A escrita já passou por diversas mídias: a pedra, a pele de ovelha, pergaminhos, papiros, papel, a tela do computador. Quando surgiu a Internet os apocalípticos de plantão anunciaram o fim do livro de papel. Ledo engano. A novidade mais recente, o e-book – livro eletrônico em formato digital – pode parecer aos apressadinhos como o próximo carrasco do formato clássico, mas isso não é verdade, pelo menos segundo os especialistas
O e-book, que já é moda nos Estados Unidos, está em difusão no mercado europeu desde seu lançamento no Salão do Livro de Paris, em março deste ano, mas não vem para competir com o livro de papel. Ao contrário, parece ter uma vocação própria: a de facilitar a consulta, adaptando-se melhor como suporte para determinados tipos de literatura, como livros didáticos, pesquisas, teses acadêmicas, textos jurídicos, de medicina, dicionários e afins.
É verdade que ninguém está arriscando palpites definitivos para o futuro, sob o risco de passar pelo papelão de Bill Gates ao anunciar o fim do jornal de papel (on paper, como falam os internautas) com a chegada da Internet, anos atrás. Foi desmentido pela história. As vendas e a circulação dos jornais de papel aumentaram e a Internet trouxe novos leitores para o mercado. Fenômeno semelhante ocorreu com o surgimento da TV em relação ao rádio. Nunca se ouviu tanto rádio como nos dias de hoje. Paulo Ledur, da Câmara Rio- grandense do Livro e dono de editora, aposta no mesmo fenômeno e garante que as editoras gaúchas já estão de olho neste filão. “As livrarias virtuais podem muito bem ser usadas para a comercialização do livro eletrônico”, diz.
Ledur acha pouco provável que no futuro o e-book supere sua vocação natural de livro de consulta. Victor Kupfer, diretor geral da Ieditora, especializada em livros eletrônicos (existem menos de meia duzia no Brasil), entende que, com o tempo, o uso do e-book será estendido para todos os tipos de literatura. Mas para ele tudo isso é “café pequeno” perto da possibilidade de democratização do mercado editorial para novos autores. Se o formato der certo, segundo Kupfer, um novo autor terá mais facilidade de ter seu livro lançado graças à diminuição de custos editoriais. Com cada exemplar de papel podem ser “publicados” três títulos virtuais.
Se para os consumidores o preço de tela (é assim que é chamado o preço de capa virtual) é em média de 20% a 30% mais barato, para os editores custa apenas um terço do que gastariam nos livros de papel. O custo da industrialização significa um risco para as editoras, que se mostram em geral resistentes em lançar escritores calouros. Mas por que a baixa de custo não chega ao leitor na mesma proporção que para as editoras? O presidente da Câmara do Livro afirma que é para as editoras manterem uma boa relação com as livrarias. “Se vendermos os livros a um preço muito inferior estaremos competindo com nós mesmos”, diz Ledur.
Esta regra, no entanto, só vale para as editoras que trabalham com os dois formatos. Já estão surgindo empresas especializadas no formato virtual que oferecem vantagens de até 50% no preço de tela. Ledur também considera um pouco arriscado falar em democratização, pois se o mercado está mais voltado para obras de consulta pode ser precipitado julgar um autor que vendeu pouco diante desta realidade. “Não podemos sacrificar um escritor com potencial que não está sendo apresentado ao seu público da forma mais adequada. Ainda é muito cedo para fazer qualquer projeção”, justifica. Além disso, ele considera que a quantidade de pessoas com acesso à Internet no Brasil ainda é muito pequena.
Qualquer profecia definitiva sobe o futuro dos livros é um grande risco de passar pelo papelão de Bill Gates, quando anunciou o fim do jornal de papel. O e-book, porém, aponta para a democratização do mercado editorial.
O “não” das editoras, bastante comum, foi driblado por Ednei Procópio dos Santos, ou Ed Kerouac, 23 anos e escritor debutante inspirado nos beats americanos. Até a última Bienal do Livro ocorrida em São Paulo, em março, ele amargou algumas rejeições, recebeu portas na cara e propostas indecentes. “Muitos editores me propuseram que eu bancasse do meu próprio bolso a primeira tiragem, um absurdo”. Na Bienal, Ed apresentou seu material a diversas editoras, disposto a não sair dali com as mãos vazias. Menos de dois meses depois, seu e-book estava lançado. Trata-se de obra que mistura ficção e poesia, “Os versos de James”, R$ 4 no site www.ieditora.com.br. Daí a vender, são outros quinhentos. Mas Ed considera importante a visibilidade que dá para o autor ter um livro na rede. “Pelo menos 700 usuários passam diante da obra por dia. Quando lançar meu próximo trabalho já não serei um total desconhecido”, justifica.
Para Victor Kupfer, diretor geral da Ieditora (editora de livros eletrônicos com site no ar desde abril e que já obteve mais de 4 mil downloads), trata-se de um laboratório para novos escritores. “Temos a chance de lançar novos autores a um custo baixo. Com o tempo temos a possibilidade de apresentar ao público estes mesmos autores em livro de papel, por meio de nossas parcerias com editoras tradicionais.”, afirma.
O e-book tanto pode ser lido na tela do computador como em aparelhos que permitem armazenar até 4 mil páginas de texto em sua memória. No Brasil o tal aparelhinho ainda não chegou, mas lá fora custa cerca de US$ 200. Já é possível adquirir livros eletrônicos na rede assim como os programas que permitem a leitura na tela do computador. Em geral o programa é oferecido de forma gratuita pelas editoras virtuais. O arquivo, em geral uma extensão *.PDF, permite a impressão em papel.
No Brasil, João Ubaldo Ribeiro optou por lançar uma obra inédita chamada Miséria e Grandeza do Amor de Benedita, exclusivamente pela Internet. O livro é da editora Nova Fronteira e pode ser adquirido pelo site www.submarino.com.br. Já o escritor e jornalista Mário Prata optou por uma experiência mais radical. Está escrevendo um romance on line com a presença dos leitores em tempo real durante a criação. É possível assistir ao vivo o surgimento de cada frase e personagem na tela, conferir os capítulos prontos, a revisão, as modificações e a criação dos personagens, além de ter acesso aos comentários do autor e dos outros leitores. Há uma webcam que transite imagens do escritor durante seu trabalho. O acesso é gratuito.