CULTURA

Irmandade centenária

Jéferson Assumção / Publicado em 10 de setembro de 2000

Tchecov nos lembra em As Três Irmãs que o mundo é fugaz

Esquecidos, mas esquecidos para sempre, é este o destino de todos os seres humanos. Sem ilusão, sem pause ou review de máquinas fotográficas ou câmeras de vídeo, que só o que podem fazer é mascarar uma realidade tão dura quanto sempre foi. Há cem anos, o russo Anton Tchecov lembra disso em uma famosa e terrível peça de teatro chamada As Três Irmãs.

Desde aquela época retratada por Tchecov (fim do século XIX), nada no mundo mudou, apesar das aparências. Era fim de século, início de outro, um período que, queiramos ou não, parece-se muito com o que vivemos agora. Tchecov é um dos maiores escritores de todos os tempos. Soube, como poucos, combinar numa arte fina, elementos do dia-a-dia do povo russo a reflexões universais, mas mais que universais, atemporais, acerca da existência humana. Em resumo, fez o que Maxim Górki diz ser o segredo da literatura russa: uma combinação, no ponto certo, de romantismo e realismo.

O centenário de As Três Irmãs é uma dessas boas desculpas para se falar de Tchecov e lembrar histórias como O Beijo, Kaschtanka ou O Homem no Estojo. Das cenas de sua famosa história, pode-se ter uma idéia da arte desse médico russo que conheceu praticamente todo o território de seu país e contou, em centenas de histórias, não a história do espírito russo, mas o da humanidade.

O enredo é simples. As três irmãs Olga, Irina e Macha amargam uma existência provinciana, desejando voltar para Moscou, onde haviam passado uma feliz infância. Com pouquíssima ação e belos diálogos, os personagens discorrem sobre uma vida banal, à espera do sempre adiado dia de voltar à capital russa. É uma vida de marasmo, de inércia, abalada uma única vez pela chegada de um exército e seu comandante, chamado Verchinin. As irmãs são atraídas por aquele homem que vem de Moscou, como quem sopra-lhes um ar renovado. No entanto, tudo acaba com o destacamento partindo do lugarejo e as irmãs se dando conta de quão inevitável é seu pobre destino a que, vêem, estão condenadas.

A atualidade de As Três Irmãs está exatamente em seu clima de fim de século, de fim de um mundo para início de outro. Como em nossa época, a passagem do século XX ao XXI, há um novo tempo chegando. Mas Tchecov não se ilude. Nada permanece, ele sabe. Tudo vai para um nada, fica para trás, sempre para trás, em um inevitável não-existir-mais. É este o tema principal de sua história, em que Macha diz, entristecida, a Olga, lembrando a mãe das irmãs, morta há alguns anos: “Imaginem que estou começando a esquecer o rosto dela. E será assim que seremos esquecidos, nós, também, um dia”. Nós, do alto do nosso tempo, não podemos achar que estamos salvos em meio a tanta televisão, computadores e máquinas fotográficas.

Nosso mundo está indo, sim, como o das Três Irmãs, para um passado do qual jamais poderá ser resgatado, nem lembrado.
Ilustração: reprodução de “Retrato de Yvonne Lerolle” de Maurice Denis, 1897

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