Com 46 anos de carreira e 52 troféus na bagagem, a cantora Lourdes Rodrigues prepara o segundo disco e avisa que pelos menos dois netos vão seguir a carreira musical. De mágoa, apenas a falta de convites para cantar na sua Santa Maria natal.
A cantora Lourdes Rodrigues viveu os tempos dourados da canção. Cantava em programas de auditório, ao lado de Lupicínio Rodrigues e Elis Regina e, mesmo sem nunca ter estudado canto, se tornou uma das maiores intérpretes gaúchas. Aos 10 anos já se apresentava num palco improvisado ali nas escadarias da João Manoel com a Fernando Machado, no centro de Porto Alegre, onde gostava de interpretar Carmem Miranda e Dalva de Oliveira. Assim recebia os primeiros aplausos, vindos de uma seleta platéia – os amigos e a família. O grande sonho, porém, era tornar-se cantora de rádio. Quando, em 1952, surgiu a primeira oportunidade, Lourdes não parou mais.
A grande oportunidade foi ter vencido o concurso de “A mais bela voz de estudante do Rio Grande do Sul”, transmitido pelas ondas da Farroupilha. De posse do título, Lourdes representou os gaúchos na grande final no Rio de Janeiro e conheceu a televisão, então distante da maioria dos lares brasileiros. O show foi no auditório da TV Tupi, com direção de Ari Barroso, e lhe conferiu mais uma vitória. A carreira começava a despontar. Em 31 de agosto do mesmo ano (1952), veio a emoção de estrear no programa “Roteiro de um Boêmio”, maior audiência da Farroupilha naquela época. “Tinha o meu fã-clube. As pessoas vinham do interior para me conhecer”, recorda Lourdes Rodrigues, rainha do rádio, do carnaval, dos estudantes e favorita dos militares.
Ao longo dos 15 anos seguintes, a Dama da Canção propagou sua voz pela freqüência da Farroupilha. Mas o rádio foi perdendo espaço para a televisão e os artistas passaram a ocupar os palcos do “Grande Show Wallig”, do Canal 5, nas apresentações dominicais. “Nesta época, Hebe Camargo fez uma temporada brilhante aqui. E a noite de Porto Alegre foi evoluindo. Passei a cantar nas casas noturnas do Lupicínio Rodrigues, da Vera Vargas e Adelaide Dias, além dos shows que sempre fazia no interior”. Em 1987, Lourdes lançou seu primeiro (e único) LP, no bar Carinhoso. “Foi um dos momentos mais marcantes da minha carreira. Vendi 17 mil cópias desta produção independente batizada de Utopia”, lembra.
Do disco a artista tem preferência pela música “Jeito Antigo”. São versos de Flávio Soares e música de Paulo Rogério. É uma conversa de uma amiga com a outra. Tem um trechinho que diz assim: “preciso falar contigo/preciso conselho amigo/tenho ideal na vida/amante, amada, amiga”. Esta também foi a faixa mais rodada nas emissoras de rádio do Rio Grande do Sul na época de divulgação do trabalho.
Em 46 anos de carreira, completados no final de 1998, Lourdes Rodrigues conquistou 52 troféus. “Sou a única cantora a receber duas vezes o prêmio Açorianos, maior destaque conferido ao artista do Rio Grande do Sul”, revela orgulhosa. Ela também venceu o Festival Internacional de Cuernavaca, no México, interpretando composições de Lupicínio Rodrigues. E é muito requisitada no interior, particularmente em Cachoeira do Sul, onde é madrinha da liga carnavalesca. Costuma excursionar por Pelotas, Veranópolis, Bento Gonçalves, Caxias do Sul e Nova Prata. Na década de 60, foi contratada pela Orquestra Cassino de Sevilha para cantar Lupicínio em Montevidéu, Buenos Aires, Santiago do Chile e Cidade do Porto, em Portugal.
Outra grande alegria desta intérprete de Lupicínio foi subir ao palco do Theatro São Pedro, em 29 de setembro do ano passado. A grande festa foi um brinde aos seus 46 anos de vida artística. O show “Direto do Coração” atraiu caravanas de Nova Prata, Santa Maria e Cachoeira do Sul. “Fiquei tomada de emoção. Tentei anos e anos me apresentar sozinha no São Pedro e consegui. Já havia estado neste palco na década de 50, na era do rádio, acompanhada ao piano por Carmen Cavallaro”, conta.
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Nem só de música vive Lourdes Rodrigues. Durante 26 anos a cantora trabalhou no 1º Cartório de Protestos e Ofícios Cambiais de Porto Alegre. E também lecionou nos colégios Ignácio Montanha e Presidente Roosevelt, por 15 anos a fio. Hoje está aposentada. Pela vontade de seus pais, seria professora. A veia de artista, porém, falou mais alto. Os preconceitos foram vencidos com o apoio da família e de seu namorado. Naquela época, mulher cantar em rádio não era tão comum assim. E Lourdes Rodrigues enfrentou o desafio.
Ao lado de Jamelão, ela tem sido uma das mais ferrenhas intérpretes de Lupicínio. “Sempre abro meu show com uma música do imortal poeta dos poetas. É uma maneira de manter viva a sua obra”. Mas os espetáculos da Dama da Canção são bem variados. Ela abraça de Ari Barroso a Djavan, passando por Caetano Veloso, Chico Buarque de Holanda, Milton Nascimento e Tom Jobim. Dos mais antigos admira Ângela Maria e Caubi Peixoto. Deslancha, ainda, no chorinho, no samba, nas músicas populares brasileira e internacional. E critica todo tipo de modismo, como as músicas do É o tchan!. “O Brasil passa pela pior fase musical”, lamenta.
Desde o ano passado, Lourdes Rodrigues vem se apresentando na Oficina Etílica Pub, na Rua João Alfredo, 511 (esquina com a Rua Luís Afonso), em Porto Alegre. E já está selecionando as músicas para o segundo disco. “Deve se chamar ‘Minha vida é um palco iluminado’. Sempre tive todas as graças. Veja bem, cantoras mais jovens já passaram e eu continuo. Tive o privilégio de conviver com a Elis, que iniciou em 56, no Clube do Guri. Ela era minha fã incondicional. Este vestido branco de crochê, conta – apontando para o varal da área de serviço, onde estava estendido – foi a Erci, mãe da Elis, que me deu de presente faz 17 anos, no dia do meu aniversário, 4 de janeiro. Quando volta a moda do crochê, tiro o vestido do guarda-roupa e uso-o novamente”.
Lourdes Rodrigues só não entende o motivo de não ser convidada para cantar em Santa Maria, sua terra natal. De lá saiu aos 3 anos, em plena segunda guerra mundial. Nas quatro décadas de carreira, só esteve se exibindo na cidade universitária duas vezes – uma no Ginásio Corinthias e outra no Itaiambé Palace Hotel. “E foi um sucesso”, garante.
A intérprete casou logo após ter completado 15 anos, com um “homem influente” que prefere não citar o nome. Em 1957 estava desquitada e com uma filha – Vânia Elizabeth, hoje com 40 anos. O segundo marido foi Ezequiel, lateral esquerdo do Sport Club Internacional. A convivência de 15 anos acabou interrompida por um acidente fatal. Tiveram dois filhos – Daniel, 37 anos, e Marcelo, 27 anos. Como toda a avó coruja, Lourdes Rodrigues não foge à regra e exibe orgulhosa na parede da sala a galeria de fotos dos sete netos e de dois bisnetos. De toda prole, a intérprete torce que dois netos sigam a carreira artística. O Amilton Júnior, de 17 anos, já estuda música e teve participação especial no show do Teatro São Pedro, cantando uma música de Renato Russo. E a Bruna, uma das mais novas, já começa a dar sinais de sua vocação.
Com muita disposição, Lourdes arruma tempo para seu hobby preferido – cozinhar. “Dizem que faço uma carne de panela muito gostosa. E adoro receber amigos. Agora que me mudei de apartamento estou mais entusiasmada. A cozinha é ampla e posso fazer meus quitutes à vontade”. A mesinha da sala de visitas de Lourdes Rodrigues é enfeitada com os troféus Açorianos, Destaque e Lupicínio Rodrigues. Na parede estão as comendas recebidas de três prefeitos da capital gaúcha (João Antônio Dib, Alceu Collares e Olívio Dutra).
E também tem muito satisfação por ter sido a primeira cantora gaúcha a se apresentar com o cantor Jair Rodrigues, no show Retratos do Brasil, em 1998. Em dezembro do ano passado esteve em Buenos Aires, participando do Festival Internacional de Tangos. Na capital portenha entoou o CD “Porto Alegre Canta Tangos”, produzido pela prefeitura municipal da maior cidade do estado.
Seu fôlego lhe permite cantar de cinco a sete horas em bailes pelas mais diversas cidades gaúchas. Sua banda é integrada por nove pessoas e dispõe de toda a aparelhagem necessária. Autodidata, Lourdes diz ter um ouvido apurado. “Ensaio muito. O que me dá esta força toda é o fato de ter bons arranjadores”.
A Dama da Canção está otimista em relação ao novo governo do estado. Ela espera que o governador Olívio Dutra e, particularmente, o secretário Estadual da Cultura, Luiz Pilla Vares, valorizem os artistas da terra. “Não é preciso trazer Pavarotti e, tampouco, Mont’ Serra Cavalle. É possível fazer uma linda festa com nossos músicos, poetas e grandes cantores. Dispomos de trovadores, clássicos e artistas da nova geração – todos altamente capacitados”.
Além de colecionar prêmios e de ter tido um fã-clube, Lourdes é cortejada por muitos e muitos amigos. A jornalista Leila Weber é um deles. Elas se conheceram no início dos anos 60. Leila fez uma entrevista com a cantora para a antiga, e hoje fora de circulação, revista TV Sul. Outras tantas entrevistas se seguiram. E a jornalista sempre impressionada com a garra e o talento da cantora. Num 15 de janeiro, Leila escreveu em sua coluna, no Jornal do Comércio, que o “Dia do Fico” deveria se chamar “Dia da Lourdes Rodrigues”, pois como Luís Fernando Verissimo e Lupicínio Rodrigues, ela elegeu o Rio Grande do Sul para se firmar como intérprete. “Se ela tivesse ido para o eixo Rio/São Paulo, poderia ter superado Elis Regina e Elizabeth Cardoso”.
Cordialidade é, para Leila, uma das palavras que combina com Lourdes. “Ela tem um humor extraordinário e pauta suas ações pela consciência e ética profissional”, elogia. Eventualmente, Leila tem prestado assessoria de imprensa para a cantora. Em seus textos, resgata a memória desta grande intérprete de Lupicínio Rodrigues.
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