CULTURA

Proeza ao contrário

Luiz Carlos Barbosa / Publicado em 25 de agosto de 1999

Nada justifica que um artista do quilate de Plauto Cruz só agora, ao completar 55 anos de carreira e 70 de idade, tenha o registro de sua obra em disco, verdadeira proeza ao contrário. Seu primeiro CD – Plauto Cruz, Choros e Canções – com uma seleção preciosa de 15 composições, foi lançado no dia 22 de junho, em um espetáculo em que o músico foi homenageado no Theatro São Pedro pelos amigos, admiradores e músicos porto- alegrenses e gaúchos, em uma iniciativa da jornalista e empresária Beatriz Dorneles. Plauto colheu os merecidos aplausos de uma platéia madura e consternada, que incluiu o governador Olívio Dutra.

Mas por que este tributo modesto e tardio? O músico e pesquisador Carlos Branco, formado pela Ufrgs (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), não se admira. “É a situação de muita gente de talento como Plauto. Não tem como medir a obra dele no Rio Grande do Sul. É um dos grandes flautistas populares do Brasil, como Dante Santoro, Altamiro Carrillo, Copinha e Carlos Poayres”, analisa. Durante o Festival Nacional de Chorinho da Rede Bandeirantes, em 1979, Ziraldo definiu Plauto como “patrimônio histórico da música popular brasileira”. Para Branco, a trajetória de Plauto Cruz também pode ser explicada pelas dificuldades mercadológicas da música instrumental em geral, pelas conseqüências disso na mídia e pelos ciclos de interesse e desinteresse pelo chorinho, gênero que predomina nas quase cem composições do flautista gaúcho, nascido em São Jerônimo em 15 de novembro de 1929.

Sem gravações e edição de partituras, nem mesmo ele, flautista virtuose e exímio arranjador sabe o número ao certo. “Imagina o que a gente perdeu. Devia ter no mínimo uns 30 discos gravados”, espanta-se o músico e compositor Nelson Coelho de Castro, parceiro e amigo de “Plautinho”, como ele é chamado pela legião de admiradores e companheiros de música e vida.

O que diz o músico que emprestou sua flauta à obra do parceiro Lucínio Rodrigues, de Jessé Silva, Silvio Caldas, Nelson Gonçalves, em mais de 40 LPs? Ele, que sofisticou a vida noturna de Porto Alegre por anos a fio, nos tempos dos bares Vinha D’Alho e Alambiques, chega a ser angelical. Sempre no diminutivo carinhoso de seus vocativos singelos, responde: “Está tudo bem, neguinho, estão se abrindo portas”. Fala como se fosse apenas um jovem estreante e promissor, depois de ter composto dezenas de valsas, choros, sambas e ter feito arranjos tocantes de peças de Franz Schubert e Bach, para citar apenas algumas. “Se Plauto não fosse assim, não seria Plauto”, emociona-se Nelson Coelho de Castro, emendando: “a gente fica de cara com essa bondade, essa ausência de jactância.”

“Que pureza”, exclama o compositor e flautista Pedrinho Figueiredo. Longe de qualquer exagero, suas palavras dimensionam o lugar na música brasileira de Plauto Cruz – que aos 70 anos trabalha para viver, no humilde bairro Camaquã de Porto Alegre. “É impossível, por exemplo, escrever a história da cultura musical de Porto Alegre e do Rio Grande doSul sem Plauto Cruz”, assinala Figueiredo. Ele sublinha que o flautista extrapolou a própria opção musical pelo choro. “Sempre foi o melhor instrumentista dos grandes festivais dos anos 70, como a Califórnia da Canção”.

Outro exemplo é a presença da flauta de Plauto em grandes sucessos da música popular gaúcha, como no solo proeminente de “Maria Fumaça” de Kleiton e Kledir, ou em “Armadilha”, de Nelson Coelho de Castro, que jamais esquecerá esta parceria, por ocasião do lançamento de Juntos, em 1981, o primeiro LP independente feito no estado. “Passei no Vinha D’Alho e pedi para ele colocar flauta nas minhas músicas. Ele pegou o endereço e no dia marcado apareceu na minha casa. Ele foi mesmo. Um super flautista não mediu o mérito do meu trabalho. Foi uma alegria lá em casa. O meu pai conhecia o trabalho dele”, relembra Nelson, incrédulo.

Para Pedrinho Figueiredo, o domínio musical de Plauto e a sua capacidade de improvisação não devem nada aos melhores virtuoses do jazz. Prova disso, aliás, é que Plauto, sempre fino, consegue acompanhar até quando um outro instrumentista, menos experiente, atravessa a notação musical. “É a escola do chorinho”, ensina Carlos Branco.

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