O mito liberal introjetado no senso comum de que a imprensa expressa imparcialidade e isenção absolutas, acima do bem e do mal, está cada dia mais esfarrapado. A queda do mito tem sido determinada pela própria conduta de jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão. Como nunca, nos últimos tempos, os veículos de comunicação têm deixado suas escancaradas posições políticas e seus interesses econômicos na cobertura jornalística. Portanto, não estamos falando do editorial, o lugar onde se convencionou reservar para a opinião da empresa jornalística. Além disso, algumas obras, como “Notícias do Planalto – a imprensa e Fernando Collor”, de Mario Sergio Conti, acentuam ainda mais o compromisso da imprensa com algo infinitamente maior do que a notícia. Isto é, o poder.
Embora exaustiva pelo tamanho colossal de mais de 700 páginas, a leitura do texto do jornalista vale a pena. Ainda mais agora que a dona Nicéa parece reencarnar Pedro Collor e faz com Celso Pitta o mesmo que fez o irmão do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Aliás, as circunstâncias são muito semelhantes, não só da denúncia como também da repentina ascensão, há pouco mais de quatro anos, daquele que neste instante é quase ex-prefeito de São Paulo. Talvez daqui um tempo descubra- se que o cacife do prefeito também foi montado pela mídia, seguindo o exemplo de Fernando Collor, como narra Mario Sergio Conti em seu livro. Mais, quem sabe um dia se esclareça o mistério para a ampla cobertura sobre o envolvimento do todo-poderoso Antônio Carlos Magalhães nas denúncias da ex-primeira dama da cidade de São Paulo. Que desavenças teriam havido entre os donos das emissoras e o senador baiano?
Muitos sustentam que a essência do jornalismo é a denúncia. Pode ser, quando a denúncia em questão não atinge os interesses da própria mídia ou de seu mercado. Ou quando a denúncia tem um sentido estratégico para a empresa de comunicação em derrubar alguém do poder. Para quem não conhece os meandros da atividade, é bom saber que o jornalismo seleciona, organiza e ordena os fatos e as informações de acordo com uma dada visão da realidade. Isto ocorre na redação e até certo ponto de forma inconsciente. No âmbito das chefias e das direções das empresas de comunicação, a pauta guarda uma estreita proximidade com as idiossincrasias do poder. Denúncias como as que provocaram o impeachment de Collor e ameçam Pitta não são publicadas sem o consentimento dos donos dos veículos.
Ao recompor a trajetória de Fernando Collor na perspectiva da imprensa, Conti traça ao mesmo tempo uma história factual da comunicação social no Brasil e revela o papel que os grandes veículos desempenharam no desfecho de episódios significativos da vida nacional. Desde o lançamento de “Notícias do Planalto – a imprensa e Fernando Collor”, no final do ano passado, inúmeros comentários apontaram lacunas e lapsos no trabalho de jornalista. Não é o caso de repisar ou polemizar. O que importa de fato é que, ainda que ambivalente, o texto permite comprovar a conexão da imprensa com o poder e a falácia da isenção. Sem contar, é claro, o poder ilegítimo exercido por uma instituição que não recebeu um voto sequer de nenhum eleitor e, no entanto, pode forçar a eleição e a queda de um presidente.