Mulheres estão inovando a forma de viver a terceira idade e optando por atividades de lazer que lhes proporcionem uma velhice ativa. Esse novo comportamento foi constatado em uma pesquisa com moradores do Rio de Janeiro, realizada pela antropóloga Andréa Moraes Alves. Ela explica que a dança de salão está se constituindo em uma das opções de diversão preferencial e que essa escolha deve-se ao fato de as mulheres (que eram muito vigiadas na juventude) encontrarem nos bailes a possibilidade do livre exercício da sociabilidade feminina em grupo. “Essa liberdade de que podem usufruir agora na velhice é o que mais as motiva. Acho que estamos diante de um fenômeno marcadamente de gênero”, analisa. O trabalho foi transformado no livro A dama e o cavalheiro: um estudo antropológico sobre envelhecimento, gênero e sociabilidade (Editora FGV, 152 p.) lançado recentemente.
Rompendo com o padrão de que na velhice as pessoas devem ficar em casa, muitas dessas mulheres se dedicaram quase que exclusivamente à família, como é o caso de Annita Rial. Atualmente, aos 72 anos, ela distribui seu tempo entre as aulas de dança de salão, as de biodança e as de ritmos variados e o convívio com os cinco filhos e oito netos. “Adoro sair à noite para dançar”, diz. Ela conta que encontrou na dança uma forma de superar a morte do marido. “Senti-me muito sozinha e resolvi fazer biodança”, lembra. Depois de algum tempo, começou a freqüentar aulas de dança de salão. Seduzida pelos ritmos e pela sensação de bem-estar, não levou muito para perceber que poderia também freqüentar bailes. “As amigas me convidavam, e levei um tempo para aceitar. Agora não quero mais parar e estou sempre me programando para sair à noite”, frisa.
Diferente do universo de bailes pesquisados – o baile-ficha, tipo de baile no qual as mulheres adquirem fichas para pagar o dançarino por cada dança, e o baile da terceira idade –, Annita Rial opta não só por festas organizadas para a pessoas mais velhas, mas também freqüenta casas noturnas que tenham um bom local para dançar e boa música. O Cê que Sabe, por exemplo, é um dos bares onde ela gosta de dançar tango no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre. Sua vida social inclui, além das aulas, sair com as amigas pelo menos duas vezes por semana. Além do tango, que é a sua grande paixão, encara quase todos os ritmos: do samba ao pagode, passando pelo suingue. “Só não gosto do axé music, mas até o som de ‘bate estaca’ eu danço”, conta.
Na pesquisa de campo, foi verificado que, nos espaços festivos, as mulheres descobrem uma nova imagem de si mesmas e do envelhecer. “Elas se dão conta de que, mesmo maduras, podem atrair a atenção e os olhares de uma platéia de homens e mulheres, podem ser admiradas através do movimento corporal; isso é novo para uma geração que aprendeu que lugar de velha era em casa, reclusa, e que a exibição do corpo envelhecido era ridícula”, analisa a antropóloga.
Com a inclusão da nova atividade nessa etapa da vida, essas mulheres passam a ter um cuidado especial com aparência, com a roupa que sairão à noite, bem como com a aquisição de novas peças e acessórios que possam deixá-las mais bonitas. Geralmente, optam por trajes sociais, e o sapato alto, por exemplo, é indispensável. “Quando vou sair, começo a me arrumar com antecedência. Tenho mais roupas para sair à noite e sempre uso sapato com salto, porque sou muito baixa”, diz Rial.
Além do resgate da auto-estima, a convivência entre pessoas de faixa etária, camadas sociais e raças distintas contribui, de certa forma, com a quebra de preconceitos. Segundo a antropóloga, tal fato acontece porque na dança de salão a única diferença importante é a de papéis sexuais, ou seja, homem/mulher que formam o cavalheiro e a dama. “A diferença se dilui, e o que fica é o prazer de estar junto”, analisa Andréa Moraes. Ser um bom dançarino e conduzir com leveza é a exigência prioritária. “Danço tanto com homens mais jovens como com os da minha geração, não tenho nenhum tipo de preconceito, o importante é que ele dance bem, com firmeza”, avalia Annita.
Mulheres são maioria nos bailes
O estudo indicou também que, diferentemente das mulheres, os homens mais velhos optam pelo futebol e conversas entre eles, excluindo a presença feminina das atividades de lazer. A pesquisadora avalia que a dança empolga mais as mulheres do que os homens, porque “traz pra elas a possibilidade de continuarem seduzindo, uma possibilidade que os homens jamais abandonaram”, avalia.
Em função das diferentes opções de lazer, constata-se que as mulheres são maioria nos bailes e que grande parte dos homens são mais jovens. Assim como os homens contratam goleiros e juízes para garantir o joguinho de futebol, algumas mulheres precisam remunerar o dançarino para que ele as acompanhe. Este é o caso de Annita Rial e das amigas que racham o pagamento do profissional. “Não gosto de ficar esperando alguém me tirar para dançar e me sinto mais à vontade entre amigos”, conta.
As soluções para driblar a ausência masculina nos bailes são diversas e variam de cidade para cidade. No Rio de Janeiro, por exemplo, há o baile-ficha. Este tipo de baile é recente e geralmente é organizado por instrutores de dança. A iniciativa de convidar para dançar é dos dançarinos, cabendo à mulher aceitar ou não. Ao final de cada dança ou de um conjunto, a mulher entrega o número de fichas correspondente. Já em Porto Alegre, os clubes é que fazem a contratação de dançarinos. Identificados por um broche, eles ficam à disposição das mulheres, esperando o convite, e não há nenhum pagamento extra além do que é pago na entrada “É só escolher e tirá-lo para uma dança”, conta Annita, que acha interessante a novidade.
O que chama a atenção, segundo a antropóloga, é que essas novidades surgem num contexto extremamente convencional que é o da dança de salão, cabendo ao homem o papel tradicional de condutor, ou seja, ele define o ritmo e os passos da dança. “Eu acho isso muito interessante. É a mostra de como o tradicional e o moderno podem ser contíguos”, frisa Andréa Alves Moraes. Para ela, a tendência é aumentar a adesão das mulheres a esse novo estilo de comportamento, principalmente entre as que viveram sua juventude nas décadas de 40 e 50. “Essas pessoas estão envelhecendo hoje em um contexto de maior longe-vidade e busca pelo prazer. Além disso, com o avanço da visibilidade numérica e da importância econômica e política dos idosos, as opções de lazer voltadas para esse público tendem a aumentar”, analisa.
Prática constante beneficia a saúde
Além do resgate da auto-estima, a dança proporciona, também, benefícios à saúde e ajuda na prevenção de acidentes, garante o professor de dança do Centro de Lazer e Recreação do Idoso (Celari) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Ederson Alberto Teixeira Dornelles. “O fortalecimento da musculatura é um dos benefícios e contribui para evitar quedas, uma das principais causas de acidentes com as pessoas da terceira idade ”, informa Dornelles.
Iara Marranghello Costa, aposentada, 59 anos, solteira, com um filho de 30 anos, é uma das alunas do grupo de dança do Celari. Vítima de uma distonia muscular, doença que provoca movimentos involuntários em várias partes do corpo, encontrou na dança um antídoto para combater a depressão e baixa auto-estima.
Quando começou a freqüentar as aulas, a dúvida era se ainda seria capaz de fazer a atividade de lazer preferida na juventude. “Fiquei feliz quando o professor disse que eu estava me saindo bem, minha auto-estima foi para as nuvens”, lembra. Segundo Iara Costa, as aulas são fundamentais para se manter bem, tanto fisica quanto emocionalmente, no dia-a-dia. “Pela doença, tenho tendência a ter pensamentos negativos, e dançar ameniza, me ajuda a ficar mais tranqüila e harmonizada”, comenta.
Com dificuldades de dançar a dois, ela opta por não freqüentar bailes, mas participa mensalmente quando o grupo se reúne para dançar. A possibilidade de manter contato com outras mulheres é outro estímulo. “O convívio com outras pessoas acrescenta”, destaca. Os ritmos de preferência, quase todos. “Gosto do samba ao axé music, com uma paixão especial pelas músicas latino-americanas. “Encontrei-me na dança. Me faz muito bem”, conclui.
De acordo com Dornelles, as mulheres são as que mais procuram o Celari. “Muitas das minhas alunas são viúvas e chegam em busca de uma atividade física”, constata. Ele conta que, diferentemente do que se possa imaginar, elas encaram do olodum à salsa, sem abrir mão do samba nem do pagode. “Elas gostam de movimento e, com o tempo, ficam mais soltas e vão deixando para trás as amarras que as prendiam a determinados padrões”, ressalta, explicando que é perceptível o processo de renovação que essas mulheres estão fazendo no seu cotidiano.