma entrevista com Vasco Prado, no antigo atelier da Pedra Redonda, em 1984.
A morte repentina de Vasco Prado, na noite do dia 9 de dezembro, comoveu dezenas de amigos do escultor. Abalou o circuito de artes plásticas, uma vez que o artista, aos 84 anos – e apesar de sérios problemas de visão – estava em ritmo de trabalho pleno, envolvido em vários projetos de obra, inclusive em uma escultura pública que seria instalada na esquina da avenida Ipiranga com a Praia de Belas e que viria a ser um novo totem de Porto Alegre.
Coincidentemente, neste momento, uma espécie de seleção restrospectiva de seus trabalhos, que foi exposta no Espaço Cultural dos Correios, no Rio de Janeiro, nos meses de outubro e novembro, está em exibição no Margs. A direção do Museu de Arte do Rio Grande do Sul decidiu prorrogar a exposição até 20 de janeiro. É uma justa e, certamente não derradeira, homenagem ao escultor que transformou a ânima rio-grandense e seus símbolos mais autenticamente populares em obra de arte universal. Operou esta transmutação sem concessões aos modismos de época. Por isso mesmo, sem reservas, manteve-se leal a um projeto estético de caráter humanístico amparado pela tradição clássica, permeada de nuanças do romantismo e do barroco brasileiros, como assinalou o professor e crítico de arte Armindo Trevisan, em “Escultores Contemporâneos do Rio Grande do Sul”, um dos estudos mais sérios e profundos sobre a escultura feita no Estado.
O seu figurativo clássico e original, centrado sobretudo na figura humana, é uma expressão singular na arte gaúcha e brasileira e, ao mesmo tempo, revelador de sua perspectiva artística e cidadã. Como bem apontou Trevisan em seu ensaio, jamais Vasco Prado abdicou da preocupação com a “legibilidade social”, num sentido de que a ordem coletiva sempre preside a tentação da subjetividade do artista.
A obra de Vasco Prado, constituída também de gravuras, mas particularmente através de esculturas em mármore, bronze, madeira e terracotas, é uma espécie de antítese que se opõe à experimentação artística contemporânea, que se encerra no hermetismo mais conveniente da temporada, partindo de si mesma para chegar a lugar nenhum, desprezando a comunicabilidade como uma expectativa apenas vulgar. Isto talvez explique dois fatos: primeiro o de que Vasco Prado não tenha feito escola, embora tenha sido líder de uma geração de artistas e literalmente mestre de outra; segundo, o de que sua obra, para ser fruída, dispensa os extensos compêndios críticos, exatamente porque o gozo estético prescinde desta mediação narrativa ou analítica. Com certeza, a história cultural do Rio Grande do Sul irá comprovar a perenidade de Vasco Prado e esquecer dos modismos dominantes, porque, afinal, somente a consistência artística pode nutrir uma bem-sucedida trajetória de mais de meio século.
Esta dimensão artística, que pode ser verificada nas reproduções desta página, nas ruas, praças e edifícios públicos, museus e galerias está emergindo e continuará sublinhada através dos inúmeros escritos ensejados pela morte. Da mesma forma está sendo ressaltado o perfil do cidadão Vasco Prado. Sempre se repetirão informações e fontes e sempre faltará originalidade, principalmente quando se escreve para um jornal mensal. Melhor reproduzir as obras deste gaúcho de Uruguaiana, companheiro de Xico Stokinger, fundador junto com Carlos Scliar, Danúbio Gonçalves, Glauco Rodrigues do Clube da Gravura nos anos 50. Mais eficiente recomendar que o leitor visite a exposição do Margs, preste atenção ao Negrinho do Pastoreio na frente na sede da extinta Caixa Estadual, dê uma olhada no Tiradentes do jardim da Assembléia Legislativa. A obra está espalhada pelo Brasil, em outros países, mas especialmente pelo Rio Grande do Sul e em Porto Alegre, a cidade que ele adotou, depois de breves passagens pelo Rio de Janeiro e pelo exterior. Vasco Prado agora é só obra. E é bastante e convidativo, inclusive para tocar, silenciosamente, com suavidade, com remanso, ternura e sensualidade para perceber a força, o calor. Afinal, como já disse Luis Fernando Verissimo, a escultura de Vasco Prado é “bolinável”.