Quem sabe a sociedade esteja mesmo precisando de muitas fábulas para a educação das crianças. Diante de tantos apelos perversos, sem nenhum compromisso ético, veiculados pela televisão e transfigurados em inocentes brinquedos de menina, uma boa lição de moral não deixa de ser bem-vinda. Claro, contanto que a arte literária não seja reduzida a mero instrumento do didatismo, mas contemple o sentido estético indispensável ao prazer da leitura.
Esta reflexão, nem tanto extra literatura, é suscitada pelo lançamento da editora Projeto, “Três contos de muito ouro”, da reconhecida autora de contos para o público infanto-juvenil, a carioca Fernanda Lopes de Almeida. Em formato grande, a edição é de encher os olhos. Essa sensação acentua-se pelas vigorosas ilustrações da artista plástica gaúcha Cristina Biazetto. Ela estréia com esta obra na atividade editorial que, se espera, tenha continuidade, porque os seus desenhos certamente estão encantando os leitores.
A “lição de moral” – além do emprego de atributos humanos a animais e criaturas mitológicas é o elemento constitutivo da fábula, um gênero que tem descendência direta da literatura oral, e cuja narrativa curta, sempre encerra uma “mensagem” de caráter ético.
Contudo, os textos escritos, mais contemporâneos, em geral releituras e reinvenções de histórias da tradição trazida pelo grego Esopo do Oriente – sobretudo da Índia – tendem a abolir a escritura explícita da “mensagem”. É o caso das inúmeras versões de “A cigarra e a formiga”, do mesmo Esopo.
“Três contos de muito ouro” chama a atenção exatamente por que recorre, tanto no texto como na ilustração, a um aspecto central da estrutura da fábula clássica, em que a “moral da história” é destacada. Porém, este resgate – até enternecedor para as crianças com mais de 40 anos – não compromete a inventividade dos contos. Tampouco a função emancipatória do processo de identificação entre personagens e leitores. As criaturas de “A galinha preguiçosa”, “Os desejos” e “Gastar o meu dinheirinho?” têm a capacidade de vivenciarem situações adversas e cometerem enganos, mas compreendê-los e superá-los.
Não admira, portanto, que Fernanda Lopes de Almeida seja uma das escritoras brasileiras responsáveis pela atualização deste gênero, que foi transferido para o Ocidente no século VI antes de Cristo. Em suas obras anteriores, “A fada que tinha idéias”(Ática, 1978 e “Soprinho” (Melhoramentos, 1978), Fernanda renova arquétipos e estrutura personagens competentes para pensar o mundo que os leitores encontram na esquina ou na escola. Aliás, já diz tudo, o fato de a fada Clara Luz ter idéias. Com as mediações necessárias, Fernanda realiza uma obra para crianças de 1999. E dá boas lições de moral, sem simplificar o conteúdo maravilhoso – outra tipicidade da fábula, pelo seu nexo com o folclore e a sabedoria popular. Assim, reforça sentimentos tão impregnados na humanidade que são pronunciados em português, grego, latim, espanhol, francês, alemão e inglês, graças a autores como La Fontaine, que coligiu centenas de fábulas.