CULTURA

O homem cordial

Ana Esteves / Publicado em 12 de setembro de 2002
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Divulgação

A contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade – daremos ao mundo o homem cordial. (Sérgio Buarque de Holanda)

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Eu sou o pai do Chico. Era assim que Sérgio Buarque de Holanda costumava se apresentar. O escritor, jornalista, historiador e crítico literário, além de ser o pai de Chico Buarque, era considerado um dos maiores intelectuais brasileiros do século XX. No centenário do nascimento do autor de Raízes do Brasil, está sendo realizada uma série de homenagens, desde a filmagem do documentário Raízes do Brasil – Biografia de Sérgio Buarque de Holanda, de Nelson Pereira dos Santos, passando por exposições e seminários, até a criação de um site (www.unicamp.br/siarq/sbh) exclusivo sobre a vida e obra do escritor, lançado em maio pela Unicamp, que abriga, desde 1983, o Acervo Sérgio Buarque de Holanda.

Conforme o professor de literatura da Universidade de Princeton (EUA), Pedro Meira Monteiro, estudioso da obra de Sérgio, este é um bom momento para destacarmos a relevância do trabalho do autor e aproximá-lo do leitor comum. “A obra de Sérgio Buarque de Holanda tem importância ímpar principalmente em duas grandes linhas de interpretação: a percepção de um legado ibérico da nossa formação social, o que explica o lado personalista do brasileiro, e a percepção de como o legado rural nos atrapalha, pois não conseguimos estabelecer conceitos de cidadania”, afirmou.

Considerada a principal obra do autor, Raízes do Brasil segue a trilha da tradição do movimento modernista, que projetava redescobrir e reconhecer o Brasil. Nela, Sérgio Buarque de Holanda propõe um estudo das características formadoras da personalidade brasileira, por meio dos vínculos com a cultura ibérica. Ele é o criador do conceito do brasileiro como homem cordial: “a lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos em que aparece, ativa e fecunda, a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal”, conforme trecho do livro.

De acordo com o professor de história da Unicamp e presidente da comissão que homenageia o centenário do autor na universidade, Edgar De Decca, a obra de Buarque de Holanda surgiu inspirada nos tipos ideais do sociólogo alemão Max Weber. “Sérgio traça um painel histórico da formação da sociedade brasileira a partir daquilo que falta, que está ausente, ao tomar como modelo uma certa idéia de capitalismo, de estado e de trabalho modernos. O homem cordial é construído pela ausência de uma ética do trabalho, pela ausência do protestantismo, pela ausência do Estado, pela ausência de uma urbanização, por fim, pela ausência de uma racionalidade típica da modernidade capitalista”.

Conforme Pedro Meira, que também é autor do livro “Queda do Aventureiro”, que trata sobre o legado sociológico de Raízes do Brasil, as homenagens a Sérgio Buarque incluem o lançamento de um livro, organizado por Meira, que compila cartas trocadas entre Sérgio Buarque de Holanda e Mário de Andrade, entre 1922 e 1944. “Elas tratam de literatura, história e coisas pessoais dos dois pensadores. São cerca de 30 cartas que mostram a evolução do pensamento de cada um e o interesse de ambos em pontos em comum”, conta. No próximo ano, será lançada outra publicação com o título Sérgio Buarque de Holanda: novas perspectivas, também em comemoração ao centenário. “O livro trará 30 ensaios que propõem um levantamento crítico da obra de Sérgio. Nele agruparemos diversos pesquisadores, de gerações e países diferentes, com perspectivas diferentes”, detalha Meira.

O professor é um dos defensores de que as homenagens ao centenário do autor deveriam justamente trabalhar com a crítica à obra de Sérgio. “Muitas vezes, as homenagens ocorrem no circuito pessoal, quase anedótico, da família, dos amigos, ficando uma aura saudosista, o que não cabe para um pensador como Sérgio Buarque. A melhor homenagem é o questionamento das bases do pensamento, mexendo no legado dele, pois o lado festivo é o lado anedótico”, explica o professor. Pedro Meira acredita que o próprio Sérgio Buarque preferiria uma homenagem mais crítica. “Acredito que, se ele estivesse vivo, gostaria que fosse assim, principalmente porque esse circuito festivo sugere justamente a idéia do homem cordial, apresentado por Sérgio e que representa uma crítica sobre o lado pouco impessoal da personalidade do brasileiro”, completou Meira.
Bibliografia
Antologia dos poetas brasileiros na fase colonial. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde/Instituto Nacional do Livro, 1952-53. 2v.
Caminhos e fronteiras. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1957.
Encontra-se na 3ª edição (1994).
Cobra de vidro. São Paulo: Martins, 1944.
Elementos básicos da nacionalidade – o homem. Rio de Janeiro: Estado Maior das Forças Armadas/Escola Superior de Guerra, 1967.
Expansão paulista em fins do século XVI e princípio do século XVII. São Paulo: USP/Faculdade de Ciências Econômicas e Administração, 1948.
O Extremo Oeste (obra póstuma). São Paulo: Brasiliense & Secretaria de Estado da Cultura, 1986.
Monções. Rio de Janeiro : Casa do Estudante do Brasil, 1945.
Encontra-se na 3ª edição (1990).
Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1936.
Encontra-se na 26ª edição (1995).
Tentativas de mitologia. São Paulo: Perspectiva, 1979.
Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1958. Tese (Cátedra de História da Civilização Brasileira) – Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, Universidade de São Paulo.
Em 1959 – (torna-se livro, publicado pela editora J.Olympio).
Encontra-se na 7ª edição (1999).

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