Margs mostra pela primeira vez a arte missioneira do estado, considerada a mais brasileira entre os barrocos brasileiros
Um anjo sob uma luz suave acolhe quem toca o piso da sala. O cenário é o da nave central de uma pouco iluminada e aconchegante catedral barroca. Há um convite à oração e santos espalhados pelas alas laterais emprestam sua mudez contemplativa como aval a alguma possível experiência mística. O templo, entretanto, é o da arte. Num apagar de limites entre o sagrado e o profano, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) organizou a exposição do Barroco Missioneiro recriando o espaço de uma igreja. Até o dia 20 de abril, cerca de 46 estatuárias e 12 fragmentos arquitetônicos confeccionados no século 18 ocuparão as pinacotecas do prédio localizado na Praça da Alfândega, em Porto Alegre.
A maior parte destas peças vem do Museu das Missões de São Miguel. Com 60 anos de existência, o espaço localizado junto ao sítio arqueológico de São Miguel tem projeto arquitetônico de Lúcio Costa, um dos idealizadores de Brasília. O lugar foi a necessária proteção, à época, das quase cem esculturas que se deterioravam ao estarem espalhadas, inclusive, por casas de moradores da região. Depois de encontrarem abrigo seguro, nunca mais haviam deixado a terra em que foram esculpidas até virem, agora, para o museu gaúcho. A exceção são nove peças pertencentes ao mesmo acervo, que foram vistas na mostra Barroco Brasileiro – Entre o Céu e a Terra no final do ano passado em Paris. “A exposição que está aberta no Margs é um marco, colocamos um museu dentro de outro”, diz Luís Carvalho da Rocha, curador e também responsável pelo projeto museográfico da mostra.
Para Fábio Coutinho, diretor do Margs, essa é uma das mais importantes exposições que o espaço teve em toda a sua trajetória. “Não só por estarmos trabalhando com obras que fazem parte do patrimônio cultural da humanidade, tombadas pela Unesco, mas também por toda a estratégia utilizada para a viabilização da montagem”, explica. “Tivemos que ter um grande cuidado com transporte e segurança.” Luís Carvalho, por sua vez, lembra a preocupação em trabalhar com peças frágeis e também em montar um espaço cenográfico dentro de um prédio tombado pelo patrimônio histórico, como o da Praça da Alfândega. “Houve limites, um deles freou a nossa idéia de colocar torres na sala central para que fossem pendurados os famosos sinos de São Miguel”, explica.
O curador do acervo ainda ressalta a importância de reunir as obras num ano que tem como marco a comemoração dos 500 anos de descobrimento do Brasil. “As peças criadas nas Missões são legitimamente brasileiras. Vemos um barroco completamente nacional”, diz. Luís Carvalho refere-se à fusão da cultura européia com a cultura indígena para a criação de obras únicas, ímpares. “Se compararmos esse com o barroco de Minas Gerais ou da Bahia, notaremos uma enorme diferença”, afirma. “O movimento existente nestes lugares foi apenas uma cópia do que estava acontecendo na Europa”. Para Luís Carvalho, o barroco missioneiro observa a cultura européia, mas produz algo novo. “Há uma expressão brasileira nisso, que reflete a verdadeira miscigenação característica de nossa cultura.”
Pelo mesmo caminho vai o poeta e professor de história da arte Armindo Trevisan, ao dizer que o barroco, “lento e profundo”, que pode ser observado na mostra é resultado do encontro do legado europeu com a vivência indígena. Fábio Coutinho, por sua vez, lembra a inexistência no Estado de qualquer trabalho artístico que se aproxime do momento do descobrimento do país tanto quanto as peças integrantes do Barroco Missioneiro. “A relação com o que representa esta data histórica é tamanha que 19 peças das que integram a exposição estarão, nesse ano, na mostra nacional “Brasil 500”.
SERVIÇO
Mostra Barroco Missioneiro – Museu de Arte do Rio Grande do Sul Praça da Alfândega, Até 20 de abril, de 10h às 19h (menos segundas-feiras)