Os antidepressivos ultrapassaram a barreira das doenças nervosas e são usados não apenas em casos de distúrbios psicológicos, mas também para atacar enxaquecas, dores crônicas e reumáticas, bulimias, anorexias, ou seja, passaram a se constituir numa saída para tudo que aflija, de alguma maneira, o ser humano. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que todos os médicos, de qualquer especialidade, já tenham receitado, em alguma situação, antidepressivos
Magali, 45 anos, funcionária pública, casada. Todos os meses, ela sofria com os efeitos inconvenientes da tensão pré-menstrual (TPM) e, como tantas mulheres, buscou ajuda na medicina para resolver o problema. Encontrou a solução para as alterações repentinas de humor numa receita azul, onde vem inscrita a requisição para uma fórmula denominada fluoxetina, comercialmente conhecida como Prozac. O antidepressivo, identificado como a pílula da felicidade, já é o sexto medicamento mais vendido em todo o mundo.
Hoje, os antidepressivos ultrapassaram a barreira das doenças nervosas e são usados não apenas em casos de distúrbios psicológicos, mas também para atacar enxaquecas, dores crônicas e reumáticas, bulimias, anorexias e até, como no caso de Magali, TPM. Passaram a se constituir numa saída para tudo que aflija, de alguma maneira, o ser humano. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que todos os médicos, de qualquer especialidade, já tenham receitado, em alguma situação, antidepressivos.
Esse exagero na prescrição está assustando médicos, especialistas, organismos de saúde pública,. Consumidores. Boa parte das vezes a receita sai por pressão do paciente, para uso com outros fins, como em regimes de emagrecimento. Outras vezes, porém, é indicado para encurtar tratamentos psicoterapêuticos que seriam longos sem a ajuda de um suporte químico. A função dos antidepressivos é normalizar o fluxo de neurotransmissores, as moléculas que conduzem o impulso nervoso entre um neurônio e outro, e a maioria das doenças do sistema nervoso que produzem alguma alteração de humor têm como substrato químico um distúrbio desse fluxo. Portanto, fora desse diagnóstico eles são muito pouco recomendados.
Mas não é o que acontece. A professora da Faculdade de Farmácia da PUC/RS, Liamara Andrade, alerta que os antidepressivos não devem ser usados indiscriminadamente e nem por tempo prolongado. “Sem psicoterapia, a medicação é imprevisível, ou seja, não sabemos exatamente o que os remédios podem causar”, diz Liana.. A professora aconselha as pessoas a procurarem um psiquiatra para fazer um diagnóstico e jamais tomarem os antidepressivos sem orientação e, principalmente, sem o acompanhamento de psicoterapia. Os antidepressivos têm a venda controlada no Brasil e só podem ser comercializados com receita azul, que deve ser retida na farmácia. Muitas vezes, porém, é fácil ter acesso a uma droga desse tipo sem ter de pagar mais caro ou sem precisar da receita médica.
Há muitos casos, por outro lado, em que os medicamentos são necessários. A depressão destaca-se pelo alto índice de casos registrados. Para se ter uma ideia, a doença atinge 6% da população mundial (7,5 milhões de pessoas só no Brasil), podendo levar ao suicídio nos casos mais graves e debilitar o sistema imunológico a ponto de permitir o aparecimento de doenças graves. Segundo a OMS, de 10% a 20% das pessoas vão sofrer de depressão em algum momento de suas vidas. Uma em quatro mulheres são atacadas pela doença, que não pode ser confundida com uma tristeza profunda.
Na verdade, é difícil diagnosticar a de pressão. Ela não tem sintomas claros. Genericamente, pode ser confundida com falta de auto-confiança, como dificuldade de concentração, com irritabilidade, em suma, com um estresse profundo. Como distinguir uma coisa da outra, já que estresse e depressão são coisas bem diferentes? A depressão é química, ou seja, provocada por um desequilíbrio ainda inexplicável dos neurotransmissores cerebrais. As alterações, que afetam diretamente as emoções, podem também afetar a capacidade mental. Isso quer dizer que se torna mais fácil ter pensamentos negativos, e pode ser mais difícil concentrar-se ou tomar decisões.
Problemas físicos também podem ocorrer em pessoas deprimidas, decorrentes do desequilíbrio emocional. Algumas têm dificuldade para dormir ou acordam muito durante a noite. Outras querem dormir o tempo todo. A depressão também pode fazer com que alguém perca o apetite ou queira comer todo o tempo, especialmente doces. Alguns perdem o interesse pelo sexo. Outros têm dores de estômago, dor de cabeça, suores, taquicardia ou outro sintoma físico. Todos são sintomas físicos, reais, provocados pela disfunção química do cérebro. Nesses casos, o medicamento é mais do que necessário para equilibrar o funcionamento do organismo.
O grande problema dos antidepressivos são os efeitos colaterais, que atormentam os pacientes. Os mais incômodos são pressão baixa, tremores nas mãos, taquicardia leve, diminuição da sensibilidade e do interesse sexual, perda de memória e aumento do apetite. É um coquetel de efeitos colaterais que pode transtornar a vida de qualquer um.
Mas segundo o psiquiatra Vitor Jakobson, do Instituto Cyro Martins, as drogas mais modernas não apresentam reações desagradáveis. Jakobson ressalta a pouca experiência na administração desses medicamentos, mas garante que os antidepressivos, usados há mais de 30 anos, ainda não apresentaram nenhum caso de efeitos colaterais sérios a longo prazo, muito menos de dependência química.
Os antidepressivos estão classificados em algumas categorias, como tricíclicos (amitriptilina e nortriptilina), comercializados nos últimos 30 anos. Eles deixaram de ser usados em função da elevada toxicidade cardíaca, que poderia causar problemas de tensão sanguínea ou nervosa e taquicardia. Os Inibidores da Monoamino Oxidase (IMAO) também são conhecidos há bastante tempo. A aplicação dos IMAO mantém-se limitada devido aos efeitos secundários. Durante o tratamento, os médicos recomendam às pessoas evitarem alimentos como chocolate, queijo, cerveja e fígado de galinha, pois eles contêm grandes quantidades de tiramina, uma das substâncias acumuladas pelo uso da medicação.
Os antipressivos mais modernos são os Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotoxina (ISRS) e os Inibidores da Recaptação de Serotonina e Noradrenalina (IRSN). Nessas classes, os mais conhecidos são a fluoexetina (ISRS) e a venlafaxina (IRSN). Os primeiros são os mais utilizados no Brasil e os últimos apresentam uma vantagem, ainda não confirmada cientificamente, em relação ao início da ação. Estudos indicam que os IRSN agiriam mais rápido que os outros antidepressivos e apresentariam melhor eficácia clínica. Testes realizados demonstraram que, com as fórmulas antigas, os pacientes têm até 90% de chance de recuperação, enquanto as possibilidades de cura com os medicamentos modernos chegam a apenas 60%. Vale lembrar que, normalmente, esses medicamentos levam cerca de 15 dias para começar a fazer efeito. No início deste ano, o médico do Instituto Psiquiátrico de Nova York, Justine Kent, confirmou que os IRSN “são tão eficazes quanto os inibidores de recaptação de serotonina, mas têm menos efeitos colaterais, permitindo melhor qualidade de vida aos pacientes”.
Os sais de lítio também são utilizados em tratamentos de pessoas deprimidas. O carbonato de lítio é o único medicamento comercializado no Brasil. Embora a dose terapêutica que combate a depressão seja bem próxima da tóxica, prejudicando a saúde do paciente, o diretor de saúde mental da OMS, Jorge Alberto Costa e Silva, diz que em 90% dos casos de depressão o paciente precisa tomar medicamentos o resto da vida, “principalmente o carbonato de lítio, um remédio de origem natural”.
*com Flávio Ilha
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