Segunda colônia européia a povoar as terras gaúchas de forma organizada, os imigrantes
Tutti giorni, Carlos Dalcin degusta um copo de vinho e saboreia uma fatia de polenta. O hábito foi herdado do pai, que em menino partiu de Treviso, na Itália, aportando em Carlos Barbosa, na encosta noroeste da serra gaúcha, a 104 quilômetros de Porto Alegre. Como a maioria dos imigrantes italianos, os Dalcin atravessaram o oceano em busca de melhores condições de vida. Mas nem todas as promessas que os atraíram à nova pátria foram cumpridas. E na colônia, então, restava plantar e procriar. “Meu pai teve 16 filhos, 10 homens e seis gurias”, recorda Carlos Dalcin, com saudades.
Nesta mesma época, por volta de 1875, nascia em pleno mar a menina Marina, que acabou casando com Marcos Carlotto. Eles são avós de Isanira, mulher de Carlos Dalcin. “Estas terras das redondezas eram todas de meu nono. Ele foi vendendo, vendendo e hoje só resta a nossa casa e ali, mais para cima, um pedaço de terra dos meus primos”, conta Isanira. Eles habitam o número 360 da rua Borges de Medeiros. E aproveitaram a parte baixa do chalé para montar um armazém, onde o filho Amadeu, 35 anos, atende a freguesia.
Hoje com 45 anos de casados, Carlos e Isanira sentem falta da colônia em que compartilharam os primeiros anos da vi da em comum. “Lá a gente plantava batata, feijão e palha de vassoura”, lembra Carlos. “Agora não temos mais tempo nem de fazer copa”, lastima Isanira. Ela ressalva, porém, que não abre mão de preparar em casa a lingüiça consumida pela família de cinco filhos e 10 netos.
Para complementar a aposentadoria, seu Carlos veste um avental nos fins de semana para assar frango e carne, na churrasqueira à lenha montada no galpão dos fundos de sua casa. A cada momento, a vizinhança atravessa o pátio debaixo da parreira em busca de um galeto quentinho. No mesmo galpão, este italiano de 65 anos confecciona suas vassouras de palha, que encontram compradores em Caxias do Sul, Farroupilha e Bento Gonçalves. E abriga também um líquido precioso – o vinho. Produzido coletivamente por sua prole, para consumo exclusivo dos Dalcin e amigos.
“Aprendi a fazer vinho com meu sogro, Tranqüilo Carlotto”, revela seu Carlos. Ele explica com simplicidade o processo de transformar a uva na bebida mais apreciada pelos italianos. “Para cada 700 litros, usamos uns 1.200 quilos de uva”. Acada ano o ritual se repete – os Dalcin colhem, esmagam, peneiram e deixam fermentar a uva que resultará no vinho.
Amadeu, um dos filhos mais novos de Carlos e Isanira e braço direito do pai, quando tinha oito anos de idade amassava a uva com os pés. “Hoje não é mais assim”, comenta, adiantando com certo orgulho que em breve espera contar com o auxílio da filha Emília, de 3 anos, para fabricar a bebida.
Os Dalcin vão depositando os cachos de uva dentro de uma pequena caixa de madeira, de formato retangular, com dois cabos de cada lado e uma manivela. Em baixo da máquina fica um recipiente com capacidade para 400 litros, chamado de ormela (dependendo da região a denominação pode ser outra). Com a manivela, eles vão moendo a fruta. O bagaço fica deposito na parte superior e o líquido escorre para o tonel. O suco é depositado numa pipa, onde descansa uns 30 dias antes voltar à ormela.
A pipa é lavada para retirar os fragmentos e retorna a receber o líquido por mais uns 30, 40 dias. É aí que se repete então o processo de “travazar” o vinho, para purificar o líquido. Ou seja, o vinho é filtrado manualmente. Quando está bem limpo, eles podem tanto deixar na pipa como engarrafá-lo. O vinho já está pronto para beber e cai bem quando acompanhado de polenta, radicci e galeto.
Isanira aprendeu a fazer polenta com a mãe. Ela ferve a água no fogão à lenha, aos poucos vai despejando a farinha e com uma pá de madeira vai mexendo até dar o ponto. “Todas as noites tinha polenta na casa da minha mãe. Agente comia com queijo, com molho de galinha ou com lingüiça”. comenta Isanira, que conserva fidelidade à culinária de seus antepassados de além mares. Itália que, aliás, sempre sonhou em conhecer. “Mas de que jeito ir para lá?”, indaga.
Como a maioria dos descendentes de italiano, Isanira é religiosa. Devota de Nossa Senhora Mãe de Deus, Isanira e sua família ao mesmo tempo emque rezam falam alto e gesticulam muito. Italianos são assim: gostam de casa cheia e família reunida, seja na Itália ou na serra gaúcha, onde se estabeleceram, criaram novas raízes e se multiplicaram. Afinal, aqui eles se sentem em casa.
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