CULTURA

Suassuna decifra o Brasil

Paulo César Teixeira / Publicado em 4 de outubro de 2005

Dramaturgo e romancista, professor e criador de cabras no sertão paraibano, Ariano Suassuna é conhecido como um decifrador de brasilidades. Sua obra dá voz a cangaceiros, violeiros, palhaços, vaqueiros, prostitutas, ladrões e assassinos, reunindo elementos do simbolismo, do barroco e da literatura de cordel. Autor de peças teatrais consagradas, como Auto da Compadecida, e romances premiados, a exemplo de A pedra do reino, Suassuna é membro da Academia Brasileira de Letras e já foi traduzido para idiomas como inglês, alemão, espanhol, francês, italiano, holandês e polonês. O escritor esteve recentemente no Estado por conta da Jornada de Literatura de Passo Fundo. Na ocasião, falou sobre sua vida e obra, que não se distinguem, ambas forjadas na luta em defesa da cultura nacional, contrapondo-se ao que chama de “lixo cultural” estrangeiro. A seguir, histórias narradas por Suassuna cujas datas de validade não possuem vencimento.

Diversidade cultural
Sou totalmente a favor da diversidade cultural brasileira, que é uma unidade de contrastes. Mas o rock não faz parte desta diversidade. É uma importação feita pela classe média brasileira da pior coisa que existe na classe média americana.

O mel da abelha
Não sou contra a influência estrangeira. Se falar mal disso, estarei falando mal de mim mesmo. Tive influência de Dostoievski, Tolstói, Cervantes, Quevedo, Shakespeare, Molière… Uniformidade não é pureza, é pobreza. É como dizia Montaigne – a abelha colhe o pólen de diversas flores, mas fabrica o mel que é só dela.

O circo e a leitura
Fui criado no sertão, onde não havia televisão. As duas únicas portas para sair da rotina eram o circo e a leitura. Naturalmente, tornei-me um leitor apaixonado. A preguiça de ler não é coisa só de jovem. Conheço muito velho que não lê. Mas o jovem tem mais motivos para não ler, por causa da tentação brilhante e extraordinária que é a televisão.

Regionalismo e cordel
Tenho uma dívida enorme com os regionalistas, desde o cearense Manoel de Oliveira Paiva até o goiano Hugo de Carvalho Ramos, passando pelo gaúcho Simões Lopes Neto. Mas o regionalismo brasileiro é neonaturalista, enquanto minha obra tem elementos mágicos e fantásticos, que herdei do folheto de cordel.

Romance moderno
Hoje em dia, não sou homem de muita leitura, mas gosto de reler aquilo que aprecio. Quando me perguntam o que acho dos romancistas brasileiros modernos, respondo que só conheço um: Raduan Nassar. Lavoura arcaica é um capítulo do Velho Testamento escrito por um brasileiro descendente de árabe.

Clássico e contemporâneo
Não faço distinção entre clássico e contemporâneo. Clássico não envelhece. Goethe será contemporâneo de todas as gerações. Cervantes era vanguarda há 400 anos. Dom Quixote continuará sendo contemporâneo na época dos trinetos dos trinetos daqueles que falam mal do romance. Não me canso de ler Édipo Rei, de Sófocles.

O poeta e o falastrão
João Cabral de Melo Neto era um sujeito triste, angustiado, amargurado, como Graciliano Ramos. Eles pertencem a uma linhagem contida, despojada e sóbria. Eu sou um falastrão. Rio de mim e dos outros. Vivo às gargalhadas. Minha obra se caracteriza pelo excesso verbal. Não sei escrever sem adjetivos. Nesse ponto, estou na companhia do mestre Euclides da Cunha.

Os braços de Caetana
Estou com 78 anos. Sinto a proximidade da morte, mas digo que não tenho medo dela. Sou corajoso, bravo. No nordeste, a morte é uma mulher e tem nome – Caetana. É o único jeito de aceitar essa maldita. Um dia, ela vai me estender os braços. Tenho a impressão de que ela é muito bonita, apesar da má fama.

Teatro e pecado
São Paulo disse que, um dia, o pecado vai acabar. Para o teatro, vai ser um desastre. Todo personagem é um pecador. Hamlet tem complexo de Édipo, é um assassino, acaba morto. Virtude e teatro têm caminhos opostos. Eu, por exemplo, sou um cidadão exemplar, acordo, tomo café, escrevo, leio, assisto à televisão. Quando vou me confessar, o padre morre de tédio. Por isso, minto um pouco. Todo escritor é mentiroso, inventa histórias que não acontecem.

Chicó, o mentiroso de Taperoá
Imaginação? Que nada, eu só faço copiar. Me criei no sertão paraibano, em Taperoá, que tinha só cinco ruas, mas muita gente interessante. O personagem Chicó, o mentiroso, de Auto da Compadecida, eu conheci lá mesmo. Já tinha morrido quando escrevi a peça, não ia se incomodar. Ele gostava de contar e nós de ouvir suas mentiras. Às vezes, aparecia um implicante para desmenti-lo. Ele retrucava: “Você está deixando todo mundo acanhado, inclusive eu. Todos sabem que eu minto”. Aí se virava para nós e perguntava: “Vocês preferem as minhas mentiras ou as verdades desse besta?”. Claro que preferíamos as mentiras.

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